Trinta anos atrás (em 22 de julho de 1992), o narcotraficante colombiano Pablo Escobar fugia da La Catedral — a prisão onde estava detido com seus seguidores, depois de entregar-se voluntariamente ao governo da Colômbia. Ele seria morto a tiros pelas autoridades em um telhado da cidade colombiana de Medellín, sua cidade natal, pouco mais de um ano depois.
E, em julho deste ano, também está sendo publicado o livro El Chino: La vida del Fotógrafo Personal de Pablo Escobar (“O chinês: a vida do fotógrafo pessoal de Pablo Escobar”, em tradução livre), do colombiano Alfonso Buitrago — um álbum fotográfico e relato da vida de Edgar Jiménez, que conheceu Escobar ainda jovem e, anos depois, captou com sua câmera os momentos mais íntimos do poderoso chefe do Cartel de Medellín.
Edgar Jiménez, conhecido como El Chino (“O Chinês”), foi recentemente entrevistado pelo programa de rádio Outlook, do Serviço Mundial da BBC, sobre esses primeiros anos de amizade na adolescência e como ele restabeleceu sua relação com Escobar, que o contratou para fotografar sua fantástica fazenda, seu zoológico e seus eventos pessoais e familiares.
Essa relação estendeu-se desde a “era de ouro” do narcotraficante (como chama o fotógrafo), quando era considerado um benfeitor dos pobres, até a campanha que o elegeu para o Congresso e, por fim, a onda sangrenta de violência de Escobar contra o Estado colombiano.
Mesmo depois de acompanhar por vários anos um dos homens mais procurados pela Justiça, ingressar no seu círculo interno, beber com seus impiedosos pistoleiros e saber das atrocidades que eles haviam cometido, Jiménez nãos se arrepende da sua relação próxima com Escobar.
“O narcotraficante não era eu”, declarou ele à BBC. “Estava desempenhando uma atividade legal, que era a fotografia.”
Esta é a história do fotógrafo que teve acesso a um dos mais famosos e perversos personagens do século 20, durante um período dramático da história da Colômbia e do mundo.
Estudante comum
Edgar Jiménez e Pablo Escobar conheceram-se em 1963, durante o primeiro ano do Ensino Médio no Liceu Antioquenho, uma instituição pública de classe média e baixa, mas considerada de muito boa qualidade.
Eles tinham 13 anos e formaram uma amizade típica de colegas de classe: havia camaradagem, praticavam esportes juntos e conversavam nos intervalos. “Fomos muito amigos”, segundo Jiménez.
A princípio, Escobar não se destacava muito.
“Pablo era um estudante comum. Nem bom, nem péssimo”, recorda Jiménez. “Isso não significa que não fosse inteligente, mas suas preocupações eram de outra natureza.”
Já com cerca de 16 anos de idade, era possível notar que tanto ele quanto seu primo Gustavo Gaviria (que estudava na mesma escola) “eram muito ansiosos para conseguir dinheiro” e começaram a negociar cigarros de contrabando.
“Nós, estudantes, tínhamos recursos econômicos de baixos a medianos. Escobar e Gaviria, também, mas eram os que tinham mais dinheiro devido a suas atividades dessa índole”, relata Jiménez.
Por falta de disciplina acadêmica, Pablo Escobar foi reprovado no quarto ano do Ensino Médio, que precisou cursar novamente em outra instituição. Por não estarem mais na mesma sala, nem no mesmo ano, os amigos começaram a distanciar-se e perderam contato.
Edgar Jiménez havia se interessado por fotografia graças a um laboratório muito bem instalado e a uma oficina de fotografia na escola. Quando se formou e entrou na universidade para estudar Engenharia, dedicou-se a fotografar eventos sociais para custear seus estudos.
Já Escobar formou-se bacharel um ano depois, mas estava aparentemente frustrado por não conseguir emprego — até que disse à sua mãe que não procuraria mais trabalho, mas jurou a ela que conseguiria seu primeiro milhão antes dos 30 anos de idade.
“Foi ali que ele tomou a decisão de tornar-se bandido e delinquente — com cerca de 19, 20 anos”, conta Jiménez.
Os dois ex-colegas voltaram a encontrar-se somente em 1980. Jiménez já era fotógrafo profissional e estava cobrindo um evento no município de Puerto Triunfo, a cerca de três horas de Medellín. Foi quando um amigo, que era funcionário público, convidou-o a conhecer uma fazenda esplêndida que havia naquela região.
Era a fazenda Nápoles, agora conhecida internacionalmente como o extravagante complexo campestre de Pablo Escobar. Já na porta de entrada, havia um pequeno avião, supostamente usado para “coroar” seu primeiro carregamento de cocaína para os Estados Unidos.
‘Como um safári na África’
Jiménez conta que ficou assombrado com as dimensões da fazenda — cerca de 3.000 hectares — que incluía uma zona de selva por onde passava um importante afluente do rio Magdalena, o maior da Colômbia. Tinha ainda cerca de 30 lagos, um lugar para touradas, uma grande pista de aterrissagem, heliporto e hangar.
Mas o mais memorável era o espetacular zoológico com “a fauna mais representativa de todos os continentes”. Da Austrália, por exemplo, havia emus, casuares e cangurus; da África, havia zebras, rinocerontes, antílopes, elefantes, girafas e hipopótamos.
Escobar tinha um aviário com uma grande quantidade de aves magníficas. Além dos faisões, pavões e periquitos, havia “araras de todas as cores, papagaios pretos que haviam custado uma fortuna e uma arara azul de olhos amarelos que havia custado US$ 100 mil [cerca de R$ 550 mil]”.
Os lagos estavam repletos de todos os tipos de cisnes, gansos, patos, pelicanos e até botos-cor-de-rosa do Amazonas. “Para quem não estava acostumado, era como estar em um safári na África, porque os animais andavam em liberdade e eram muito bem cuidados”, recorda o fotógrafo.
Pablo Escobar reconheceu imediatamente seu antigo colega de escola e o abraçou efusivamente. Quando soube que era fotógrafo, ele o contratou para que tirasse fotos dos animais do zoológico. Escobar queria montar um inventário com as imagens de todos os seus cerca de 1.500 animais.
“Ali começou minha nova relação com Pablo. De 1980 até sua morte”, conta Jiménez.
Foi uma longa tarefa, que incluiu diversas visitas à fazenda, já que ele tirava fotos de cerca de 50 a 100 animais e regressava depois de 15 ou 20 dias para continuar fotografando.
Ele se sente muito orgulhoso das fotos que tirou, particularmente dos primeiros hipopótamos que chegaram à fazenda e agora são “pais, avós e tataravós desses hipopótamos que estão disseminados por uma grande região da Colômbia” e são considerados uma espécie invasora.
Ele recorda momentos engraçados. Certa vez, uma avestruz arrancou com uma bicada um cigarro do seu assistente e Jiménez a fotografou como se a ave estivesse fumando.
Mas também houve momentos arriscados. Jiménez fotografou um casuar, uma das aves mais perigosas do mundo, com suas patas afiadas como facas e capazes de partir um ser humano.
“Não sabia e tirei fotos a um metro de distância. Ele me olhava fixamente. Se me atacasse, teria me matado”, relembra ele.
Também aconteceu o mesmo quando foi perseguido por avestruzes (que também dão potentes golpes com a pata). Jiménez precisou escapar movendo-se em zigue-zague, até que um trabalhador as interceptou e ele conseguiu escapar ileso.
Entre 1980 e 1984, além de organizar o catálogo fotográfico dos animais, Jiménez registrou os eventos sociais e familiares de Pablo Escobar e seus parentes próximos. Ele ingressou no seu círculo mais íntimo.
Jiménez também o acompanhou nas atividades cívicas, na distribuição de dinheiro para os pobres e na construção de moradias. As classes populares adoravam o chefão do tráfico por essas ações e ignoravam suas atividades ilegais.
O fotógrafo era “muito bem pago” pelo seu trabalho e, embora conhecesse a origem do dinheiro, Jiménez garante que não se arrepende de nada em sua relação durante esses anos que ele chama de “o lado bom, nobre e gentil de Pablo Escobar”.
Ele conta que, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os “mafiosos” que tinham muito dinheiro eram conhecidos, mas bem vistos na sociedade colombiana, não só nas camadas inferiores da sociedade, mas também nas altas esferas políticas e empresariais.
“Havia conivência com os narcotraficantes. Eles geravam emprego, negócios e ajudavam muita gente”, destaca Jiménez. “E os políticos que mantinham campanhas financiadas por Pablo nunca se perguntaram de onde vinha esse dinheiro.”
“O narcotraficante não era eu”, afirma Jiménez. “Eu estava desempenhando uma atividade legal, que era a fotografia.”
Lealdades opostas
Em 1982, Escobar entrou na política, tentando uma vaga na Câmara de Representantes. Naquele momento, embora se afirmasse que ele seria mafioso, “não se questionava nem se havia comprovado absolutamente nada”, explica Jiménez, que aceitou acompanhá-lo e ser coordenador da sua campanha.
“Imaginei que, se a política colombiana havia estado repleta de bandidos há 200 anos, por que outro bandido não poderia chegar à Câmara, ainda mais um que fazia obras sociais?”, conta.
A experiência política de Jiménez vinha da sua trajetória com a Aliança Nacional Popular (Anapo), um partido de esquerda que se dividiu depois de perder as questionadas eleições presidenciais de 1970.
Alguns dos seus integrantes acabaram formando parte do movimento guerrilheiro M-19, responsável por alguns dos ataques mais espetaculares ao governo colombiano.
Jiménez foi militante do M-19 desde o princípio. Era uma situação delicada para o fotógrafo, pois, naquela mesma época, o M-19 enfrentava um conflito violento com o Cartel de Medellín.
Poucos meses antes, uma célula do grupo guerrilheiro havia sequestrado Martha Nieves Ochoa — do clã Ochoa, sócio de Pablo Escobar no narcotráfico.
Devido a esse sequestro, o Cartel de Medellín patrocinou o grupo armado MAS (Morte aos Sequestradores), que foi parte da origem do paramilitarismo na Colômbia, e desatou uma guerra sangrenta.
“Eu estava entre duas facções opostas em combate. Duas facções muito violentas”, reconhece Jiménez.
O fotógrafo conseguiu sair dessa encruzilhada, segundo ele, porque Escobar sabia da sua militância no grupo guerrilheiro, mas “tinha muito apreço” por ele.
O narcotraficante sabia que o M-19 era uma guerrilha dividida em grupos e que uma célula independente havia realizado o sequestro de Martha Nieves Ochoa sem autorização
E, por outro lado, Edgar Jiménez contou para a cúpula guerrilheira sobre seu trabalho na campanha de Escobar, o que pareceu apropriado para eles e favorável aos seus interesses.
“As duas facções sabiam onde eu estava, o que estava fazendo e onde estava minha lealdade. Por isso, não aconteceu nada comigo”, garante Jiménez. Ele acrescenta que, em parte, ele foi importante na aproximação entre o M-19 e o Cartel de Medellín para conter essa guerra que havia custado muitas vidas.
Antes e depois
Mas isso não trouxe o fim do derramamento de sangue. Em 1984, começou uma guerra entre o Cartel de Medellín e o Estado colombiano e o país entrou em um dos períodos de maior convulsão da sua história.
O estopim foi o assassinato do então ministro da Justiça da Colômbia, Rodrigo Lara Bonilla, ordenado por Pablo Escobar. Lara Bonilla estava começando a lutar contra os cartéis do narcotráfico.
Para Edgar Jiménez, esse fato foi o “divisor da vida de Escobar, [entre] o antes e o depois”. O antes era o que ele chama de “era de ouro” do narcotraficante, quando suas atividades não eram associadas à violência, mas sim a “benefícios sociais”.
O que veio depois foram anos de atentados a bomba e assassinatos de jornalistas, magistrados, militares e policiais.
“Com essa violência desenfreada, com esses assassinatos e crimes, eu não podia estar de acordo. Nunca”, relatou ele. “Mas também não podia fazer nada, já que eu não era parte do Cartel de Medellín, eu não pertencia àquela estrutura.”
E ele garante que também não podia denunciá-lo, porque com certeza seria morto.
Depois do assassinato de Lara Bonilla, Jiménez foi ainda duas vezes à fazenda Nápoles. A visita de que ele mais se lembra foi em 24 de fevereiro de 1989 — o ano mais violento da história recente da Colômbia.
Ele foi fotografar o 13° aniversário do filho de Escobar, Juan Pablo. Ali ele tirou uma foto do capo que ele afirma ser a mais significativa, porque revela muito sobre o momento por que ele passava.
“A festa foi muito íntima, com a participação apenas dos familiares e amigos mais próximos”, segundo o fotógrafo. Escobar havia se afastado da festa e estava completamente absorto em seus pensamentos, olhando para baixo. Foi quando Jiménez tirou a foto.
Aquela imagem, segundo Edgar Jiménez, capta as “profundas reflexões de Pablo, que, naquele momento, enfrentava todo tipo de problemas devido à intensa perseguição contra ele [e] muito provavelmente estavam relacionadas àquela série de acontecimentos trágicos que se aproximavam.”
“Essa foto eu relaciono com o que veio em seguida”, afirma Jiménez. O que veio em seguida foi o assassinato do candidato à presidência Luis Carlos Galán, a derrubada de um avião de passageiros e os atentados a bomba contra as instalações do Departamento Administrativo de Segurança e do jornal colombiano El Espectador.
Perseguido pelo exército e pela polícia da Colômbia, além do chamado Bloco de Busca, e com sua extradição exigida pela CIA e pela Agência de Combate às Drogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês), Pablo Escobar decidiu entregar-se às autoridades colombianas, depois de conseguir um acordo segundo o qual ele cumpriria uma pena de prisão e o Estado garantiria sua segurança sem extraditá-lo.
Foi um golpe de astúcia do capo. A prisão foi construída sobre uma montanha, segundo suas próprias especificações e repleta de luxos — incluindo uma jacuzzi, sala de bilhar, bar, aparelhos de televisão, móveis importados e um campo de futebol. E, dali, ele continuou cometendo crimes, convocando seus seguidores e até assassinando alguns deles.
Até que, por pressão da promotoria pública, o governo ordenou o traslado de Escobar e seus companheiros reclusos para uma “prisão de verdade”, mas eles conseguiram escapar facilmente em 22 de julho de 1992, por um muro de gesso construído especificamente para esse fim.
Foi quando começou novamente a caçada implacável ao chefe do Cartel de Medellín, até sua morte a tiros em um telhado na cidade de Medelín, em 2 de dezembro de 1993.
Tristeza e alívio
Naquele momento, Edgar Jiménez encontrava-se no seu laboratório de fotografia no centro de Medellín. Pelo rádio, ele tomou conhecimento da notícia que estava dando a volta ao mundo.
Jiménez confessa que seus sentimentos foram contraditórios. De um lado, ele sentiu tristeza por alguém que, mesmo sendo um criminoso que causou tantos danos (como ele bem sabia), não deixava de merecer o afeto mútuo existente entre eles desde a infância.
“Comigo, Pablo sempre se comportou muito bem, pessoalmente e como amigo”, garante ele. “Foi uma dor para mim que alguém com sua capacidade e inteligência, que havia sido muito útil para a sociedade, tivesse tomado um rumo diferente.”
Mas, por outro lado, ele reconhece que sentiu alívio “pela sociedade colombiana, pois o país estava apreensivo” com os constantes atentados a bomba que causaram a morte de policiais e muitos civis inocentes, incluindo mulheres e crianças.
“Pelo menos, toda essa violência terminava. Isso vi como positivo.”
Jiménez continuou em contato com a família de Escobar até o início dos anos 2000 — sua mãe e irmãos, além da família Henao da sua esposa, cobrindo eventos sociais. Mas sua vida sempre estará ligada ao antigo chefe do cartel de Medellín.
“É o bandido mais famoso da história. Sua vida o transformou em lenda e sua morte, em mito. E eu, de alguma forma, faço parte disso”, conclui Jiménez.
Todas as fotos têm direitos reservados.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62300964