- Deborah Nicholls-Lee
- Role,BBC Travel
Quando cai a noite, o primeiro hotel-cápsula do mundo (aberto em Osaka, no Japão, em 1979) deve parecer um necrotério, com suas estreitas cápsulas de dormir organizadas em fileiras, cada qual abrigando um corpo deitado.
Mas, quando amanhece, seus ocupantes – basicamente, homens de negócios que trabalharam até tarde no dia anterior – levantam-se para se dirigir ao escritório. Eles estão agradecidos por aquela eficiente solução para passar a noite, economizando o transporte de ida e volta para casa de madrugada.
Quando o conceito dos hotéis-cápsula se espalhou, turistas que ficam satisfeitos em dormir em um quarto do tamanho da sua cama começaram a se aglomerar em torno deles, ávidos para conhecer este aspecto incomum da cultura japonesa.
E, nos dias atuais, as altas tarifas dos quartos de hotéis, alimentadas por anos de aumento dos preços dos imóveis, impulsionaram este conceito, normalmente de baixo custo. Para os viajantes que não conseguem pagar pelos hotéis tradicionais, ele oferece mais privacidade do que um dormitório coletivo e mais conforto e conectividade do que um acampamento.
As cápsulas, predominantemente individuais, também atendem ao atual crescimento das viagens solo. E os hotéis-cápsula restritos a hóspedes do mesmo sexo aumentam a segurança.
As projeções indicam que o mercado global de hotéis-cápsula atinja US$ 327 milhões (cerca de R$ 1,8 bilhão) em 2031. Com isso, surgiram curiosos híbridos para manter esta tendência e atrair novos clientes.
Estes hotéis seduzem a geração do TikTok com formatos cada vez mais extravagantes, como os canos de esgoto adaptados do deserto da Colômbia e as cápsulas da era espacial com painéis de controle ambiental, no centro de Sydney, na Austrália. Todos eles prometem uma experiência única e histórias para serem compartilhadas nas redes sociais.
Paralelamente, livrarias em cápsulas convidam os amantes dos livros a tirar uma soneca entre as estantes e versões boutique dos hotéis-cápsula trazem luxo ao mercado tradicionalmente minimalista, com belas decorações ou promessas de edredons fofos de penas de ganso.
É um conceito que vem claramente se reinventando – e aqui estão oito dos exemplos mais extraordinários.
Laboratório do sono
Nine Hours é uma rede de 13 hotéis no Japão. Eles podem ser encontrados desde Fukuoka, no oeste, até a ilha de Hokkaido, no nordeste do país.
Além da hospedagem, a rede oferece um adicional incomum: dados do sono.
Nas unidades da Estação Shinagawa (somente masculina) e de Akasaka, os hóspedes podem se inscrever em um serviço de “análise de 9 horas de sono”. Nele, sensores detectam de tudo, desde a respiração até as expressões faciais do hóspede, para gerar um relatório do sono que acompanha seus batimentos cardíacos, identifica a apneia do sono e até registra os roncos.
Em um setor que costuma privilegiar o baixo custo ou a novidade em detrimento do conforto, o interesse do Nine Hours pela qualidade de sono dos seus hóspedes é um diferencial.
Em todos os hotéis da franquia, a decoração branca e minimalista reflete sua temática clínica. Já suas fileiras de cápsulas de dormir brilhantes e compactas poderiam fazer parte do cenário de um filme de ficção científica.
Seu nome faz referência ao conceito de redução de custos do hotel, que restringe o aluguel dos quartos a nove horas essenciais, cobrindo sete horas de sono, com uma hora antes e outra depois para higiene e troca de roupas. E, se você precisar apenas de um cochilo, existe a opção de pagar o quarto por hora.
Suba até o céu
Para algumas pessoas, passar uma noite em uma cápsula de dormir transparente pendurada na face de um rochedo sobre o Vale Sagrado do Peru não é uma ideia de estadia relaxante. Mas, para os amantes de adrenalina, é quase imbatível, com sua incrível visão de 300 graus das montanhas vizinhas e dos condores formidáveis que moram por ali.
A única forma de chegar ao Skylodge Adventure Suites é uma escalada quase vertical de 400 metros. Mas não é preciso ter experiência em alpinismo – basta ter boa saúde e não ter medo de altura. E descer é mais rápido, graças a uma série de tirolesas.
Cada cápsula inclui um banheiro privativo, para garantir que as visitas noturnas ao toalete não tragam risco de morte. E, quando o sol nasce, você pode tomar uma xícara de chá no seu deque particular.
Quer um pouco mais de conforto? Seguindo um pouco abaixo pelo rio Urubamba, o Starlodge, da mesma companhia, oferece uma opção de hospedagem em cápsulas com banheiras quentes na encosta da montanha.
Oásis no deserto
O Tubo Hotel La Tatacoa fica a apenas 10 minutos de carro do segundo maior deserto da Colômbia, famoso pelo céu limpo e estrelado.
Depois de passar pelos cactos gigantes e pelas curiosas formações rochosas das areias cor de canela do deserto Tatacoa, este arco-íris de minúsculos quartos com ar condicionado e uma piscina comum formam um oásis muito agradável.
As 37 cápsulas são formadas por canos de esgoto feitos de concreto, pintados em tons pastéis. Elas fornecem o espaço suficiente para uma cama de casal.
Quase a metade dos quartos tem banheiro compartilhado, mas o preço é uma pechincha – e você ainda tem um jardim com sombra, bar e restaurante à disposição.
“Este lugar colorido e inovador oferece uma experiência única”, afirma a administradora do hotel, Ambar Quintana. “Tem tudo o que você precisa para descansar em um ambiente natural de ar fresco e vegetação.”
Imersão na natureza
Suspensas entre as coníferas como bolas de árvore de Natal gigantes, as Esferas Free Spirit na ilha de Vancouver, no Canadá, fazem você parecer “que está flutuando na copa das árvores, entre os ninhos dos pássaros”, segundo seu proprietário, Tom Chudleigh.
Ele inaugurou a primeira esfera 25 anos atrás, impulsionado pelo desejo de promover o ecoturismo e preservar as florestas milenares do Canadá.
Existem atualmente três esferas, todas baseadas no princípio da biomimética. Sua forma é inspirada em uma casca de noz gigante – leve, mas forte.
A esfera “Eryn” é inspirada na árvore conhecida como abeto-falso. Ela inclui uma área de jantar, pia e uma cama de casal um pouco menor do que o normal no seu interior. Já as esferas mais novas – “Melody” e “Luna” – são de fibra de vidro e têm comodidades parecidas, mas com camas de casal de tamanho normal que podem ser recolhidas.
O acesso a cada uma das esferas é feito por uma escada em caracol disposta em volta de uma árvore. Elas podem ser ocupadas em temperaturas de até -20 °C, mesmo que o trajeto até o banheiro seco na base da acomodação possa parecer uma aventura.
O formato das esferas exige móveis sob medida. Chudleigh planejou cuidadosamente cada pequeno detalhe, desde os móveis dobráveis de nogueira, que maximizam o espaço, até as maçanetas de bronze das portas.
Pequeno, mas relaxante
Existe um prédio com arquitetura brutalista na Chinatown em Singapura com interior surpreendentemente sereno.
Aberto em 2021 com estética descrita como “minimalista suave”, o KINN Capsule oferece uma abordagem Zen do conceito de hotéis-cápsula, com paredes pintadas em tons calmantes de pêssego e câmaras para dormir de madeira clara, com roupas de cama totalmente brancas.
Até o aroma do local parece ser um antídoto contra o ambiente urbano à sua volta. Uma fragrância especial da casa paira no ar, idealizada para relembrar as flores silvestres de uma floresta nórdica.
Ao todo, são 72 cápsulas, protegidas por cortinas blackout e espalhadas por sete quartos. Mas o ambiente tem um ar mais sofisticado do que um alojamento comum.
Um livro na hora de dormir
Uma casa de fazenda tradicional chinesa de madeira e barro, na província de Zhejiang, no leste da China, ganhou um prêmio pela sua reforma, em 2019.
Ela reabriu como um hostel-cápsula, livraria e biblioteca comunitária. A casa tem capacidade para 20 pessoas em minúsculos compartimentos do tamanho de camas de solteiro, ocultos entre as estantes de livros, feitas de bambu da região.
Diversos pequenos deques são ligados por escadarias em ziguezague, relembrando os tortuosos caminhos das florestas vizinhas de Tonglu.
É difícil dizer o que causa mais admiração: se os painéis transparentes que vão do chão até o teto, que iluminam a construção remota à noite como se fosse uma catedral, ou o exuberante cenário montanhoso que pode ser visto através deles.
Um amor de armário
Em Oud Zuid, um dos bairros mais sofisticados de Amsterdã, na Holanda, os hóspedes pagam para dormir em armários.
O excêntrico Hotel De Bedstee traz de volta a tradição holandesa da bedstee (cama-armário) do século 17 – uma cama oculta atrás das portas do guarda-roupa, para criar um recanto aconchegante para dormir.
Os elementos do hotel em Art Deco e o papel de parede em cores vivas do andar térreo dão lugar a um design rústico, mas sofisticado, nos dormitórios do primeiro andar. As janelas da bedstee são emolduradas por cortinas xadrez vermelhas e pequenas escadas de madeira levam para as cápsulas acima.
Você pode relaxar no pequeno jardim do hotel ou caminhar por meia hora até o Museu Casa de Rembrandt, no centro da cidade, para ver diversas camas-armário históricas originais.
Preservado e comparativamente luxuoso
Outro hotel com aroma característico é o Resol Poshtel, no distrito de Asakusa, na capital japonesa, Tóquio. É o primeiro empreendimento no setor de hotéis-cápsula da rede Resol Hotel.
O aroma inclui laranja, camomila e bergamota. Ele pretende induzir “uma sensação de calma suave” – o que pode ser benéfico nas suas acomodações comunitárias.
Na hora de dormir, existe apenas uma cortina separando você dos outros hóspedes. Mas poucos estabelecimentos do mesmo padrão conseguem superar a limpeza e a funcionalidade deste hotel, com escovas de cabelo, chinelos e barbeadores incluídos como cortesia.
A decoração do período Edo (1603-1868) acrescenta um ar histórico às linhas modernas do hotel. A entrada em arco dos cubículos do dormitório relembra os salões para a cerimônia do chá, ao lado dos murais tradicionais japoneses em volta das camas.
O hotel fica a cinco minutos a pé do templo budista Sensō-ji, o mais antigo da capital, e da rua Nakamise-dori, com suas lanternas e lojas coloridas de souvenirs e comida de rua.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.