Quando o Ever Ace — um dos maiores navios porta-contêineres do mundo — saiu do porto de Yantian, na China, em 14 de agosto de 2021, manobrando cautelosamente pelo Mar do Sul da China, ele partiu para bater um novo recorde mundial.
Até hoje, nenhum outro navio carregou um volume de contêineres tão grande — o equivalente a 21.710 contêineres de 6 metros (20 pés)!
O Ever Ace, com 399,9 metros de comprimento e 61,5 metros de largura, é colossal, mas existem dezenas de navios porta-contêineres com tamanhos similares navegando hoje em dia. E muitos outros estão sendo construídos.
Dois destes navios, empilhados verticalmente, teriam quase a altura do maior edifício do mundo, o Burj Khalifa, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Se você consultar uma lista dos maiores navios porta-contêineres do mundo, vai notar que todos eles têm 400 metros de comprimento, ou um pouco menos, e cerca de 60 metros de largura. É mais ou menos o limite atual deste tipo de embarcação.
O número de razões para este limite é surpreendente — e provavelmente você nunca vai ver navios porta-contêineres muito maiores que estes. Mas por quê?
A infraestrutura dos portos
Há cerca de 5,5 mil navios porta-contêineres em todo o mundo. Juntos, eles seriam capazes de carregar 25 milhões de TEUs (unidade equivalente a contêineres de 20 pés). Isso se todas estas embarcações estivessem totalmente carregadas ao mesmo tempo.
George Griffiths, editor de mercados de contêineres globais da empresa fornecedora de informações e análise de mercados S&P Global Commodity Insights, explica que as encomendas mundiais de novos navios porta-contêineres devem aumentar esta capacidade total em surpreendentes 25% em poucos anos.
“Estamos vendo um grande número de meganavios porta-contêineres sendo construídos”, diz ele. “A quantidade de navios com capacidade para transportar mais de 14 mil contêineres é imensa.”
Somente na última década, a capacidade média dos navios porta-contêineres aumentou de menos de 3 mil para cerca de 4,5 mil TEUs. E existem atualmente mais de 50 navios com capacidade de 21 mil TEUs ou mais. Praticamente todos eles foram construídos nos últimos cinco anos.
Mas estes navios desafiam os limites dos portos — até dos maiores do mundo, segundo Griffiths.
Para carregar e descarregar os contêineres, os guindastes precisam alcançar todo o navio.
Os navios porta-contêineres também precisam virar para os lados, passar por eclusas e canais, incluindo os canais de Suez e do Panamá, que têm restrições de tamanho.
Além disso, é fundamental evitar que os navios encalhem. Em alguns portos, as embarcações maiores chegam, na verdade, a tocar o fundo e deslizar pelo cascalho, em vez de flutuar sobre a água, conta Stavros Karamperidis, chefe do Grupo de Pesquisa de Transporte Marítimo da Universidade de Plymouth, no Reino Unido. É uma manobra que exige extremo cuidado.
Acomodar navios muito maiores do que os existentes hoje em dia exigiria uma enorme reforma da infraestrutura portuária, o que seria extremamente caro.
“Por que você investiria em navios maiores se, para isso, você também precisaria investir quantias imensas nos portos?”, questiona Griffiths.
Karamperidis também destaca que os navios maiores sofrem ainda restrições em suas rotas de navegação, por serem bastante vulneráveis às condições climáticas. Eles não costumam cruzar o Oceano Pacífico, por exemplo, com suas violentas tempestades. Navios de médio porte às vezes perdem centenas de contêineres no Pacífico.
“Por isso, os navios [ultragrandes] navegam perto da costa, para não enfrentar grandes ondas. É questão de estabilidade”, explica.
Karamperidis acrescenta que a maior parte dos portos americanos não tem tamanho suficiente para receber os navios porta-contêineres maiores. Apenas algumas embarcações com capacidade de cerca de 20 mil TEUs já atracaram em portos dos Estados Unidos.
Com tudo isso, é possível observar que as limitações sobre o tamanho das embarcações não têm tanto a ver com os imensos desafios da engenharia para construir navios colossais — mas, sim, com a economia e a logística necessária para operar estes gigantes.
“Fisicamente, na verdade, não existe um limite”, afirma Rosalind Blazejczyk, arquiteta naval e sócia-gerente da empresa Solis Marine Consultants. Mas ela ressalta que existe, sim, um limite para a quantidade de contêineres que podem ser empilhados um sobre o outro em um navio, antes que o contêiner do fundo da pilha comece a ceder com o peso.
Os contêineres também são amarrados para que fiquem no lugar dentro do navio — e estes sistemas têm limites para a quantidade de caixotes que podem ser fixados com segurança, de acordo com John Simpson, colega de Blazejczyk na Solis.
Outra questão é como estes navios muito largos e compridos enfrentam as ondas.
Ao navegar diretamente por uma sequência de ondas, os navios podem sofrer um fenômeno conhecido como rolamento paramétrico.
Isso acontece porque, à medida que as ondas passam ao longo do comprimento de um navio porta-contêineres muito grande, sua proa e sua popa podem ficar acima da água quando a crista da onda estiver no meio do navio.
Isso deixa a parte superior da proa e da popa sem o suporte necessário da água embaixo delas. A variação deste suporte, à medida que as ondas continuam a passar, pode fazer o navio sacudir de forma estranha de um lado para outro.
“Você tem grandes ângulos de rolamento com ondas não muito altas”, afirma Blazejczyk.
Os navios de grande porte enfrentam mais risco de enfrentar este fenômeno. E os navios porta-contêineres também têm escotilhas muito grandes no convés. Isso significa que sua estrutura geral é mais fraca que a de outros navios — e mais suscetível a vergar ou a sofrer torções.
“Eles são como uma caixa de sapatos sem tampa”, explica Blazejczyk.
Em mares calmos, não há problema, mas limitar quando ou onde um navio pode navegar pode ser mais um fator para limitar sua utilidade.
Fatores econômicos
Outro tipo de clima que precisa ser considerado é o econômico. Griffiths destaca que o preço do petróleo, no momento, está excessivamente alto, e que os maiores navios porta-contêineres consomem imensas quantidades de combustível.
Investir em navios ainda maiores pode não ser a decisão financeira mais inteligente no futuro — mesmo considerando que estes custos atualmente são mais do que cobertos pelas tarifas de frete astronômicas praticadas no mundo todo, devido à atual demanda de movimentação de cargas.
Karamperidis afirma que, para que os navios porta-contêineres com capacidade bastante superior a 25 mil TEUs sejam viáveis, a economia da sua operação precisaria mudar.
O Canal de Suez provavelmente será sempre um gargalo para os navios que vão da Ásia para a Europa. Mas, segundo ele, não é impossível imaginar um navio com 30 mil TEUs (ou similar) viajando, um dia, por uma rota que vá da China até um porto africano próspero, por exemplo.
“Talvez nós possamos ver este tipo de navio viajando entre a Ásia e Mombasa [o maior porto do Quênia]”, afirma.
O atual teto de 24 mil TEUs para a capacidade dos navios porta-contêineres é mais ou menos um reflexo tanto dos limites econômicos, quanto da infraestrutura portuária, da configuração das vias marítimas mais movimentadas do mundo e da engenharia.
Mas sempre há a possibilidade de que, um dia, alguém com dinheiro suficiente em algum lugar do planeta encomende um navio que transforme até os gigantescos porta-contêineres de hoje em anões. Seria certamente uma maravilha a ser contemplada.
– Texto originalmente publicado emhttps://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-62126269
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.