Gigante de tecnologia anunciou recentemente que conteúdo gerado pelo Gemini vai aparecer no topo das buscas
Kevin RooseThe New York Times
Desde o lançamento do ChatGPT, há um ano e meio, uma questão assustadora paira sobre a cabeça dos principais editores on-line: e se o Google (GOOGL) decidir reformular seu mecanismo de busca principal de forma a dar mais destaque à inteligência artificial generativa e quebrar nosso negócio nesse processo?
A pergunta alude a uma das dependências mais frágeis que existe no atual ecossistema de mídia on-line.
A maioria dos grandes editores, dentre os quais o The New York Times, deriva uma parcela significativa de seu tráfego a partir de pessoas que acessam o Google, procuram algo e clicam em artigos sobre o assunto. Esse tráfego, por sua vez, permite que os editores vendam anúncios e assinaturas, o que financia a produção de novos artigos que o Google pode então exibir para aqueles que procurarem o próximo conteúdo.
Esse ciclo simbiótico funcionou relativamente bem por uma ou duas décadas. E mesmo quando o Google anunciou o Bard, seu primeiro chatbot de IA generativa, no ano passado, alguns executivos de mídia on-line se tranquilizaram com a ideia de que o Google não integraria uma tecnologia tão incerta e incomprovada ao seu mecanismo de busca, evitando assim comprometer seu lucrativo negócio de anúncios de busca, um que gerou uma receita de US$ 175 bilhões no ano passado.
Mas a mudança está chegando.
Em sua conferência anual de desenvolvedores, o Google anunciou que começaria a mostrar respostas geradas por IA – algo que chama de “resumos de IA” – para centenas de milhões de usuários nos Estados Unidos. A empresa afirma que mais de 1 bilhão de usuários os receberão até o final do ano.
Alimentadas pela tecnologia Gemini AI do Google, as respostas aparecerão no topo da página de resultados de busca quando os usuários pesquisarem termos como, por exemplo, “opções de preparação de refeições vegetarianas” ou “viagens de um dia em Miami”. Os resumos darão aos usuários uma sinopse concisa sobre o que estão procurando, juntamente com sugestões de perguntas complementares e uma lista de links para mais informações. (Os usuários também receberão resultados de busca tradicionais, mas terão que rolar mais para baixo na página para vê-los.)
A inclusão dessas respostas representa a maior mudança que o Google fez em sua página principal de resultados de pesquisa em anos e decorre da sua fixação em integrar IA generativa ao maior número possível de seus produtos. Também pode se tornar um recurso popular entre os usuários — testo resumos de IA há meses por meio do programa Search Labs, do Google e, em geral, os considero úteis e precisos.
Mas os editores têm motivos legítimos para se preocupar. Se o mecanismo de resposta de IA funcionar bem o suficiente, os usuários não precisarão clicar em link algum. Tudo o que eles procuram estará ali, no topo dos resultados da busca. E a grande troca em que se baseia o relacionamento do Google com a web aberta – você nos dá artigos, nós lhe damos tráfego – pode desmoronar.
Os executivos do Google deram um tom positivo ao anúncio de terça-feira, afirmando que os novos resumos da IA melhorariam a experiência do usuário, “eliminando a parte trabalhosa da busca”.
Mas esse trabalho financia muito jornalismo e muitos outros tipos de mídia on-line (blogs de moda, resenhas de notebooks, listas de restaurantes), sem os quais a Internet seria muito menos útil. Se os resumos da IA do Google privarem esses sites de tráfego, o que acontecerá com eles? E se grandes partes da web desaparecessem por completo, o que restaria para a IA resumir?
Está claro que o Google já previa essas preocupações, e seus executivos tinham respostas prontas para dar.
Em um briefing divulgado esta semana, antes da conferência de desenvolvedores do Google, eles afirmaram que os testes da empresa descobriram que os usuários que receberam resumos de IA tendiam a fazer mais buscas e a visitar uma gama mais diversificada de sites. Também disseram que os links que apareceram nos resumos de IA obtiveram mais cliques do que os links exibidos nas páginas de resultados de busca tradicionais.
Liz Reid, vice-presidente de pesquisas do Google, disse em um blog na terça-feira que a empresa “continuaria a se concentrar no envio de tráfego valioso para editores e criadores”.
Mas analise essas respostas com cuidado e verá que o Google não está dizendo que o tráfego geral de buscas dos editores não diminuirá. Isso ocorre porque o Google realmente não tem como prever o que acontecerá quando ele começar a mostrar resumos gerados por IA em bilhões de resultados de busca por dia e como o comportamento dos usuários poderá mudar em decorrência disso.
No início deste ano, escrevi sobre o Perplexity, um “mecanismo de resposta” alimentado por IA que mostra aos usuários um resumo conciso sobre um tópico a respeito do qual estão pesquisando, em vez de lhes entregar uma lista de sites para visitar. Para mim, a experiência era claramente superior àquela de um mecanismo de busca tradicional para alguns tipos de pesquisa e de modo geral me fornecia informações mais úteis e com maior rapidez.
Mas também fiquei apreensivo, pois durante meus próprios testes com a utilização do Perplexity, basicamente parei de clicar em qualquer link. Em um mundo onde a IA pode navegar a Internet por mim e parafrasear o que vê, descobri que simplesmente não precisava deles. E fiquei preocupado com o que aconteceria se todos os usuários do Perplexity fossem como eu e desenvolvessem o hábito de confiar em resumos gerados por IA em vez de fontes originais.
Tenho as mesmas preocupações sobre os novos resumos de IA do Google, mas em uma escala muito diferente.
Perplexity é pequeno – apenas 10 milhões de usuários mensais, em fevereiro. O Google, por outro lado, tem bilhões de usuários e representa mais de 90% do mercado global de buscas. Se ele realizar uma alteração em seu mecanismo de busca que reduza o tráfego de saída em apenas alguns pontos percentuais, todos os editores sentirão o impacto.
Não está claro quais serão as dimensões dos efeitos dos resumos de IA do Google. A Gartner, uma empresa de análise, previu que o tráfego para a web proveniente de motores de busca pode cair 25% até 2026. E muitos editores estão se preparando para quedas de dois dígitos no tráfego este ano.
Pode ser que esses receios sejam exagerados e que os editores estejam se preocupando à toa. Mas depois do anúncio de terça-feira, o Google deixou claro que eles estão prestes a descobrir de um jeito ou de outro.
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