Em janeiro, o maior navio de cruzeiro do mundo saiu do porto de Miami, nos Estados Unidos, para sua viagem inaugural de sete dias.
A construção do Icon of the Seas custou à empresa Royal Caribbean US$ 2 bilhões (cerca de R$ 11,4 bilhões). Ele tem 18 deques, sete piscinas e mais de 40 restaurantes, bares e lounges.
O navio tem 365 metros de comprimento — 35 metros a mais do que a altura da Torre Eiffel. Ele é cerca de cinco vezes mais longo que o Titanic.
O navio é movido a gás natural liquefeito (GNL), descrito pela Royal Caribbean como o “combustível marítimo de queima mais limpa existente“.
Mas os ativistas ambientais afirmam que o GNL é prejudicial ao clima por lançar metano poluente na atmosfera — um gás cerca de 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO2), ao longo de um período de 20 anos.
O impacto dessa indústria deverá crescer, à medida que os cruzeiros se multiplicam.
As vendas de passagens para navios de cruzeiro em 2024 atingiram níveis recordes.
As projeções indicam que, até o final deste ano, 360 navios de cruzeiro terão transportado 30 milhões de passageiros, um aumento de 9,2% em relação a 2019, antes da pandemia.
“O problema é que o número de navios de cruzeiro continua aumentando e o tamanho desses navios, também”, afirma a ativista do setor de transporte marítimo Constance Dijkstra, da ONG Transport & Environment. Ela destaca que estes aumentos irão aumentar a poluição do ar e dos oceanos.
Muitas companhias de cruzeiros começaram a divulgar suas “credenciais verdes”. Mas Dijkstra e outros ativistas defendem que poucas empresas estão reduzindo sua pegada ambiental com a rapidez necessária.
A poluição dos cruzeiros
Um grande navio de cruzeiro pode consumir até 304.593 litros de combustível por dia, segundo uma análise da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos.
Os combustíveis marítimos são variantes dos combustíveis fósseis geradores de emissões e, por isso, têm alta pegada de carbono.
Os cruzeiros também geram consumo particularmente intensivo de carbono, em comparação com muitos outros tipos de viagens de férias.
A emissão média de CO2 por passageiro de um cruzeiro em torno de Seattle, nos Estados Unidos, é oito vezes maior do que a de um turista que passa suas férias na mesma cidade, em terra, segundo uma análise da ONG Amigos da Terra.
E o CO2 que aquece a atmosfera do planeta não é o único problema causado pelos cruzeiros.
Os 218 navios de cruzeiro que operaram na Europa em 2022 emitiram mais óxidos de enxofre (SOx) do que um bilhão de automóveis — ou 4,4 vezes mais do que todos os carros do continente, segundo outra análise, da Transport & Environment.
O SOx pode prejudicar as árvores, reduzindo seu crescimento. Ele também contribui com a chuva ácida, que pode perturbar ecossistemas sensíveis. E a exposição ao poluente também pode afetar o sistema respiratório humano, causando problemas de respiração.
“Continuamos a advertir as pessoas: se você se preocupa com o meio ambiente, talvez seja melhor pensar em outro tipo de férias”, alerta a diretora do programa de oceanos e navios da Amigos da Terra, Marcie Keever.
Mas será que os navios de cruzeiro são piores que os aviões?
Mesmo os navios de cruzeiro mais eficientes emitem mais CO2 por quilômetro/passageiro do que um jato comercial, segundo a análise da ONG americana Conselho Internacional sobre o Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês).
Os resíduos são outro problema importante. Em 2019, os navios de cruzeiro com destino ou origem no Alasca descarregaram mais de 31 bilhões de litros de resíduos tóxicos no litoral oeste do Canadá.
E há também a poluição sonora dos navios e seus prejuízos à vida marinha.
Um estudo de 2012 concluiu que os ruídos de média frequência do sonar dos navios se sobrepõem ao canto das baleias chamando umas às outras. Isso as força a repetir as vocalizações, prejudicando sua comunicação.
Limpando os cruzeiros
As cidades portuárias estão começando a reprimir os navios de cruzeiro, em meio a crescentes preocupações com a saúde e o meio ambiente.
Em 2021, Veneza, na Itália, proibiu os navios de cruzeiro de entrarem no seu centro histórico. Eles agora ficam restritos ao porto industrial da cidade.
A medida foi tomada em resposta a um pedido da Unesco (o órgão cultural das Nações Unidas), devido aos danos causados pela poluição dos cruzeiros às construções históricas.
Amsterdã, na Holanda, e Barcelona, na Espanha, também proibiram os navios de cruzeiro no centro da cidade, em uma tentativa de controlar a poluição e coibir o turismo de massa.
“Esta é uma indústria que vem ficando fora do radar, quando o assunto são as regulamentações”, segundo Keever. “Agora, estamos vendo comunidades se levantarem contra os navios de cruzeiro, alertando que ‘a poluição ambiental e a quantidade de passageiros que vocês estão trazendo para cá são grandes demais’.”
As companhias de cruzeiros começaram a tomar medidas para melhorar seus níveis de sustentabilidade.
Elas estão adotando motores e aparelhos com uso eficiente de energia, usando a energia do porto quando estão atracados, conduzindo sistemas de reciclagem e reduzindo o consumo de plástico descartável a bordo, por exemplo.
Mas o maior desafio do setor, sem dúvida, é a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis poluentes.
“Tornar um cruzeiro ‘verde’ exige a mudança do combustível, o que é muito difícil”, segundo Dijkstra. “É ótimo que os navios de cruzeiro estejam promovendo a reciclagem ou se livrando do plástico, mas, se eles continuarem a consumir combustíveis fósseis, estaremos com problemas.”
Muitas companhias de cruzeiros começaram a usar GNL para alimentar seus navios. Elas promovem o combustível como uma alternativa mais limpa em grande escala para o diesel marítimo poluente.
Entre 2023 e 2028, 60% dos novos navios programados para lançamento usarão combustível GNL para sua propulsão primária, segundo a Associação Internacional de Linhas de Cruzeiro.
A Carnival Corporation — uma das maiores operadoras de cruzeiros do mundo — conta com o GNL para reduzir sua pegada de carbono.
A empresa pretende reduzir sua intensidade de uso de carbono (a quantidade de CO2 emitida por milha náutica) em 20% até 2030, em comparação com os níveis de 2019. Atualmente, ela tem nove navios movidos a GNL em operação e já existem pedidos para outros quatro.
“Existe um limite até onde podemos chegar com as medidas de eficiência”, declarou à BBC o vice-almirante Bill Burke, comandante-chefe da Carnival Corporation.
“Estamos provavelmente em uma situação em que iremos conseguir apenas 20-30% de redução do total das nossas emissões [com as medidas de eficiência].”
“Em última análise, precisamos de novos combustíveis e, no momento, o melhor combustível que existe, facilmente disponível, é o GNL.”
Mas outros discordam que o GNL seja a solução para o problema climático dos navios de cruzeiro.
“O GNL não é um combustível de transição”, segundo Keever. “Ele não deveria nem fazer parte das discussões.”
Os navios movidos a GNL emitem cerca de 25% menos CO2 que com os combustíveis marítimos convencionais. Mas os ativistas afirmam que eles causam mais um impacto prejudicial ao clima, liberando metano para a atmosfera.
“O metano traz um impacto desastroso em termos de aquecimento global”, explica Dijkstra.
Este gás do efeito estufa se decompõe na atmosfera em apenas 12 anos, o que é muito menos do que os séculos exigidos pelo CO2. Mas o metano também é cerca de 80 vezes mais potente, ao longo de um período de 20 anos.
Análise da Transport & Environment indica que um dos primeiros navios de cruzeiro movidos a GNL do Reino Unido – o Iona, da companhia P&O – emitiu, em 2022, a mesma quantidade de metano de 10,5 mil vacas ao longo de um ano.
Um porta-voz da P&O declarou na época à BBC que “o GNL tem emissões totais de gases do efeito estufa muito menores do que os combustíveis convencionais, mesmo considerando a liberação de metano”.
“Mesmo com a liberação de metano, a pegada de gases do efeito estufa do GNL é melhor do que o óleo combustível marítimo”, defende Burke. “É o melhor combustível que existe hoje em dia.”
Mas a Transport & Environment destaca que ninguém sabe qual é a verdadeira extensão das emissões de metano dos navios movidos a GNL, pois os dados não estão disponíveis.
A corrida para a substituição
Seja ou não o GNL uma melhoria em relação ao diesel marítimo, em última instância, são necessários combustíveis sustentáveis, que emitam pouco ou nenhum gás do efeito estufa. Só assim será possível descarbonizar a navegação e atender ao objetivo de emissões zero do setor até 2050, segundo os especialistas.
Mas ainda permanece a discussão sobre qual combustível irá atender a esta necessidade em grande escala.
Em todo o setor, as empresas estão investindo em hidrogênio, metanol e amônia como os combustíveis do futuro para a navegação marítima.
A gigante dos contêineres Maersk, por exemplo, aposta no metanol para atingir seu objetivo de emissões zero até 2040.
O metanol pode ser um combustível de baixo carbono, quando produzido com biomassa sustentável ou utilizando eletricidade renovável para separar a água em oxigênio e hidrogênio e combiná-los com CO2, formando metanol.
O combustível pode reduzir as emissões de CO2 em até 95% e de óxido de nitrogênio, em até 80%, segundo o organismo do setor, o Instituto do Metanol.
Mas algumas pessoas defendem que o metanol verde não é o combustível correto para descarbonizar a navegação, já que sua produção causa uso intensivo de energia e ainda resulta em emissões de CO2.
Uma alternativa é a amônia verde, produzida pela eletrólise de água com eletricidade de origem renovável.
Uma análise do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, no Reino Unido, concluiu que a amônia verde – que não emite CO2 quando queimada, mas produz emissões de óxido nitroso – poderia descarbonizar 60% do transporte marítimo global, se fosse oferecida apenas nos 10 principais portos regionais de abastecimento.
Mas a Associação Internacional de Linhas de Cruzeiro (CLIA, na sigla em inglês), que é o organismo comercial do setor de cruzeiros, afirma que combustíveis alternativos como o metanol e a amônia não são opções viáveis.
“Atualmente, não existem combustíveis alternativos sustentáveis disponíveis em escala para atender às ambições de descarbonização [da indústria de cruzeiros]”, afirma o diretor-gerente da CLIA do Reino Unido e da Irlanda, Andy Harmer.
Ele declarou que “a CLIA está convocando os governos para ajudar a acelerar a transição, definindo objetivos de produção mais ambiciosos, particularmente para combustíveis sintéticos e biocombustíveis”.
Para Burke, embora o metanol seja o combustível frequentemente mencionado pelas pessoas, ele é mais caro (que o GNL e o combustível marítimo) e não é facilmente disponível.
“Não existe metanol verde atualmente”, acrescenta ele, observando que a maior parte do metanol, atualmente, é produzida utilizando gás natural, não energias renováveis.
O processo de produção de metanol verde é complexo. O CO2 precisa ser capturado da atmosfera, usando tecnologia ainda emergente, de alto custo e não comprovada para uso em escala.
Mas os demais combustíveis verdes disponíveis também despertam outras preocupações. A amônia, por exemplo, é um combustível altamente tóxico, corrosivo e inflamável, segundo a ONG Fórum Marítimo Global, com sede na Dinamarca.
“A amônia é tóxica”, ressalta Burke, e “não é o melhor combustível para os cruzeiros. Temos 8 mil pessoas nos nossos navios, muitas nas nossas salas de máquinas.”
Dijkstra afirma que muitas companhias de cruzeiros dizem que a amônia é insegura para uso a bordo dos navios de passageiros.
“Mas outras empresas estão examinando esta opção… nós, por exemplo, estamos vendo balsas da [companhia dinamarquesa] DFDS apostando na amônia.”
Para Keever, “é viável” que os navios de cruzeiro abandonem os combustíveis poluentes, migrando para alternativas mais verdes produzidas com o uso de energia renovável, como metanol e amônia, em substituição aos combustíveis fósseis. “Já está acontecendo no setor de transporte marítimo como um todo”, destaca ela.
Keever relembra os fortes investimentos da Maersk no uso de metanol. A transição para combustíveis mais verdes “exige tempo, esforços e disposição de abandonar a nossa dependência dos combustíveis fósseis”.
Baterias
A empresa de cruzeiros norueguesa Hurtigruten está se dedicando a uma tecnologia diferente para alimentar seus navios: baterias.
A linha de cruzeiros da Hurtigruten pretende lançar um navio de cruzeiro com emissão zero até 2030. Ele será alimentado por baterias de 60 MW e imensas velas solares retráteis, como parte da sua iniciativa “mar zero”.
“Nós utilizamos tecnologia avançada de energia solar e baterias, lado a lado com técnicas antigas: as velas”, explica a executiva-chefe da empresa, Hedda Felin.
“Temos sol 24 horas por dia no verão da Noruega e venta muito no litoral, de forma que o navio realmente é adaptado para o litoral norueguês.”
Quatro dos nove navios de cruzeiro que compõem a frota da Hurtigruten já possuem motores híbridos, que podem navegar com diesel e baterias.
“A Hurtigruten é uma das líderes da indústria quando o assunto é adotar tecnologias mais limpas, incluindo combustíveis [mais verdes] e sistemas avançados de tratamento de esgoto”, conta Marcie Keever. “E isso é importante porque seus navios visitam locais como o Ártico.”
Mas existem limites para as distâncias que podem ser percorridas com baterias.
A tecnologia funciona bem para os cruzeiros litorâneos da Hurtigruten, pois “nunca estamos a mais de seis horas de distância de um porto”, segundo Felin. Mas não é uma solução prática para cruzeiros transoceânicos.
“Se estivéssemos cruzando o Atlântico, as baterias certamente estariam fora de cogitação”, explica ela.
As companhias de cruzeiros que visitam locais vulneráveis em relação ao clima, como o Ártico, trazem milhares de turistas para comunidades remotas. Elas têm a responsabilidade de operar de forma mais sustentável, segundo Felin.
“A indústria de cruzeiros precisa assumir maior responsabilidade”, explica ela. “Estamos ficando muito para trás.”
Felin destaca que as companhias de cruzeiros vêm conduzindo a transição para alternativas mais limpas com muita lentidão.
Mas ela enxerga esperança no horizonte. Novas tecnologias e combustíveis irão ajudar a promover um futuro mais sustentável para os navios de cruzeiro.
“Existem diversas opções seguras e comprovadas para o futuro, o que significa que não precisaremos ter combustíveis fósseis nos nossos cruzeiros”, afirma Felin. “Esta é a esperança de toda a indústria de cruzeiros.”
A Royal Caribbean não respondeu ao pedido de comentários apresentado pela BBC.