Muito além de tradições milenares, cerimônias que duram dias e apresentações cuidadosamente coreografadas, os casamentos indianos têm o poder de dar dimensão ao luxo ostentado pelas classes mais abastadas do país. Exemplo de tais extravagâncias foi o noivado bilionário do empresário Mukesh Ambani, que bancou a volta aos palcos de ninguém menos que Rihanna, em uma festa realizada no mês passado.
De acordo com o India Times, um dos principais veículos de imprensa do país, a cantora recebeu algo entre 8 e 9 milhões de dólares pela aparição. O caso pode ser visto como exceção, mas, de certa forma, também é regra. Bilionários ou não, indianos costumam fazer questão de que o casamento seja uma festa única, cheia de elementos extravagantes.
“Quando uma família indiana convida outras pessoas, é mais para mostrar ‘o que somos capazes de fazer, quanto podemos gastar e o quão grande podemos fazer’. Pessoalmente não fizemos isso, mas já vi casamentos indianos em que há fogos de artifício e aparição de celebridades”, conta o cineasta Shihan Shoukath, de 29 anos anos, que se casou com Azmina Mohideen, 31, no luxuoso Palazzo Versace, em Dubai. “É um grande insulto não convidar alguém”, complementa.
A cerimônia foi dividida em uma festa de três dias para 500 pessoas nos Emirados Árabes Unidos, um dos destinos de casamento mais procurados pelos indianos das classes mais altas.
Casamentos indianos — Foto: Reprodução
Quanto custa um casamento na Índia
A organizadora de casamentos Jyoti Kohli, fundadora da empresa de eventos Oh! So Desi, que em tradução livre significa “Uau! Tão indiano”, confirma que contratar famosos, como rappers ou estrelas de Bollywood, é uma prática comum, mesmo com orçamentos um pouco menos generosos.
“Elas levam mais glamour e charme aos eventos”, conta. “Já realizei um casamento em Goa com celebridades que faziam aparições de dez minutos”. De acordo com Jyoti, o custo de uma presença VIP mais ‘normal’ (que não seja a Rihanna) pode chegar aos 340 mil dólares. As festas completas podem chegam aos 4 milhões de reais.
“Cada casamento é uma chance de trazer à vida a visão única de cada casal, não importa o orçamento”, avalia Jyoti.
⚠️Contexto: De maneira geral, a realidade da população indiana não se parece em quase nada com a de sua elite. Embora o PIB tenha quadruplicado em uma geração, 70% ainda vive em áreas rurais pobres, onde cerimônias coletivas são comuns e podem juntar até milhares de noivos.
“Na Índia, como em qualquer país com status econômico mais baixo, muitas pessoas se casam em locais muito baratos e rápidos”, explica Shihan Shoukath. A brasileira Letícia Rastogi, do blog Letícia na Índia, conta que fez uma cerimônia de 150 pessoas, considerada mais compacta, por conta da pandemia de Covid-19. No Brasil, se casou no civil, mas a família do marido Peeyush Rastogi não abriu mão dos rituais festivos na Índia.
“Eles não consideram o casamento civil em um outro país como um casamento. Para eles, não significa nada”, diz. “É o principal investimento que as famílias fazem na vida dos filhos”. De acordo com a brasileira, os preços de um casamento para uma família indiana de classe média podem custar entre 100 e 500 mil reais.
Ainda segundo Letícia, de 36 anos, casamentos arranjados ainda são bastante comuns. “Não é casamento forçado”, ressalta. “Eles respeitam muito os mais velhos e têm o entendimento de que os pais vão saber ajudar escolher a pessoa ideal… Não é só uma questão de status social, mas de costumes das castas.”
Tatuagem, coreografias e procissão
Como um casamento indiano dura em média três dias, não faltam oportunidades para abrilhantar a festa. As temporadas de casamentos acontecem entre março e setembro, quando as temperaturas estão mais amenas na Índia. Há rituais específicos para cada dia da cerimônia.
- Mehendi: cerimônia onde a noiva faz a tatuagem de henna nas mãos e pés.
- Sangeet: noite de coreografias feitas pela família e convidados.
- Haldi: evento onde os noivos são pintados com cúrcuma.
- Baarat: procissão do noivo, que se dirige ao local do casamento para a cerimônia religiosa final.
Letícia Rastogi contou ainda que o Mehendi é um dos momentos que exigem maior paciência da noiva. “Você fica umas cinco seis horas, pelo menos, só com as mãos e os pés ali…fazendo a tatuagem.”
Noivos têm seu próprio show
Shihan Shoukath chegou ao local do casamento em uma procissão de Rolls Royce — Foto: We Don’t Say Cheese
A organizadora de casamentos Jyoti Kohli coordena uma equipe de 12 a 20 pessoas que cuidam da decoração, fotografia e figurino para transformar o evento em um festival de atrações únicas. Uma das etapas mais aguardadas, segundo Jyoti, é uma cerimônia chamada Baarat, uma procissão para o noivo que envolve música e dança e geralmente acontece no último dia de festa. É o momento em que os noivos têm o seu próprio show – e não são nada tímidos.
“O noivo só consegue um ponto onde ele é o destaque principal que é o Baarat – logo antes do casamento – então eles querem aproveitar ao máximo. Por isso têm os pedidos mais luxuosos”, diz.
“As noivas geralmente fazem entradas mais tradicionais e compostas, já os noivos querem enlouquecer”. Entre os pedidos mais extravagantes, ela conta que atendeu um noivo que queria chegar na cerimônia de helicóptero.
Já o cineasta Shihan Shoukath, de 29 anos, protagonizou uma entrada digna de Bollywood. “Conseguimos uma procissão de cinco carros Rolls Royce. E eu estava no meio, em um carro aberto. Dançamos por uns 30 minutos ao som da bateria até a família da noiva nos receber”, conta.
Entre os momentos mais “vibrantes e divertidos”, Shihan destaca o segundo dia, que é quando ocorre o Sangeet, ritual no qual as famílias apresentam performances musicais. “Começamos os ensaios três meses antes do casamento… Tivemos pessoas vidas dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Índia, de Singapura”, diz. Sangeet, em sânscrito, significa “cantar junto”.
“Porque somos cineastas, criamos performances relacionadas à nossa história”, explica Shihan. Cada canção e cada discurso estavam conectados a uma fase da nossa vida. Então, havia cerca de 30 dançarinos para cada música.”
Tratamento VIP ao convidados
No último dia de festa, os noivos sobem ao palco após a cerimônia religiosa e tiram fotos com os convidados, um por um. Por ser cineasta, Shihan contratou quatro equipes diferentes para fazer foto e vídeo, garantindo que todos pudessem compartilhar as imagens da festa em tempo real.
“Usamos IA no dia do casamento. Então, se você escaneasse seu rosto e um código QR, receberia todas as fotos no mesmo dia. São as pequenas coisas que fazem diferença.”
Entre as prioridades das famílias indianas, mimar os convidados é talvez uma das maiores. Quase 80% dos indianos seguem o hinduísmo, enquanto 14% são muçulmanos, que é o caso da família de Shihan. Nas duas tradições, quem quiser seguir à risca precisa incluir também no orçamento uma verba para trocar presentes entre as famílias dos noivos.
“Tanto a minha família como a família da minha esposa somos muito progressistas. Não acreditamos na parte religiosa, mas demos presentes uns aos outros. É uma coisa divertida e tradicional onde o lado da noiva ganha presentes, como perfumes e vestidos. Você está dando boas-vindas à família.”
Quanto maior a capacidade de gasto, maior a expectativa do cliente de que os serviços sejam cada vez mais personalizados, explica a organizadora de casamentos Jyoti. A empresária oferece, inclusive, serviços de hotelaria aos convidados que viajam para a festa.
“Quando você chega ao aeroporto, tem alguém da minha equipe para te receber e escoltar até o carro. Também cuidamos do seu check-in no hotel e oferecemos um ritual de boas-vindas.”