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- 31 março 2024
Nápoles é uma cidade italiana que se move em mais de um ritmo. Na velocidade mais rápida, você tem o caos do dia a dia: carros e motos correndo pelas ruas como células sanguíneas em uma veia.
Depois, há uma evolução mais lenta, a da história da humanidade. Trata-se de uma metrópole ainda influenciada por decisões tomadas há centenas de anos: redes de ruelas estreitas que nenhum urbanista jamais projetaria hoje; escritórios e hotéis modernos encostados em ruínas romanas e mansões centenárias.
O que é menos óbvio é que Nápoles também tem um ritmo geológico — e este é o mais poderoso. Na maioria das vezes, tem uma velocidade quase imperceptível, mas de vez em quando acelera até a catástrofe: uma erupção de lava e rochas que interfere em todas as outras escalas de tempo da cidade.
Os vulcões de Nápoles têm um tempo diferente do dos seres humanos — evoluindo ao longo de décadas, séculos ou até mesmo milênios —, por isso pode ser fácil supor que são estáticos. Mas isso está longe de ser verdade.
O Vesúvio é o mais conhecido e famoso por ter destruído Pompeia e Herculano em 79 d.C. Ele se ergue acima da cidade. Mas há outras ameaças subterrâneas aqui, e algumas delas têm muito mais força reprimida. Na verdade, um destes vulcões colossais está dando sinais preocupantes de que está prestes a entrar em erupção — e há centenas de milhares de pessoas vivendo em cima dele.
Para descobrir como é viver e trabalhar ao lado destes verdadeiros “monstros”, visitei recentemente Nápoles para fazer um filme para a BBC — e conversei com os geólogos que os estudam e observam 24 horas por dia. Descobri uma cidade que caminha para o desastre, mas ninguém pode dizer ao certo quando ou onde isso vai acontecer.
Uma das últimas vezes que Nápoles sofreu um grande evento vulcânico foi há exatamente 80 anos. Em meados de março de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, depósitos de magma e gás que se acumulavam lentamente sob o Vesúvio, começaram de repente a entrar em erupção.
Um médico militar dos EUA, Leander Powers, que estava servindo na Itália na época, descreveu o que viu:
“Enquanto estávamos terminando o jantar, alguém ligou para dizer que havia fluxos vermelhos de lava gigantescos descendo pelas encostas do Monte Vesúvio… a gente podia ver um brilho no céu. Durante toda a noite e domingo, houve tremores no solo com um tremendo rugido — semelhantes a trovões… As janelas chacoalhavam, e o prédio todo vibrava.”
No dia seguinte, a situação piorou:
“Os rugidos se tornaram mais frequentes, como o rugido de um leão”, escreveu Powers.
“Fluxos de lava eram lançados a milhares de metros de altura, e a zona rural ficava iluminada por quilômetros de distância. Muitas vezes, todo o topo da montanha parecia um inferno em chamas.”
Um noticiário de televisão da época mostra imagens surpreendentes da nuvem de cinzas gigante, dos turbulentos fluxos de lava e dos prédios desabando. Mais de 20 pessoas morreram.
Hoje, o Vesúvio está muito mais silencioso, e o acontecimento catastrófico de 1944 começa a desaparecer da memória coletiva à medida que as gerações mais velhas morrem. Atualmente, o cume é uma atração turística, repleta de ônibus que transportam os visitantes até o topo e barracas de souvenirs que vendem ímãs de geladeira feitos de lava solidificada.
Vim acompanhar um grupo de artistas e cientistas que estavam subindo até ao cume em um trabalho de campo, como parte de um festival chamado Volcanic Attitude.
O Vesúvio não é como uma montanha normal. Normalmente, quando você chega ao topo, você olha para a vista ao redor, mas aqui nosso olhar é atraído para dentro, para uma cratera gigante. Quando o escritor Joseph Addison veio aqui em 1700, descreveu como “abóbada terrível”.
Quando olhei por cima das grades, no entanto, vi apenas pedras quebradas e algumas nuvens de fumaça sulfurosa. Foi uma experiência sublime encontrar uma entidade com a magnitude e o poder de me destruir, mas felizmente não havia sinal da sua fúria passada.
Mesmo assim, o Vesúvio continua ativo — e um dia vai explodir novamente. Na subida, o geólogo Giovanni Macedonio, do Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia (INGV), que guiava o nosso grupo, apontou para a topografia arruinada por erupções passadas.
Quando o Vesúvio explodir, explicou ele, não será um mero filete de lava. No passado, encostas inteiras foram destruídas. Abaixo de Nápoles, a placa tectônica africana está colidindo e descendo por baixo da Europa, criando uma mistura mais inflamável de magma e gás do que vulcões em lugares como a Islândia ou o Havaí.
“Aqui temos erupções muito violentas”, afirmou Macedonio durante uma palestra no cume.
“Em termos de energia, estamos falando de várias bombas nucleares. Com a diferença de que, nas explosões nucleares, a energia é liberada em menos de um milissegundo, aqui essa energia é liberada ao longo de vários dias. Mas quando calculamos a energia nesses eventos, estamos diante de dezenas, centenas ou até milhares de Hiroshimas.”
Prevendo essa ameaça, as autoridades de Nápoles organizaram a cidade em zonas: aqueles que estão na “zona vermelha” precisam deixar o local se o nível de ameaça aumentar muito. Cada um destes bairros está associado a uma comunidade em outro local da Itália, que vai acolher os moradores que fogem da catástrofe.
Ao dirigir pelo trânsito caótico e pelas ruas congestionadas de Nápoles, é difícil imaginar como tudo isso pode dar certo na prática. Um geólogo com quem conversei durante a viagem sugeriu que, se emitissem um alerta, seria mais rápido caminhar até um local seguro do que tentar dirigir.
Mais tarde naquele dia, visitei o observatório onde os geólogos monitoram o Vesúvio e os outros vulcões da região da Campânia, 24 horas por dia. Outrora instalada na encosta do Vesúvio, a estação de monitoramento funciona agora em um prédio de escritórios sem muita identidade, não muito longe do centro da cidade. Por dentro, no entanto, parece uma sala de controle de missão espacial, com diversas telas espalhadas por duas paredes, mostrando gráficos sismológicos, mapas e câmeras focadas na liberação de gases.
Foi aqui que vi indícios de uma ameaça vulcânica muito maior do que o Vesúvio, que os geólogos estão atualmente de olho. Do lado de fora do prédio, você pode não saber que ele está lá, mas aqui, em uma tela gigante, você pode ver evidências da sua presença: um mapa da cidade coberto por aglomerações de pontos coloridos. São tremores causados por magma e gases que se deslocam nas profundezas do subsolo e, nos últimos anos, têm sido sentidos com frequência em Nápoles.
A causa? Abaixo da cidade — e, na verdade, da maior parte da baía — há uma enorme “caldeira”, um tipo de cratera vulcânica que entrou em colapso após uma violenta erupção há milhares de anos. É chamada de Campi Flegrei (Campos Flégreos) e tem um diâmetro de 12 a 15 quilômetros. Diferentemente do Vesúvio, não tem um cone visível e, por isso, passa despercebido no dia a dia, mas com tanta gente vivendo em cima dele, é considerado um dos mais perigosos da Europa. Uma erupção atribuída a ele há 39 mil anos, foi tão grande que parte do seu material acabou na Sibéria.
Enquanto fazíamos nosso filme, visitei este “monstro” com o geólogo Vincenzo Morra, da Universidade de Nápoles Federico II, que vive e trabalha no vulcão, na zona vermelha de Nápoles. Ele me pegou na estação de trem em sua scooter e, enquanto cortávamos os carros pelo trânsito intenso, percebi que ele provavelmente tem um apetite maior por riscos do que eu.
“As pessoas não têm consciência de que caminhamos diariamente sobre um vulcão, de que estamos dentro de um vulcão”m ele me disse. Um terço da caldeira está submersa, mas os dois terços restantes estão sob o trabalho e as casas das pessoas.
É difícil ver toda a extensão do Campi Flegrei — é grande demais para ser observado, a menos que você esteja sobrevoando a baía. Mas paramos em uma parte: um lugar chamado Solfatara, onde Morra me mostrou uma paisagem sulfurosa branca e fumegante, como a superfície de um mundo estranho. Costumava ser aberto a turistas intrigados com as paisagens e odores hidrotermais, ele explicou, mas há alguns anos foi fechado, depois que três membros de uma família caíram em uma cratera e foram asfixiados.
Muita gente supõe que Solfatara é o vulcão, mas na verdade é apenas uma porção dele. Vários outros locais da região também fazem parte do Campi Flegrei, desde o Monte Nuevo, onde ocorreu uma erupção nos anos 1500, até a Grotta del Cane (“Gruta dos Cães”), que costumava ser uma atração turística macabra devido à densidade de dióxido de carbono (CO2) vulcânico acumulado em seu fundo. Nos anos 1800, as pessoas levavam cães para dentro da caverna, onde caíam inconscientes devido à fumaça (se ficassem em pé, os visitantes humanos não eram afetados).
Esta ampla distribuição de efusões vulcânicas significa, no entanto, que não está claro onde qualquer atividade futura poderá acontecer.
“As erupções migram com o tempo, por isso nunca saberemos onde, nem quando, é claro, vai ocorrer a próxima erupção”, diz Morra. “E isso, claro, torna o Campi Flegrei mais perigoso que o Vesúvio.”
Uma noite, jantei na cidade portuária de Pozzuoli, um subúrbio de Nápoles perto do centro da caldeira Campi Flegrei, com Christopher Kilburn, vulcanologista da University College London (UCL), no Reino Unido. Ele não é um morador, mas ao passar uma temporada aqui desenvolveu uma forte afinidade com a cidade e seus residentes. Enquanto as crianças brincavam, e as pessoas comiam ao ar livre sob o Sol de julho, discutíamos a perspectiva arrepiante de uma erupção iminente.
Na época, Kilburn e seus colegas tinham acabado de publicar um artigo sobre o Campi Flegrei que era desconfortável de ler. Usando um novo modelo da caldeira, o texto sugere que uma erupção pode acontecer num futuro próximo. Ultimamente, o vulcão tem rugido e se expandido de uma forma que faz Kilburn e outros geólogos debaterem as causas.
Ao longo dos séculos, as mudanças magmáticas e gasosas nas profundezas do Campi Flegrei fizeram com que Pozzuoli e a área ao redor subissem e descessem continuamente. Essa é a razão pela qual o assentamento romano de Baiae está agora submerso na baía.
No entanto, nas últimas décadas, o solo abaixo de Pozzuoli tem agido de forma incomum. Entre 1969-1972 e 1982-1984, elevou-se em rápidas explosões. Ao todo, desde a década de 1950, a elevação soma mais de 4 metros. Você pode ver as consequências na linha d’água da cidade: as autoridades tiveram que instalar um segundo conjunto de amarras no porto depois que a primeira fileira ficou fora do alcance dos barcos.
“A questão é: foram causadas por pulsos de magma ou gás? Não sabemos”, diz Kilburn. Felizmente, não houve erupções na sequência — e se era magma, já estaria solidificado agora.
No entanto, o que está claro é que a caldeira começou a agir de forma diferente ao longo da última década: houve um período de subsidência (afundamento do terreno) sustentada, seguido por uma elevação muito mais lenta.
Kilburn e seus colegas interpretam isso como significado de que o vulcão está fazendo algo novo. Se as elevações anteriores foram intrusões magmáticas benignas, então isso sugeriria que as mudanças recentes poderiam ser gasosas, diz ele. E se for isso, pode significar que o vulcão está essencialmente “inflando”, criando novas lacunas para o magma passar — e potencialmente atingir a superfície.
“A crosta hoje não está no estado em que estava há 40-50 anos”, afirma. “Quer haja uma erupção iminente ou não, é incomum que um vulcão faça isso”.
Kilburn reconhece que outros pesquisadores têm interpretações diferentes — e que as autoridades ainda não estão preparadas para aumentar o nível de ameaça. Prever a atividade vulcânica em Nápoles pode ser um assunto político — e controverso.
Afinal de contas, alegar que uma erupção pode ser iminente gera medo na população, e convocar uma retirada pode ter graves consequências econômicas. Sem falar no risco de ser um “alarme falso”, se a previsão não for correta.
A opinião oficial dos operadores do observatório do Vesúvio é que uma erupção não é iminente. Alguns geólogos italianos independentes vão mais longe, alegando que não há motivo para preocupação. Outros, como Kilburn, dizem que é aconselhável prudência e preparação, dadas as recentes mudanças nos dados.
“O problema fundamental que temos é que não conseguimos ver o que está acontecendo lá em baixo”, explica Kilburn. Apesar de décadas de estudo aprofundado, ainda não existe tecnologia capaz de espreitar com clareza suficiente as entranhas de vulcões como o Campi Flegrei. Certa vez, um projeto de perfuração foi proposto, mas foi engavetado depois que algumas pessoas levantaram temores de desencadear uma erupção.
Quando isso acontecer, é possível que o Campi Flegrei dê um aviso aos cidadãos de Nápoles. Só temos uma erupção nos registos históricos, em 1538, e que se manifestou antes de irromper.
“Supostamente, houve uma elevação de vários metros em 48 horas. Há sempre a esperança de que vamos receber esse tipo de aviso novamente”, afirma Kilburn.
No entanto, o Campi Flegrei, o Vesúvio e todos os outros vulcões desta região estão evoluindo em uma escala de tempo própria. Quando acelerarem rumo à catástrofe, pode ser amanhã — pode demorar décadas ou talvez até séculos —, mas uma coisa é bastante certa: caminhar para esse dia é inevitável.
*Richard Fisher é jornalista sênior da BBC.com e autor de The Long View: Why We Need to Transform How the World Sees Time.
Filmagem e produção: Pierangelo Pirak e colegas da Pomona Pictures.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.