Este artigo de opinião é assinado por Rogério Pereira, fisioterapeuta da Clínica Espregueira no Porto, e por João Espregueira-Mendes, vice-presidente da ISAKOS – Sociedade Internacional de Artroscopia, Cirurgia do Joelho e Medicina Ortopédica Desportiva.
Caro leitor, queremos alertá-lo para uma necessidade crescente de mudar e melhorar hábitos para prevenir a síndrome do pescoço de texto, também conhecida como ‘text neck syndrome’, na sua expressão anglo-saxônica. Esta condição, cada vez mais frequente, já afeta também crianças e poderá dever-se, sobretudo, ao uso prolongado de dispositivos móveis. Estima-se que cerca de seis bilhões dos, aproximadamente oito bilhões de pessoas que existem no mundo, passam várias horas por dia com a cabeça inclinada para frente, devido ao uso de dispositivos eletrônicos, como celulares e tablets, o que pode levar a consequências para a saúde física, mental e social.
A síndrome do pescoço de texto, tecnicamente designada por ‘forward head posture’, é um termo utilizado para descrever uma condição cada vez mais prevalente e associada ao uso prolongado de dispositivos móveis. Ao olharmos para os nossos celulares, tablets ou outros dispositivos eletrônicos, inclinamos a cabeça para a frente e para baixo. Praticamente, todos o fazemos desta forma, se não, faça-se a ‘radiografia’ da posição do pescoço e da cabeça, na sociedade, em casa, no metro, no ônibus, nas mesas dos restaurantes e até em academias. Isto coloca uma pressão adicional sobre a coluna cervical, sendo muitos quilos e durante demasiadas horas:
- A cabeça de um adulto, em média, pesa cinco quilos (kg) na posição neutra; quer dizer alinhada com a vertical;
- Com a inclinação da cabeça para a frente e para baixo, pode alcançar um efeito mais de cinco vezes maior na cervical, isto é, 27kg com uma inclinação de 60º;
- As crianças e adolescentes podem passar cinco a sete horas por dia nos celulares e outros dispositivos;
Com o tempo, os efeitos cumulativos, podem ser dramáticos, aproximadamente 2500 horas num ano; é como quem diz; 25% do tempo disponível de vida por ano!
Esta postura, repetida e acumulada, pode resultar em dores e desconforto no pescoço, ombros, membros superiores e outros segmentos da coluna. Pode mesmo, a longo prazo, promover alterações das normais e necessárias curvas fisiológicas e alterações patológicas em diferentes estruturas, como o osso, cartilagem, discos intervertebrais, ligamentos e músculos. Também necessitamos acomodar outras implicações diretas como a da luz na qualidade do sono, da radiação eletromagnética e da sua assimilação, particularmente nas crianças, por ser, fatualmente, maior e imprevisível, neste caso, por desconhecimento dos seus efeitos.
No que diz respeito a implicações indiretas, não será exagero sublinhar o efeito do tempo de tela para os hábitos sedentários, assim como, por outro lado, a perda de oportunidades para a prática de exercício físico, sobretudo moderado e vigoroso que, sabemos, ter um efeito preventivo em determinados problemas de natureza musculosquelética e muitos outros benefícios para a saúde física, mental e social.
Em 2035, estima-se que 51% da população mundial terá excesso de peso ou obesidade. A obesidade tende a subir, crescendo mais rapidamente e especialmente entre as meninas. O impacto econômico da nova pandemia, i.e., do excesso de peso e obesidade poderá alcançar os 3% do PIB mundial.
Causas, sintomas e fatores de risco
O pescoço de texto está diretamente relacionado aos hábitos digitais, que hoje são estendidos e frequentes por várias razões e propósitos. Seja por questões ocupacionais, troca de mensagens, navegação em redes sociais, jogos, consultas de serviços ou compras online. Estas atividades exercem uma carga excessiva, principalmente nos músculos e ligamentos do pescoço e, de forma geral, na região superior das costas. Os sintomas mais comuns incluem:
– Dor no pescoço e rigidez;
– Dor nos ombros e costas;
– Dores de cabeça frequentes;
– Sensação de dormência/formigueiro nos braços;
– Postura curvada.
Sabia que existem escalas para medir o uso que faz do celular? Convidamos o leitor a pesquisar, isso sim, sem fletir a cabeça para a frente e para baixo, a escala designada por Smartphone Addiction Scale-Short Version (SAS-SV). Recomendamos que faça um print, imprima e responda a 10 perguntas simples e obterá uma pontuação entre 10 e 60. Se conseguir entre 30 ou mais pontos, fica o nosso conselho para reduzir o uso ou procurar alternativas para consultar o que pretende, que não impliquem a postura acima referida. Arredondando, mais de 30 pontos, significa que fará um uso excessivo do celular e isso é um fator de risco. Porquê? Porque se aplicou a escala validada a mais de 1000 trabalhadores de escritório e, verificou-se que os que têm a pontuação acima dos referidos e arredondados 30 pontos, têm uma probabilidade seis vezes maior de ter dor no pescoço.
Além das queixas/consequências físicas, também se verificou a associação com stress, ansiedade e depressão. Também existem trabalhos que avaliam o impacto no comportamento social, mas os resultados não parecem ser positivos. Todavia e felizmente, o pescoço de texto é uma condição evitável e tratável., pelo que sugerimos algumas dicas para prevenir e lidar com a síndrome:
1- Consciência postural
Mantenha a consciência sobre a sua postura enquanto utiliza dispositivos eletrônicos (e também se aplica quando lê um livro). Mantenha o telefone ao nível dos olhos para evitar inclinar constantemente a cabeça para baixo; quando num sofá, poderá colocar uma ou duas almofadas no colo, apoiar os cotovelos e, como resultado, reduzirá significativamente a inclinação da cabeça para a frente e para baixo.
2- Pausas regulares
Faça pausas frequentes durante o uso de dispositivos. Influencie o departamento de saúde ocupacional a introduzir medidas preventivas e sessões de exercício físico, já que as pausas ativas podem fazer toda a diferença no seu bem-estar e saúde.
3- Pratique exercício físico
Salvaguardados os imponderáveis, o exercício físico pode mudar-lhe a vida e/ou contribuir para manter a vida que tem, desejando que seja o caso, livre de problemas musculoesqueléticos e outras condições clínicas que podem impactar negativa e significativamente a saúde e bem-estar.
4- Ergonomia
Na utilização de computadores, seja o clássico PC ou o portátil, certifique-se de que a tela esteja ao nível dos olhos e que o teclado esteja numa posição confortável para evitar tensões desnecessárias.
5- Consulte o médico ou o fisioterapeuta
Caso os sintomas persistam ou se intensifiquem, procure um profissional de saúde para avaliação, referenciação e/ou tratamento adequado.
O pescoço de texto é uma condição real que pode afetar qualquer pessoa que faça uso intensivo de dispositivos eletrônicos. Ao adotar uma postura mais consciente, praticar exercício físico e fazer pausas regulares, podemos prevenir e tratar a síndrome, garantindo uma experiência digital mais saudável e agradável. Lembre-se sempre de cuidar do seu bem-estar físico, mental e social, enquanto desfruta do mundo digital moderno.