- Simone Machado
- Role,De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Em 2015, quando tinha apenas 24 anos, a técnica em segurança do trabalho Jocilene Emanuele Medina procurou um pronto-atendimento em Pains, em Minas Gerais, onde mora, ao ter um episódio de vômito, vertigem e desequilíbrio.
Após passar por consulta médica e fazer alguns exames, ela foi encaminhada para um otorrinolaringologista onde recebeu o diagnóstico de labirintite.
Mesmo seguindo o tratamento indicado, Manu, como é mais conhecida, conta que os sintomas não melhoravam e ela passou a perder a visão do lado esquerdo.
Preocupada, ela procurou um oftalmologista. “O médico notou que eu estava com uma inflamação no nervo óptico e decidiu pela minha internação imediata. Fiquei assustada, não imaginava a gravidade do meu caso”, diz.
Foi só depois de um ano e meio de investigação que o diagnóstico de esclerose múltipla chegou.
“Fiquei sem chão ao receber a notícia. Acho que a fase inicial do diagnóstico é a mais difícil para o paciente. Ter ‘fácil’ acesso à informação na internet, por exemplo, nos desespera ainda mais”, afirma Manu.
Pacientes jovens
A esclerose múltipla é uma doença neurológica, crônica e autoimune, em que as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, causando lesões no cérebro e na medula.
O dia 30 de maio é considerado o Dia Mundial da Esclerose Múltipla – uma data eleita com o objetivo de levar informações sobre a doença à sociedade.
A ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla) estima que cerca de 40 mil brasileiros possuem a doença, que atinge geralmente pessoas jovens com idade média entre 20 e 40 anos, sendo mais comum entre as mulheres e pessoas da raça branca.
A causa da doença, assim como por que ela é mais comum em mulheres jovens, ainda são questões em aberto para a ciência.
Há, no entanto, algumas pistas de por que este grupo representa a maioria dos diagnósticos.
Uma das teorias é que as flutuações dos hormônios sexuais durante os anos reprodutivos poderiam influenciar a resposta imunológica e aumentar o risco de desenvolver a doença.
Estudos sugerem que outro fator é o um componente genético – genes específicos seriam responsáveis, em parte, pela suscetibilidade das mulheres à esclerose múltipla.
Além disso, a resposta imunológica geralmente mais forte nas mulheres pode contribuir para uma maior atividade inflamatória no sistema nervoso central, o que aumenta o risco de desenvolvimento da doença.
Esclerose múltipla não é um tipo de demência
É importante destacar que a esclerose múltipla não é um tipo de demência, como muitas pessoas erroneamente pensam.
Segundo o neurologista e coordenador médico do Centro de Excelência em Esclerose Múltipla do Einstein, Rodrigo Thomaz, a palavra “esclerose” refere-se ao “endurecimento” que ocorre no cérebro e na medula espinhal dos pacientes com o quadro.
“É possível observar a formação de pequenas placas com cicatrizes endurecidas ao toque.”
A esclerose múltipla tem como principal característica a perda neurológica. Nas pessoas que têm a doença, as células imunológicas invertem o seu papel – em vez de protegerem o sistema de defesa, passam a atacá-lo, produzindo inflamações.
Essas inflamações afetam a bainha de mielina – uma espécie de capa protetora que reveste os neurônios responsáveis por levar os impulsos do sistema nervoso central para o corpo e vice-versa, fazendo com que as funções coordenadas pelo cérebro fiquem comprometidas.
Além dos fatores específicos que relacionam as mulheres à doença, pessoas com predisposição genética para doenças autoimunes e que são expostas a fatores ambientais como infecções virais, tabagismo, obesidade e níveis reduzidos de vitamina D, também são consideradas como grupos de maior risco para desenvolver o quadro.
“A redução do risco de desenvolver a esclerose múltipla é questionável, uma vez que a doença tem componente genético que aumenta o risco de alteração no funcionamento do sistema imunológico. No entanto, o controle dos fatores ambientais pode, sim, interferir nas chances de apresentação da doença”, diz Claudia Vasconcelos, coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia.
Sintomas mais comuns
- Fadiga (cansaço intenso e momentaneamente incapacitante)
- Alterações fonoaudiológicas (fala lenta, palavras arrastadas e voz trêmula)
- Dificuldade para engolir líquidos, pastosos ou sólidos
- Transtornos visuais (visão embaçada ou dupla)
- Perda de equilíbrio
- Problemas na coordenação motora
- Instabilidade ao caminhar
- Tremores
- Vertigens e náuseas
- Incontinência ou retenção urinária
- Espasticidade (rigidez de um membro ao movimentar-se e acomete principalmente os membros inferiores)
- Transtornos cognitivos
- Transtornos emocionais (depressão, ansiedade, irritação)
- Disfunção erétil nos homens e diminuição de lubrificação vaginal nas mulheres
“Os sintomas e sinais da esclerose podem ser transitórios, durar poucos minutos e desaparecer, fazendo com que o paciente não dê muita importância a esses sinais. Por isso, ao ter qualquer sinal, por menor que seja, é indicado que se busque um neurologista para ser investigada a causa daquele sinal”, explica Alex Machado Baêta, neurologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Visando tornar a esclerose múltipla mais conhecida, Manu usa as redes sociais para falar abertamente sobre os desafios que os pacientes com esclerose múltipla enfrentam no dia a dia.
“A falta de informações leva a um preconceito indireto. Por não ser uma doença visível, a sociedade não enxerga minhas necessidades. Às vezes, devido à fraqueza e fadiga, preciso usar fila preferencial, e as pessoas não veem com bons olhos. Quando sabem o motivo recebo olhares de dúvida ou piedade. Precisamos falar mais sobre a doença”, acrescenta.
Os tratamentos disponíveis
A esclerose múltipla não tem cura.
Os tratamentos oferecidos buscam estabilizar e interromper a atividade inflamatória ao longo dos anos para que o paciente tenha uma melhora na qualidade de vida.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, atualmente, cerca de 20 medicamentos aprovados por agência reguladora, com reconhecimento científico para o tratamento, estão disponíveis. A maioria deles existem no Brasil e estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde), dentro do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Além do tratamento medicamentoso, segundo os especialistas, é importante que seja realizado uma neuroreabilitação prevenindo complicações como as deformidades ósseas nos pacientes.
“São medicamentos que regulam as reações do sistema imunológico que está voltado ao ataque, sendo, portanto, considerados imunossupressores. Além do tratamento específico para controlar a doença, são utilizados medicamentos e técnicas para alívio e manejo de sintomas. Na ocasião dos surtos, são usados procedimentos, como pulsoterapia com corticoesteroides ou, em casos agressivos, a plasmaférese terapêutica (processo que remove e substitui o plasma sanguíneo do paciente)”, explica Thomaz.
“Atualmente, se vivencia uma verdadeira revolução no tratamento e no prognóstico da doença, com risco muito menor de sequelas e progressão degenerativa. O objetivo atual é evitar ao máximo que o cérebro e a medula espinhal sejam “invadidos” pela doença, reduzindo o risco futuro para a pessoa com EM”, acrescenta o neurologista e coordenador médico do Centro de Excelência em Esclerose Múltipla do Einstein.
No caso de Manu, o tratamento inclui acompanhamento com reumatologista para alívio de sintomas articulares e musculoesqueléticos, reposição de vitamina D e foco na saúde mental, com acompanhamento com psicólogo e remédios – prescritos por um médico – para o controle da ansiedade.
“Também tento vigiar minha alimentação evitando alimentos inflamatórios, faço atividade física de baixo impacto como natação e hidroginástica”, diz.
“A esclerose múltipla é como uma parceira de dança que estou sempre vigiando para que ela não pise em meu pé. Conviver com a doença é uma caixa de surpresas, cada dia é um novo desafio e nunca sei com qual sintoma vou acordar.”