De acordo com a pesquisa, um país que escolhe a democracia pode obter um incremento do PIB per capita até 20% acima do de uma nação autocrática em um período de 25 anos.
DANIELA ARCANJO (FOLHAPRESS) – A discussão ressurge periodicamente: regimes autoritários são positivos para a economia de um país?
Em 1999, em artigo no conceituado Journal of Democracy, o Nobel de Economia Amartya Kumar Sen apontou a ascensão da democracia no mundo como o acontecimento mais importante do século 20.
“Não há nenhuma evidência geral convincente de que governanças autoritárias e supressão de direitos políticos e civis sejam benéficas para o desenvolvimento econômico”, escreveu o professor de Harvard.
Desde então, a China emergiu como potência rival dos EUA, e países autoritários no Oriente Médio se transformaram em poucos anos com o aumento exponencial de suas riquezas, requentando o debate.
Mais recentemente, a onda populista em nações estáveis engrossou o caldo da discussão. Estudos das últimas três décadas se dividem entre duas conclusões: 1) regimes autoritários e democráticos teriam uma performance parecida na economia; 2) democracias se saem melhor no desempenho econômico.
Entre as conclusões desses levantamentos está a de que as características de um modelo participativo tenderiam a gerar mais riqueza -e mais distribuição de renda.
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REGIMES DEMOCRÁTICOS SÃO POSITIVOS PARA A ECONOMIA?
Diferentes estudos apontam que sim. Um deles, publicado em 2019 por pesquisadores das Universidades de Chicago, Boston, Columbia e MIT, acompanhou 175 países entre 1960 e 2010.
De acordo com a pesquisa, um país que escolhe a democracia pode obter um incremento do PIB per capita até 20% acima do de uma nação autocrática em um período de 25 anos.
As descobertas sugerem que a democracia “contribui para o crescimento aumentando investimentos, encorajando reformas econômicas, melhorando a educação e a saúde e reduzindo a agitação social”. Segundo os resultados, o crescimento independe do nível inicial de desenvolvimento econômico.
O QUE EXPLICA ESSA RELAÇÃO?
Economia é troca e precisa de laços sociais, afirma o cientista político Josué Medeiros, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O mercado não é só uma relação monetária na qual um paga e outro recebe, como se as pessoas não se relacionassem”, diz o pesquisador. “Em um país em guerra civil, por exemplo, a economia vai para o buraco porque você não tem mais nem como conversar.”
Se em um primeiro momento a repressão pode dar a sensação de estabilidade, as chances de os grupos de um país se radicalizarem são grandes. No longo prazo, democracias tendem a ser mais pacíficas porque internalizam os conflitos da sociedade, propondo caminhos institucionais a eles.
Em contrapartida, governos autoritários reprimem. “Você produz um potencial de escalada de violência que acaba com qualquer tipo de previsibilidade, estabilidade e laço social”, afirma Medeiros.
POR QUE A DEMOCRACIA ATRAI NEGÓCIOS?
Estabilidade e previsibilidade são palavras-chave para negócios e a razão pela qual arroubos autoritários, em geral, precedem abalos nos mercados. Para Ricardo Jacomassi, sócio da empresa de investimentos TCP Partners, “quanto menos ruído houver, melhor para os investimentos”.
“O ambiente democrático incentiva o investimento privado. Quando a gente compara, vê o quão benéfico é ter um ambiente de competitividade, em que as regras são claras e não serão mudadas por uma caneta.”
No caso do Brasil, uma ruptura institucional teria potencial para fazer um grande estrago, considerando a dependência que o país tem de exportações e de investimentos e tecnologia de fora. “É impensável fazer grandes investimentos em infraestrutura, energia e petróleo, por exemplo, se a gente não tiver esses capitais presentes”, afirma o economista Clemens Nunes, professor de economia na FGV-SP.
Embora ocorram investimentos privados em ditaduras, Nunes diz que esse nunca é um quadro confortável para as empresas. “Um autocrata pode ser substituído, e você então perde a situação vantajosa que tinha.”
A DEMOCRACIA PODE DIMINUIR A DESIGUALDADE ECONÔMICA?
No terreno dos índices de desigualdade, pobreza e escolaridade, há forte consenso entre pesquisadores: a democracia é o melhor regime para aperfeiçoá-los. A liberdade de se organizar, fazer protestos e fundar partidos para pleitear demandas é um dos motivos para regimes democráticos despontarem na frente.
“Em uma ditadura, o fórum de reclamações fica muito restrito. Instituições mais próximas da sociedade ficam congeladas em detrimento de uma elite política centralizadora”, afirma Carolina Botelho, professora de ciência política da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A transparência também é importante. Pesquisas que mostrem bolsões de pobreza, desigualdade de gênero e problemas na saúde pública são centrais para a formulação de políticas públicas, mas podem arranhar a imagem do líder do momento -e serem proibidas ou manipuladas por governos autoritários.
POR QUE HÁ PAÍSES AUTORITÁRIOS COM ECONOMIAS PUJANTES?
O fato de democracias terem tendência a um crescimento econômico maior não elimina a existência de bons desempenhos em ditaduras, mas tampouco há evidências de que o sucesso dessas nações se deva ao autoritarismo. O caso da China, por exemplo, pode estar relacionado a uma conjuntura regional.
“Há países que tiveram uma década de crescimento muito rápido, mas o tipo de crescimento transformacional, de dois dígitos por mais de duas décadas, basicamente só ocorreu no leste da Ásia”, diz Nicolas van de Walle, professor da Universidade Cornell e especialista em democratização.
O simples fato de não poder trocar de governante, por si só, é um ponto negativo de ditaduras para a economia, segundo Walle. “Você não pode se livrar de um líder ruim”, afirma. “Há muitas evidências de ditadores que foram bons nos primeiros quatro ou cinco anos e depois pioraram progressivamente.”