Em uma noite de verão de 2014, um grupo de biólogos e ecologistas observou diversas áreas suburbanas com iluminação pública perto de Wallingford, no Reino Unido.
A presença daquelas pessoas nas ruas à noite pode ter despertado alguma preocupação entre os habitantes locais. Na verdade, eles não estavam ali para cometer assaltos, mas para acompanhar mariposas saindo para sua rotina de polinização noturna.
Os cientistas estavam estudando como a iluminação pública afeta o comportamento das mariposas. Sua teoria era que as luzes artificiais noturnas prejudicariam os padrões de voo das mariposas, reduzindo a quantidade e a qualidade da polinização.
E, dentre as centenas de mariposas observadas, mais de 70% eram atraídas para cima em direção às luzes e para longe das flores. Isso resultou em redução considerável da polinização, bem como da quantidade de tipos de pólen transportada pelos insetos.
Os mesmos resultados foram obtidos com diversas espécies de mariposas noturnas e mais de 28 variedades de plantas, indicando um efeito cascata que pode ter consequências mais amplas.
Esta é apenas uma forma específica de prejuízo causado pela poluição luminosa ao mundo natural.
As mariposas não são os únicos polinizadores prejudicados pelas brilhantes luzes das cidades. As abelhas também estão sentindo seus efeitos, bem como as plantas que elas polinizam.
À medida que as luzes artificiais prejudicam a interação entre os polinizadores noturnos e as plantas, a produção de pólen pode ser afetada. Isso, por sua vez, prejudica a capacidade das abelhas e de outros polinizadores diurnos de fertilizar as plantas durante o dia.
A poluição luminosa já é sentida em cerca de um quarto do planeta e continua a aumentar em cerca de 6% todos os anos, com o crescimento da urbanização. A poluição luminosa global aumentou em pelo menos 49% nos últimos 25 anos.
Seus impactos ainda estão sendo estudados e apresentam ampla variação entre as espécies, mas os cientistas já sabem que a poluição luminosa afeta o crescimento e a reprodução das plantas.
Ela prejudica seus ritmos sazonais, sua capacidade de detectar e reagir à luz natural e seu frágil relacionamento com os polinizadores.
Quanto mais tensa for essa relação, mais riscos corre a nossa produção de alimentos. E uma única ligação rompida pode criar consequências fisiológicas imprevisíveis para toda a cadeia alimentar.
Como as plantas ‘sentem’ o mundo
Uma razão principal do impacto da poluição luminosa, ou da luz artificial noturna, sobre a maior parte dos seres viventes no planeta é o ritmo circadiano – o ciclo natural de sono e vigília que se repete a cada 24 horas e é regido pelo dia e pela noite.
A maioria das criaturas, sejam elas de hábitos diurnos ou noturnos, realiza seus processos de sobrevivência seguindo esse ciclo.
Quando ele é prejudicado, digamos, pela percepção de uma noite mais curta, pode surgir estresse indevido sobre o funcionamento dos sistemas internos. E, quanto mais tempo durar essa interferência, maior o potencial de surgimento de impactos prejudiciais.
As interferências sobre o relógio circadiano também podem afetar a regulagem de substâncias em seres humanos, plantas e animais, principalmente da melatonina – a molécula produzida em reação ao escuro, que ajuda a regular o ritmo circadiano.
“Acredita-se que ela seja elevada à noite, mas a poluição luminosa suprime a melatonina, o que, ao longo do tempo, pode causar toda uma série de efeitos prejudiciais à saúde”, segundo a pesquisadora Valentina Alaasam, da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos.
Para os seres humanos, os impactos à saúde incluem aumento do risco de distúrbios do sono, diabetes, depressão, problemas cardíacos e câncer de mama.
Os efeitos relembram um pouco o jet lag. Digamos que você esteja voando de Londres para Nova York, nos Estados Unidos.
Como você está viajando para um lugar cinco horas atrás do local de partida, você, na realidade, está ganhando cinco horas do dia ou da noite (dependendo do horário da sua viagem), o que causa um desajuste no seu ritmo circadiano.
O jet lag resultante pode fazer você se sentir confuso, sonolento ou indisposto por vários dias. É o resultado de uma interrupção do ritmo circadiano.
Imagine agora que você seja uma árvore na calçada de uma cidade, exposta constantemente a luzes artificiais, como a iluminação pública, carros e edifícios. Se o seu sistema interno pensar que é sempre dia, ele pode virar sua vida do avesso.
“As plantas são como os animais. Elas precisam de um ciclo de sono para processar as coisas e o que elas fazem é dedicar-se a atividades diferentes, em diferentes horários do dia. Para isso, elas precisam saber a hora do dia”, explica a professora Joanne Chory, do Instituto Salk de Estudos Biológicos em San Diego, na Califórnia (EUA).
As plantas usam seus fotorreceptores – conhecemos 13 deles – para determinar informações como a duração do dia.
Isso as ajuda a saber quando devem florescer e, para as árvores caducifólias, quando as folhas devem cair – certamente, dois dos momentos mais importantes para as árvores.
Cinco dos fotorreceptores absorvem o infravermelho próximo que vem da Lua e das estrelas, enquanto outros oito absorvem um tipo de luz ultravioleta. Quando estendemos artificialmente a duração do dia, a poluição luminosa pode acionar esses fotorreceptores até mudar o padrão de floração da planta.
“As plantas ficam estressadas com a luz [artificial]. Elas podem aumentar a fotossíntese e, com isso, aumentar o estresse”, afirma o ecologista Brett Seymoure, professor de ciências biológicas da Universidade do Texas em El Paso, nos Estados Unidos. “É como um fisiculturista que faz exercício o tempo todo.”
Quando uma planta realiza a fotossíntese, ela está absorvendo energia e, se fizer isso todo o tempo, pode haver uma sobrecarga, criando um tipo reativo de oxigênio que acaba por matar a planta.
Agregue-se a isso os invernos mais quentes e os verões mais longos, devido às mudanças climáticas, e teremos árvores crescendo totalmente fora do seu ritmo natural, o que pode acabar fazendo com que elas fiquem mais fracas.
Mudanças sazonais
A floração ou a formação de brotos acontece tipicamente na primavera, com a chegada de temperaturas mais altas, coincidindo com os dias mais longos e a maior quantidade de raios ultravioleta. Mas Seymoure afirma que a poluição luminosa está confundindo essas indicações para as plantas.
“As mudanças sazonais das plantas foram afetadas pela iluminação artificial noturna”, afirma Seymoure. “Elas produzem brotos mais cedo ou retêm suas folhas por mais tempo, pois o fotoperíodo – a relação entre o dia e a noite – está sendo mascarado pela iluminação artificial à noite.”
Um estudo analisou 13 anos de dados de formação de brotos de árvores caducifólias no Reino Unido e concluiu que os brotos se formam até 7,5 dias antes em regiões mais iluminadas à noite, devido à poluição luminosa.
E, pela mesma razão, a formação de brotos também pode mudar quando as árvores soltam suas folhas no outono – a luz artificial interfere com a percepção do fotoperíodo, com dias mais curtos à medida que se aproxima o inverno.
Normalmente, à medida que os dias ficam menores, as árvores caducifólias suspendem a produção de clorofila, que é o pigmento primário usado na fotossíntese, e retiram os nutrientes das folhas. Por isso, elas mudam de cor e acabam caindo sobre o solo.
“Mas, como elas são constantemente bombardeadas pela iluminação pública, elas não conseguem esse fotoperíodo, de forma que irão reter suas folhas por muito mais tempo e podem perder todas as folhas que armazenam clorofila – que, na verdade, é algo energeticamente muito caro”, afirma Seymoure.
A poluição luminosa prejudica o ritmo circadiano dos polinizadores e seus padrões de vida em geral. Isso acaba impedindo a reprodução da planta.
Diversos estudos, incluindo a análise das mariposas britânicas, concluíram que as luzes artificiais diminuem a polinização.
Um estudo de 2017 concluiu que as interações noturnas entre as plantas e os polinizadores são reduzidas em 62% em áreas fortemente iluminadas, em relação aos locais sem iluminação. E, quando essas interações diminuem, as plantas são menos estimuladas a produzir pólen, o que reduz a quantidade de pólen disponível para os polinizadores diurnos, como as abelhas.
Da mesma forma que o jet lag afeta os seres humanos, a poluição luminosa também pode estressar os corpos dos polinizadores, reduzindo seu sono e tempo de recuperação, acabando por dificultar sua polinização e reprodução.
A poluição luminosa prejudica até a migração. Ela afasta os insetos (e outras espécies de animais voadores) do seu caminho natural, levando-os para cenários perigosos e, muitas vezes, mortais.
“Já se demonstrou que [ela] desorienta as rotas de migração [dos pássaros] e altera os locais de reprodução das espécies ou onde elas passam o inverno”, segundo Alaasam.
E essas mudanças migratórias podem prejudicar as plantas que são polinizadas pelas aves ou as plantas que têm suas sementes espalhadas pelos pássaros.
Em relação aos insetos, Seymoure chama essa atração pela luz de “efeito armadilha”, no qual “os insetos voam até as luzes, mas nunca polinizam porque estão simplesmente ocupados demais voando em volta da luz”.
Já outros polinizadores, como certas espécies de besouros, são fotofóbicos e simplesmente evitam a vegetação que está sob luz artificial. É o “efeito repelente”.
Cerca de um terço dos insetos que são atraídos pelas luzes artificiais à noite não sobrevive até a manhã seguinte, segundo uma análise de 229 estudos, da qual Seymoure é um dos autores, seja devido a predadores, fome ou exaustão.
‘Apocalipse dos insetos’
A população de polinizadores vem caindo sistematicamente. Ecologistas como Seymoure receiam que este seja o resultado de uma confluência de fatores de estresse, que incluem a poluição luminosa, poluição química, mudanças climáticas e perda de habitat.
Os insetos são fundamentais para a vida no planeta e, à medida que os perdemos, o efeito dominó sobre as espécies fica cada vez mais claro.
Se as abelhas nativas dos Estados Unidos morrerem, por exemplo, todas as espécies de plantas polinizadas por elas podem desaparecer em seguida, se não houver intervenção. E essas espécies são responsáveis por 80% das flores do país.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos estima que essas plantas representem 25% dos alimentos consumidos diariamente pelos americanos.
“Cerca de 200 milhões de anos atrás, as plantas produtoras de flores e os insetos começaram a evoluir em conjunto. Se você começar a alterar o comportamento do inseto ou a fisiologia comportamental da planta, você irá afetar a ambos”, explica Seymoure.
“[Com a poluição luminosa] você tem essa nova e estranha situação que trará consequências para todo o planeta, pois quase tudo depende dos insetos e das plantas produtoras de flores – 80% das nossas espécies alimentícias são polinizadas por insetos.”
As plantas e os polinizadores dependem das mudanças de luz e temperatura para saber como e quando devem realizar seus processos de sobrevivência. E, à medida que o planeta se aquece e a poluição luminosa aumenta, esses processos ficarão cada vez mais desequilibrados. Não se sabe ao certo se as espécies afetadas se adaptarão com rapidez suficiente para conseguir sobreviver.
“A poluição luminosa e as mudanças climáticas estão tornando essas indicações [luz e temperatura] menos confiáveis e causando um certo caos ecológico”, afirma Alaasam.
Por outro lado, existem polinizadores que não são tão prejudicados pela poluição luminosa. Na verdade, alguns evoluíram para usá-la em seu benefício.
Um estudo analisou as “mariposas urbanas” de 10 populações diferentes e concluiu que elas se adaptaram para não voar em direção às luzes artificiais à noite.
“As mariposas que haviam sido expostas à iluminação artificial nos últimos 20 a 50 anos não tinham mais os genes que permitiam que elas voassem em direção à luz”, segundo Seymoure.
Os morcegos polinizadores também parecem ter encontrado uma solução positiva. Não só as luzes artificiais iluminam os insetos que eles gostam de comer, mas um estudo de 2022 concluiu que eles também aumentaram a polinização, devido à maior quantidade de frutos e sementes nas árvores iluminadas artificialmente (talvez causada pela floração excessiva).
Mas este pode ser um benefício apenas temporário. Seymoure receia que o excesso de exposição às luzes artificiais possa sobrecarregar as árvores e enfraquecê-las ao longo do tempo.
Muitas outras espécies de insetos nunca foram atraídas pela luz, de forma que elas não são diretamente prejudicadas pela poluição luminosa. Mas isso não significa que elas não sofram impactos diretos de outras formas.
Um exemplo são as abelhas, que não são atraídas pela luz, mas são prejudicadas pela poluição luminosa porque as plantas polinizadas por elas são menos estimuladas a produzir pólen pelos polinizadores noturnos, que estão se afastando devido às luzes artificiais.
O que podemos fazer?
Existem algumas medidas simples que todos nós podemos tomar para reduzir a poluição luminosa. Muitos dos seus efeitos positivos são instantâneos.
• Substitua as luzes fluorescentes por lâmpadas de LED. Além de causar menos poluição luminosa, elas são mais econômicas. Certifique-se de usar lâmpadas com luz quente em vez de fria (até 3000K – quanto mais alto o valor K, mais fria será a luz).
• Livre-se do excesso de iluminação. Ela lança muita luz para o ar, o que pode desorientar os pássaros e fazer com que eles se percam ou voem para dentro das estruturas.
• Abaixe as cortinas à noite ou instale coberturas nas suas fontes de iluminação externas.
• Substitua os interruptores por sensores de movimento.
Pode parecer que essas pequenas mudanças não irão trazer efeitos avassaladores, mas todas elas também podem trazer economia devido à redução dos custos de energia.
E Alaasam ressalta que este fator pode ajudar a convencer o gerente do seu escritório, seu senhorio ou os governantes locais a reduzir a poluição luminosa.
São mudanças que começam a acontecer em pequenos bolsões com consciência ecológica pelo planeta. E os benefícios colhidos por essas comunidades talvez possam atrair outras, com o perdão da expressão, como uma mariposa é atraída pela luz.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.