Especialistas e ativistas ponderam, porém, que a decisão deve ser pautada no bem-estar físico e mental: entender que os corpos não são iguais e que as mudanças estéticas não devem ser fatores determinantes para a qualidade de vida.
(FOLHAPRESS) – Lipo LAD, correção de “Tech Neck” e Efeito Zoom. Os nomes dos procedimentos estéticos remetem a uma vida digital que se consolidou com a pandemia. Após um período de queda na procura em decorrência da crise sanitária, médicos veem consultórios e centros cirúrgicos cada vez mais cheios.
Enquanto uns acreditam que o ritmo visto antes do coronavírus está sendo retomado, outros dizem que a busca se deu após a frustração com procedimentos menos invasivos. Especialistas e ativistas ponderam, porém, que a decisão deve ser pautada no bem-estar físico e mental: entender que os corpos não são iguais e que as mudanças estéticas não devem ser fatores determinantes para a qualidade de vida.
De acordo com levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo no Google Trends, que analisa a popularidade dos termos buscados na plataforma, procedimentos como Lipo LAD e até “butt lift” foram pesquisados em todos os estados do país no último ano. Depois de uma desaceleração que zerou a procura em 2018, esses dois tiveram picos em 2019 e 2020, e desde fevereiro de 2021 voltaram a ser buscados de modo constante.
A alta é ainda maior quando associados ao nome de influenciadores como G-Kay e a cantora Naiara Azevedo.
Segundo o cirurgião José Octavio Gonçalves de Freitas, presidente da SBCP-SP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Regional de São Paulo), essa movimentação cirúrgica crescente no Brasil é perceptível nos consultórios e hospitais. Ele afirma que percebe uma retomada dos planos adiados pela pandemia.
“Os hospitais que faziam apenas cirurgias tiveram uma queda de 50% por falta de procura [na pandemia] e os mistos estavam com os leitos ocupados por pacientes de Covid-19”, constatou.
Já o cirurgião plástico Fernando Salgueiro, 38, membro da SBCP e da ASPS (Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, em português), atribuiu o fenômeno à decepção dos pacientes com as promessas dos minimamente invasivos, bastante populares e acessíveis em clínicas particulares na pandemia.
“A indústria da estética tem desenvolvido cada vez mais tratamentos de consultório com o intuito nobre de postergar abordagens cirúrgicas. Mas o marketing os trata como tratamentos milagrosos, que eliminaram a cirurgia. E o tempo e os pacientes mostraram que não é verdade, que as cirurgias faciais serão necessárias em algum momento”, afirma Salgueiro.
Excesso de invasivos e procedimentos mal feitos, segundo os dois cirurgiões, têm provocado uma onda de deformidades e complicações.
“Marketing bonito infelizmente pode esconder um profissional inexperiente. Questione nas redes sociais o profissional e o influencer. E passe em consulta, às vezes em dois ou mais profissionais. Tire todas as dúvidas antes de escolher realizar qualquer tratamento”, sugeriu Salgueiro.
Um exemplo é o butt lift, que ganhou espaço nos Estados Unidos, segundo o jornal The New York Times, mas caiu em desuso por aqui. A explosão de cirurgias para aumentar o bumbum com injeção de gordura lipoaspirada se deu principalmente em Miami, onde os valores são mais acessíveis e há pousadas especializadas em recuperação de cirurgias plásticas.
No Brasil, Freitas vê pacientes buscando a remoção dos enxertos e silicones por estarem se deslocando e causando dor, entre outros problemas.
Sobre limites, o cirurgião é direto: só se deve injetar e operar com quem sabe tratar os possíveis problemas que podem surgir em uma operação.
“Escute o cirurgião e o dermatologista. Se o primeiro profissional contraindica, você vai a um segundo e ele também contraindica, não procure o terceiro. Se eles não querem te operar e preferem deixar de ganhar com a cirurgia é porque têm absoluta certeza de que vai dar errado”, diz o médico.
A empresária Ana Paula Della Motta, 37, fez uma mastopexia (correção de flacidez das mamas) em 2018 após receber a indicação de uma amiga e consultar três médicos.
“Sempre foi meu sonho fazer essa cirurgia e depois que tive meus filhos senti ainda mais essa necessidade. Não me sentia bonita, tinha muita vergonha. Depois da cirurgia estou mais confiante, consigo olhar no espelho de uma forma mais amorosa comigo mesma”, afirma.
Motta precisou de ajuda por dois meses para realizar tarefas simples em casa, mas não se arrependeu. “Para mim valeu muito a pena, dou muita força para aqueles que não se sentem bem com algum detalhe do seu corpo. Se não está feliz e tiver oportunidade, faça.”
O psicogeriatra Vinícius Faria, um dos fundadores da plataforma Bem Te Quero 60+, que reúne profissionais e serviços para os mais velhos, incluindo cirurgias estéticas, afirma que a plástica, em todas as idades, deve ser livre de pressões sociais, busca pela perfeição ou juventude eterna. Para ele, o bem-estar físico e mental deve ser prioridade.
“É mais um recurso para quem busca envelhecer bem. Procedimentos cirúrgicos são uma forma de realçar a beleza natural de forma saudável e harmoniosa, fortalecendo o lado emocional, proporcionando também o aumento da autoestima”, disse.
Já para a especialista em terapia cognitivo comportamental Michele Cristina Nossa, o maior problema não é a cirurgia, mas a cultura de que procedimentos infinitos e remodelagens invasivas podem dar a possibilidade de a pessoa ser mais bem-sucedida em função de sua aparência.
“O objetivo é romper a crença de sucesso em função da beleza exterior. Mas a sociedade ainda tem dificuldade em desmembrar uma coisa da outra”, afirma a psicóloga.
Ela aponta o “body positivity”, um movimento social focado na aceitação de todos os corpos, como algo que pode equilibrar as demandas.
“É uma questão de bem-estar. O cuidado que temos que ter é com o tamanho da distorção corporal que a pessoa tem. Todos temos uma representação mental do nosso corpo, porém, o limite é o quanto a mudança corporal interfere na qualidade de vida e se há uma dependência desses procedimentos para ser feliz”, diz Nossa.
Alexandra Gurgel, fundadora do Movimento Corpo Livre e autora de dois livros sobre o tema (“Pare de se Odiar” e “Comece a se Amar”, ambos da editora Best Seller), começou os procedimentos estéticos aos 23 anos, quando fez lipoescultura, “butt lift” e colocou silicone. Meses depois, porém, tentou o suicídio.
“Passei a vida querendo ser magra, ser padrão. Quando consegui na cirurgia e me vi no espelho, entre aspas, perfeita, aquilo não fazia sentido na minha cabeça”, conta.
Gurgel defende que o Movimento Corpo Livre está apenas começando, enquanto a cultura das cirurgias estéticas existe desde sempre. Também afirmou que não se trata de romantização da obesidade. “É justamente a liberdade de ser quem você quer ser.”
Para ela, as novas técnicas são apenas para atrair público, vendendo a promessa de um corpo perfeito. A ativista lembra que há muitos casos de sucesso, mas que também existem aqueles que se deram mal, citando como exemplo a influenciadora Thaynara OG, que teve graves complicações e foi parar na UTI por uma semana após realizar uma lipo LAD em março de 2020.
“Em nenhum momento o movimento é contra fazer uma bariátrica, colocar um botox. Não é para não querer mudar o seu corpo, não fazer uma cirurgia plástica, mas entender que pode ser livre com seu corpo, que você não precisa ser de determinado jeito.”
PROCEDIMENTOS POPULARES
Cirúrgicos e não cirúrgicos, eles têm alta procura nos consultórios
Lipo LAD
A lipoaspiração de alta definição cria tanquinho na mesa de cirurgiaCorreção de “Tech Neck”
Corrige rugas, flacidez e a papada no pescoço que são causadas quando a pessoa permanece com a cabeça abaixada por muito tempo para usar o computadorEfeito Zoom
Alterações na face para ter melhor aparência em vídeoconferências