No evento, que terminou nesta sexta-feira (21) no sul da França, o Brasil manteve sua tradição e foi um dos países mais premiados.
O uso da inteligência artificial (IA) generativa, capaz de criar textos, imagens e vídeos a partir de instruções em linguagem comum, foi um dos temas dominantes do Cannes Lions, maior festival internacional do mercado publicitário.
No evento, que terminou nesta sexta-feira (21) no sul da França, o Brasil manteve sua tradição e foi um dos países mais premiados.
Mais de 26 mil trabalhos de 92 países foram apresentados em 30 categorias nos cinco dias de competição, para cerca de 12 mil participantes. No “quadro de medalhas” final, as agências brasileiras levaram dois Grand Prix (a maior premiação), 14 Leões de Ouro, 31 Leões de Prata e 45 Leões de Bronze.
Uma das presenças mais badaladas no Cannes Lions foi a do bilionário Elon Musk, que subiu ao palco principal na quarta-feira (19) para uma “entrevista sobre o futuro” com Mark Read, CEO da WPP, um dos maiores grupos multinacionais de publicidade.
Read colocou Musk em uma saia justa. Lembrou que no ano passado ele mandou os publicitários “se f…” por abandonarem o X (antigo Twitter), em protesto contra o aumento do conteúdo de ódio na plataforma desde que ele a adquiriu, em 2022.
“Os publicitários têm todo o direito de não querer aparecer perto de conteúdo que consideram incompatível. O que não é legal é insistir para que não haja conteúdo com que discordam”, disse.
Musk -um dos fundadores da OpenAI, uma das principais organizações do setor- provocou risos na plateia de publicitários ao insinuar que a inteligência artificial pode deixar todos sem emprego: “Não quero deprimir vocês.” Mas acrescentou que a nova tecnologia pode amplificar a criatividade humana.
“Estamos vivendo um dos períodos mais interessantes da história.”
A mídia impressa mostrou pujança no Festival Internacional da Criatividade, nome oficial do Cannes Lions.
“Certas marcas conseguiram utilizar o impresso de maneira inovadora e surpreendente, o que é empolgante”, elogiou a publicitária canadense Isabelle Allard-Gendron, integrante do júri da categoria “Print & Publishing”.
Uma campanha brasileira em meio impresso levou a maior premiação, o Grand Prix, na categoria Entretenimento na Música. A peça “Errata at 88”, da agência AlmapBBDO em parceria exclusiva com a Folha de S.Paulo, ganhou de outros 439 inscritos.
A campanha, para o uísque Johnnie Walker, da Diageo, tratava de uma reparação histórica para a cantora negra brasileira Alaíde Costa, 88, uma das últimas remanescentes da era de ouro do rádio. Em 1962, ela foi ignorada na escolha dos artistas brasileiros que apresentaram a bossa nova ao público americano em um show histórico no Carnegie Hall, em Nova York.
Em outubro do ano passado, a Diageo veiculou na Folha de S.Paulo um informe publicitário de duas páginas, como um gigantesco “Erramos”, referência à seção do jornal que corrige informações. A veiculação gerou grande engajamento do público. Dias depois, Alaíde enfim apresentou-se no Carnegie Hall.
Outra campanha que no Brasil teve parceria exclusiva da Folha de S.Paulo faturou o Grand Prix de Cannes na categoria “Print and Publishing”. A peça “Recycle me” [Recicle-me] foi produzida para a Coca-Cola pela agência Ogilvy e saiu em uma sequência de três páginas no jornal impresso, além de nas plataformas digitais.
A GUT São Paulo ganhou o outro Grand Prix brasileiro deste ano, na categoria “Media”, com a campanha “Tá na Mão”, criada para o Mercado Livre na Black Friday de 2023 e veiculada nos canais de TV da Globo. Nela, apertos de mão que apareciam na programação liberavam cupons de desconto para o público.
Várias campanhas premiadas utilizaram a inteligência artificial ou fizeram alusão a ela. Pela primeira vez, a organização do Cannes Lions pediu aos inscritos que especificassem se usaram ou não a IA em suas peças.
Uma delas, “Esquadrões imaginários”, da Galeria.ag para o Itaú Unibanco, empregou a IA para promover o futebol feminino brasileiro, gerando imagens de seleções que nunca puderam existir, devido à proibição da prática do futebol pelas mulheres no país, entre 1941 e 1979. Ganhou um Leão de Bronze.
O futebol feminino também foi o tema do ganhador do Grand Prix na categoria Filme, “WoMen’s Football”, da agência francesa Marcel para a empresa de telefonia Orange. Nele, uma trucagem faz o telespectador descobrir que os lances geniais apresentados na tela não foram obra de homens, como Kylian Mbappé, e sim das jogadoras da seleção francesa. A campanha viralizou em todo o planeta.
Outra peça premiada que fez referência à inteligência artificial foi “The AI President” (“O presidente de IA”), do jornal libanês An-Nahar. A campanha das agências Impact BBDO, dos Emirados Árabes, e Addition, dos EUA, recebeu um Leão de Prata. Ela criou um “presidente” de IA, alimentado com os arquivos do diário e capaz de debater com os leitores propostas para os problemas do Líbano. O personagem foi lançado em uma entrevista ao vivo com a redatora-chefe do An-Nahar.
Um dos prêmios mais aguardados foi o Glass: The Lion for Change (em uma tradução literal, “Vidro: O Leão para a Mudança”), em reconhecimento por trabalhos que tratam do preconceito de gênero.
O nome do prêmio é uma referência ao “teto de vidro” metafórico que dificulta a ascensão das mulheres na carreira profissional. Ganhou uma campanha da Ogilvy Singapura para a Unilever, sobre um creme hidratante criado especificamente para ajudar a transição de gênero de mulheres trans na Tailândia.
O homenageado do último dia em Cannes, com um prêmio especial chamado Leão de São Marcos, foi o publicitário francês Jacques Séguéla, 90, famoso, entre outras criações, pelo slogan “A Força Tranquila”, da campanha eleitoral de François Mitterrand à presidência da França em 1981.
Em seu discurso, Séguéla fez uma analogia entre as ideias e os espermatozoides: “Existem milhões, mas só um ganha a corrida e se transforma em uma ideia bebezinha.”
A pouco mais de um mês dos Jogos Olímpicos de Paris, o esporte marcou forte presença no Cannes Lions. A tocha olímpica, em seu percurso rumo à capital francesa, subiu os degraus do Palácio dos Festivais, sede do evento. A nadadora síria Yusra Mardini, que disputou duas olimpíadas por uma equipe internacional de refugiados, deu uma palestra sobre como fugiu da guerra civil em seu país.