O outro lado de uma carreira em alta: por dois meses, o g1 entrevistou várias pessoas de cibersegurança para entender o mercado; muitos relataram que a pressão no setor tem provocado problemas de saúde. E que o assunto ainda é um tabu nas empresas.
Por Darlan Helder, g1 — São Paulo
Considerada a área com o maior déficit de talentos no mundo dentro da tecnologia da informação (TI) — e uma das mais bem pagas — a segurança da informação tenta reter profissionais com altos salários e crescimento acelerado, mas algumas medidas têm custado a saúde desses trabalhadores.
Durante dois meses, o g1 ouviu vários profissionais de cibersegurança e muitos se queixaram da pressão que existe nessa carreira. Alguns disseram ter tido colegas que sofreram crises e afastamentos por esgotamento mental por causa do trabalho (leia relatos abaixo).
A responsabilidade, afinal, é grande. Quem atua nesse ramo precisa proteger dados e informações sensíveis da empresa. O especialista ajuda a blindar a companhia de possíveis ataques cibernéticos, mas também pode estabelecer políticas de segurança a serem seguidas por funcionários.
Os principais motivadores para esse cenário de alta pressão, segundo os entrevistados, são:
- 📆 prazos extremamente curtos para projetos;
- 📂 acúmulo de demandas e funções;
- ⚠️ responsabilidade extrema em garantir a segurança de empresas e dados sensíveis protegidos;
- 💼 promoção informal de trabalhadores iniciantes a cargos seniores;
- 👨💼 lideranças tóxicas.
O que os profissionais relatam
A coordenadora de infraestrutura e segurança Divina Naiara Vitorino, de 34 anos, está em segurança desde 2020 e diz que a área explodiu nos últimos anos. “Todo mundo começou a olhar para ela, se tornando o coração das empresas. O nível de cobrança passou a ser alto”.
“Essa pressão realmente existe e pode fazer você desenvolver uma síndrome do impostor, burnout ou até mesmo repensar se vale a pena continuar”, diz Vagner Gonçalves Martins, de 21 anos, que é analista de segurança júnior e está na área desde 2021.
A gaúcha Roberta Robert, de 34 anos, trabalha com cyber security desde 2010 e hoje é líder em engenharia de segurança em uma multinacional. Ela diz que a profissão é apaixonante, mas, às vezes, pensa em desistir por causa do nível de estresse.
“A rotação rápida de projetos é um ponto muito difícil e isso afeta a nossa saúde. Ainda este ano, eu pensei em desistir pelo estresse. Todo mundo conhece alguém que teve burnout ou crise de pânico, ou depressão”, conta.
Ao g1, trabalhadores disseram que a área é bem pequena e, por isso, muitos têm medo de expor os problemas existentes. Além disso, eles dizem que o assunto de saúde mental no setor é tabu para profissionais veteranos.
Roberta, que hoje assume um cargo de liderança, está mais vulnerável. Isso porque um estudo da consultoria Gartner revela que, até 2025, 25% dos líderes de cibersegurança irão mudar de emprego devido ao estresse no local de trabalho.
“O impacto psicológico afeta diretamente a qualidade de suas decisões, assim como o desempenho desses gestores e de suas equipes”, diz Deepti Gopal, diretor e analista do Gartner.
Os profissionais de cibersegurança estão enfrentando níveis insustentáveis de esgotamento mental.
— Deepti Gopal, diretor e analista do Gartner
A responsabilidade em cima de iniciantes é outro problema apontado. Ao g1, Edivaldo Sartor, professor de defesa cibernética da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), diz que a escassez de talentos tem estimulado empresas a promover trabalhador júnior para sênior mesmo sem experiência para um cargo alto.
É o caso de Henrique*, de 27 anos, analista de segurança da informação júnior de Santa Maria (RS). A sua primeira oportunidade, em uma consultoria da cidade, já foi marcada por conflitos.
Apesar de ter falado na entrevista de emprego que eu nunca tinha trabalhado na área, eles me cobravam como sênior, davam prazos curtos e quase nenhum apoio. Não aguentei aquilo e pedi demissão depois de 2 meses.
— Henrique*
“Completei 1 ano em segurança agora em junho de 2023. No ano passado, entrei nessa empresa para trabalhar com segurança ofensiva (Red Team). Eu estava empolgado, mas foi um desastre pelo lado emocional”, diz.
‘Esse profissional pode estar desprotegido’, diz pesquisador
O trabalhador de cibersegurança está sensível ao burnout devido à necessidade de enfrentar violações, falhas, incidentes e por lidar com questões judiciais, explica ao g1 Roberto Cruz, professor e pesquisador da saúde do trabalhador da Universidade Federal de Santa Catarina.
Divina Naiara Vitorino é coordenadora de infraestrutura e segurança — Foto: Fábio Tito/g1
Segundo Cruz, esse é um trabalho de alto nível e os profissionais devem ser bem remunerados, mas também precisam de uma assistência psicológica, porque eles podem estar desprotegidos.
Eles estão sempre no desgaste de lidar com o risco do defeito. É óbvio que aumentam as preocupações. A carga de resposta de reatividade emocional e psicologia é muito alta.
— Roberto Cruz, professor de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Cruz aconselha que as pessoas de segurança da informação busquem estabelecer limites no trabalho e procurar atividades relaxantes nas horas vagas. Ele também orienta a trocar ideia com outros profissionais mais experientes, que já passaram por muitas coisas e podem dar conselhos, principalmente em momentos críticos.
“Eu fui aprender isso tarde demais, depois de várias recaídas da minha primeira depressão”, conta Roberta Robert. “É uma carreira muito estressante. É importante colocar limites no trabalho, entender que ninguém vive só para isso [trabalho]. É preciso cuidar da saúde mental na nossa área”, finaliza.
*Nome fictício para preservar a identidade do trabalhador.