Descontrole da pandemia da Covid-19 impactou especialmente o setor, que tem mais necessidade de presença física de seus consumidores. Recuperação depende de maior adesão aos protocolos de prevenção e de aceleração da campanha de vacinação.
O setor de serviços teve seu pior desempenho da história em 2020. A queda acumulada foi de 4,5%, destaque negativo pelo lado da oferta entre todos os segmentos do PIB do ano passado, divulgado nesta quarta-feira (3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao todo, o PIB recuou 4,1% em 2020.
Os serviços são especialmente importantes pelo peso que têm na economia do Brasil: representam mais de 60% de toda a atividade do país e empregam 55 milhões de brasileiros.
O resultado negativo registrado em 2020 é consequência direta do descontrole da pandemia da Covid-19, que impossibilitou o retorno à normalidade de atividades que demandem a presença física dos consumidores.
Dados da PMS
O confinamento para conter o vírus impactou principalmente os serviços prestados às famílias (restaurantes, bares e hotéis, entre outros), que tiveram queda de 35,6% no ano passado, segundo dados da Pesquisa Mensal de Serviços (que não inclui entre os serviços os dados do comércio, como acontece com o PIB).
Houve recuos significativos também em serviços profissionais, administrativos e complementares, de -11,4%, e em serviços de transporte, que recuaram 7,7% — com destaque para o subitem de transporte aéreo, que teve queda de 36,9% no período.
O G1, inclusive, acompanhou empresários do setor de serviços desde o início da crise, que descreveram os desafios que enfrentaram ao longo da pandemia.
Vazias, lojas são oferecidas para aluguel na zona sul de São Paulo — Foto: Marcelo Brandt/G1
Particularidade da pandemia
Em toda crise, o setor de serviços costuma sofrer. Pelo seu peso no resultado e por ter o consumo das famílias como motor, as quedas costumam ser próximas do resultado geral do PIB. Mas, em 2020, foi pior.
O caráter único da pandemia do coronavírus foi o impacto desigual sobre o PIB como um todo. A queda do comércio e indústria foram menores que o esperado por conta dos novos hábitos de consumo do brasileiro. E a necessidade de ficar em casa fez o gasto com serviços ser substituído pela compra de bens.
No ano passado, a queda de renda da população, esperada nas crises, foi atenuada pelo Auxílio Emergencial, pela liberação de saques emergenciais do FGTS e pelo programa de preservação de empregos (BEm).
Esse fenômeno possibilitou a existência de campeões da crise, como supermercados, comércio eletrônico, venda de materiais de construção, móveis e eletrônicos. São todas atividades que se beneficiam da permanência em casa. Do lado dos perdedores, estão atividades do setor de serviços entre as principais quedas.https://datawrapper.dwcdn.net/P6SgG/3/
Pior ano do setor
O Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) tem um histórico desde os anos 1980 do PIB brasileiro que confirma 2020 como o pior ano para os serviços. Antes, o momento mais dramático foi a dupla queda do setor na crise de 2015 e 2016: perdas de 2,7% e 2,2%, respectivamente. A projeção da FGV era uma queda de 4,7% em 2020.
“Em crises passadas, o efeito era homogêneo. Agora, temos divisões que estão muito abaixo do que já estiveram na história e outras beneficiadas”, diz Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e coordenadora do Monitor do PIB.
Nos cálculos do Monitor do PIB, com base nas pesquisas mensais do IBGE, serviços de Tecnologia da Informação tiveram alta de 8,3% no ano, enquanto transporte aéreo acumula queda de 36,9%.
Comércio fechado na zona sul de São Paulo — Foto: Marcelo Brandt/G1
O mesmo aconteceu em outros setores. O comércio, por exemplo, tem alta de 10,6% nos resultados anuais de móveis e eletrodomésticos e de 10,8% em material de construção, mas também tem tombos de 22,7% em vestuário e calçados, e de 30,6% em livros, jornais, revistas e papelaria.
“Vai ser interessante observar a possível normalização da economia nos Estados Unidos, que estão com vacinação acelerada e com nova rodada de distribuição de renda. Aqui, enquanto esses segmentos prejudicados não decolarem, o PIB não decola”, diz Silvia, do Ibre/FGV.
Vacinação lenta
Observar os EUA será interessante porque é o país de dimensões (e descontrole da pandemia) semelhantes ao Brasil. A meta de vacinação do presidente americano Joe Biden é aplicar 150 milhões de doses nos 100 primeiros dias de governo. Na semana passada, o país alcançou 50 milhões de vacinas aplicadas e observa queda vertiginosa de mortes e novos casos confirmados.
Segundo o levantamento do jornal “The New York Times”, a média móvel de mortes caiu 21% e a de novos casos, 26% nos 14 dias até 28 de fevereiro, frente a duas semanas antes. A ideia do governo americano é imunizar toda a população até julho para que o verão (no hemisfério norte, inverno aqui) tenha ares de normalidade, o que empolga o setor de serviços por lá.
No Brasil, menos de 7 milhões de doses foram aplicadas até aqui e a média de mortes está nos mais altos níveis desde o início da pandemia. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu vacinar todo o grupo de risco até o fim do primeiro semestre, para iniciar os grupos não prioritários na segunda metade do ano. Mas a dependência de matérias-primas e insumos importados já atrasou o cronograma previsto.
Como mostrou o G1 em fevereiro, economistas já revisaram os cálculos do PIB de 2021 em virtude do passo lento das vacinações e da retirada de programas de distribuição de renda. O setor de serviços, o mais dependente da imunização e também do poder de consumo do brasileiro, deve continuar sofrendo bastante no primeiro semestre.
Para a equipe econômica da LCA Consultores, a divisão de perspectiva é clara de que a vacinação deve avançar para ter grandes efeitos apenas na segunda metade do ano, quando a população economicamente ativa passa a ser vacinada e retomar os antigos costumes.
Loja de produtos de beleza funciona com as portas semiabertas no Rio — Foto: Marcos Serra Lima/G1
Enquanto não a economia não reage, o mercado de trabalho segue devagar. Mesmo com três quedas seguidas no índice de desemprego, ainda havia 13,9 milhões de brasileiros sem trabalho no trimestre encerrado em dezembro. O número é 6,7% maior que o fim de 2019.
Há, portanto, três fatores na mesa que podem mudar o curso dos primeiros seis meses de 2021: a renovação do Auxílio Emergencial, a contenção da pandemia para que melhorem os níveis de confiança e o controle da inflação.
“Mesmo com nova rodada de estímulos, será em patamares menores. A inflação corrói o poder de compra da população e desestimula consumo. A boa notícia é que os choques parecem ter sido pontuais e estão arrefecendo”, diz Lucas Rocca, economista da LCA Consultores.
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Auxílio emergencial: o que pode vir por aí
A consultoria estima que o Auxílio Emergencial tenha mais que compensado a perda de renda no ano passado. Segundo o cálculo, a massa salarial do brasileiro — junção de renda do trabalho, benefícios previdenciários e assistenciais — teria caído 3,7% em 2020. Com o benefício, ela subiu 5,7%.
A nova ajuda não teria o mesmo efeito, mas pode segurar as pontas até que mais doses estejam disponíveis. G1