Benefício é pago a famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza; número de pedidos cresceu 40 mil em um mês. Ministério da Cidadania afirma que folha de pagamento do benefício chegou a R$ 7,6 bilhões este ano.
Por Cristina Boeckel, g1 Rio
Ao menos 109 mil pessoas estão à espera do Auxílio Brasil na cidade do Rio, e sem garantia de receber. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, só na capital fluminense, o número de pedidos cresceu 40 mil em um mês — a fila tinha 67 mil pessoas no fim de maio.
O benefício do governo federal é pago a famílias que estão em condições de pobreza ou de extrema pobreza.
Alguns dos que aguardam estão há mais de dois meses esperando. Todos foram cadastrados pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) da prefeitura por se enquadrarem no perfil de concessão.
O ambulante Guaracy Lopes Junior mora em uma casa em Acari com 9 pessoas — Foto: Cristina Boeckel/g1 Rio
O vendedor ambulante Guaracy Lopes Junior é um dos que esperam a chegada do auxílio com ansiedade. Ele mora com outras nove pessoas em uma casa na comunidade de Acari, na Zona Norte. Ex-morador de rua, atualmente vive com a esposa, seis crianças, a sogra e a cunhada.
Ele conta que foi inscrito no benefício em maio, mas ainda não recebeu nada.
Para ajudar a sustentar a família, ele vende balas em sinais de Copacabana, na Zona Sul. No lugar onde ele trabalha é conhecido como Careca, apesar da vasta cabeleira.
“É pra comprar arroz e feijão mesmo”, conta Guaracy sobre o que pretende fazer com o dinheiro.
Busca por alimentos descartados na Ceasa
Os dias do ambulante são passados nos sinais do bairro da Zona Sul, onde tira cerca de R$ 1,2 mil por mês. Às vezes, a esposa o acompanha.
Guaracy Lopes Junior, que trabalha vendendo balas em sinais de trânsito, aguarda a liberação do Auxílio Brasil — Foto: Cristina Boeckel/ g1
Pelo menos uma vez por semana, as manhãs são passadas no Ceasa. Para garantir que a família não passe fome, ele revira as caçambas em busca de alimentos que estão sendo descartados, mas que ainda podem ser aproveitados.
“Eles jogam muitas coisas fora e eu separo algumas coisas boas e levo para casa”, disse.
As famílias em situação de extrema pobreza, de acordo com as regras do Auxílio Brasil, são aquelas com renda mensal per capita de até R$ 105. As que são consideradas como em situação de pobreza são as que possuem renda familiar mensal per capita entre R$ 105 e R$ 210.
Longa fila de espera
Angela Pereira da Silva também aguarda pela concessão do Auxílio Brasil. Também moradora de Acari, ela tem duas filhas, de 7 e 10 anos de idade, e espera usar o dinheiro para ajudar no pagamento do aluguel e da alimentação das filhas.
Ela, que já trabalhou como auxiliar de limpeza, conta que entrega currículos, mas não recebe nenhum retorno.
“Eu recebi uma cesta do CRAS, mas a cesta acabou. Então eu peço ajuda em outros lugares e me pedem para aguardar e eu fico aguardando. Eu saio, tento achar algo para fazer e não consigo. Para mim está difícil”, contou.
Angela Pereira da Silva precisa do Auxílio Brasil para alimentar as filhas — Foto: Arquivo pessoal
A dificuldade em encontrar um trabalho e o sustento com a ajuda de doações causam angústia em Angela sobre o futuro.
“A gente só almoça, mas jantar a gente não janta”, conta ela sobre as refeições feitas em um fogareiro emprestado pela dona do imóvel onde vive.
A secretária de Assistência Social, Maria Domingas Pucú, diz que o crescimento da pobreza e o aumento no valor do benefício ajudaram a impulsionar a busca pelo auxílio. Ela destaca que é preciso mais agilidade para a concessão.
“O Brasil voltou para o Mapa da Pobreza e da Fome. Isso significa que as pessoas não têm dinheiro para comer, para comprar insumos básicos, estar dispondo de material de higiene, limpeza, de cuidados básicos. Isso cria um impacto absurdo”, disse a secretária.
O Ministério da Cidadania afirma que a seleção, habilitação e a concessão do Auxílio Brasil são realizadas mensalmente pelo Sistema de Benefícios ao Cidadão (SIBEC). O ministério esclarece que é preciso manter atualizadas as informações no Cadastro Único, que também permitem acesso a outros programas sociais do Governo Federal.
A pasta ressalta que a inscrição no Cadastro Único não garante a entrada ou repasse imediato de recursos. Segundo o ministério, os recursos do programa beneficiaram mais de 18 milhões de famílias em todo o Brasil. Ainda de acordo com o poder federal, a folha de pagamento do benefício chegou a R$ 7,6 bilhões este ano.
O orçamento anual do programa é de cerca de R$ 90 bilhões.
Dados do Mapa da Fome mostram que mais de 1,2 milhão de pessoas no Estado do Rio de Janeiro não conseguem colocar comida suficiente na mesa. O número equivale a 6,8% de toda a população.
Já um levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) mostra que a fome no estado chegaria a 2,7 milhões de pessoas. De acordo com dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 57% da população, o que equivale a 17,4 milhões de pessoas, passa por algum nível de insegurança alimentar.
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Os atendimentos nos CRAS da Prefeitura do Rio também deram um salto. Segundo a secretária Domingas, que o aumento da pobreza é perceptível.
“Hoje a cidade do Rio de Janeiro tem 50 mil famílias recebendo o Auxílio Gás. Nós temos cadastrados, com esse perfil, 500 mil famílias, pessoas na fila de espera sem receber o benefício”, afirmou.
De janeiro a maio do ano passado, 375 mil famílias foram atendidas pelos CRAS espalhados pela cidade. No mesmo período deste ano o número saltou para 780. O aumento na demanda exigiu um reforço nas equipes.
“Quando a gente teve essa explosão de informações a respeito do Auxílio Brasil, prontamente reforçamos a equipe com 100 profissionais, além de ter feito uma atualização do parque tecnológico, para alimentar o sistema do governo federal”.
Ela destaca que também há investimento em equipes volantes para reforçar a equipe de alguns CRAS e o programa Prato Feito Carioca, que oferece um cartão-refeição recarregado mensalmente e conta com cozinhas comunitárias para distribuição de refeições diariamente. O programa tem investimento de R$ 68 milhões.
No lançamento de uma das cozinhas, o depoimento de Janete Evaristo, de 57 anos, causou comoção. Ela confessou estar desempregada, não ter nada para comer e ter netos para alimentar – uma filha morreu há dois anos, e o marido, há seis meses. Histórias como a dela não são raridade.
“Domingo a gente não tinha nada para comer. Eu estou desempregada, está muito difícil. Eu estou catando latinha, mas não dá. Eu não tenho ajuda de muita gente, então domingo a gente não tinha mesmo nada. Está muito difícil”, disse na época.
Guaracy, que segue mantendo a rotina nos sinais de Copacabana e espera pela liberação do benefício, conta o que o move para seguir adiante.
“Faria qualquer coisa para os meus filhos não passarem fome. Porque eu já passei”, disse.