Analistas concordam que não há justificativa para a especulação atual e afirmam que tendência do câmbio pode mudar rapidamente.
Economista da Farsul espera que soja pode chegar a R$ 100, mas também pode cair a R$ 50. Foto: Pixabay/montagem
A especulação em torno do impacto do coronavírus sobre a economia global ainda tem espaço para levar o dólar a R$ 4,80, afirma o diretor da ARC Mercosul, Matheus Pereira. Porém, segundo ele, o produtor brasileiro não deve fixar patamares para negociar.
“Fique atento ao mercado: quando surgirem notícias sobre tratamentos e vacinas, será o momento de travar os preços”, disse, durante o Fórum Soja Brasil, realizado na 21ª Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque (RS), nesta quinta-feira, 5.
Matheus Pereira, diretor da ARC Mercosul. Foto: Franco Rodrigues
O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, não aconselha o produtor a se apoiar na especulação. “Sabemos que especular taxa de câmbio é mais arriscado do que apostar em um cassino, e não vejo a soja valendo alguma coisa”, afirma.
Da Luz reforça que os agricultores brasileiros vivem um bom momento por conta do dólar em alta, pois o preço da oleaginosa na Bolsa de Chicago está abaixo de US$ 9 por bushel. “Não foi a soja que se valorizou”, diz.
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O economista afirma que a situação lembra bastante o cenário de 2014. “Pedíamos pelo amor de Deus para que vendessem a soja com o câmbio a R$ 4 e os produtores estavam esperando o preço subir ainda mais, passar de R$ 90. Acabaram vendendo a R$ 57”, conta.
Para Antônio da Luz, não faz sentido o produtor segurar as vendas neste momentos. “Se estivesse a R$ 60 por saca e houvesse a perspectiva de altas, eu entendia, pois o preço não estaria bom. Agora, com os preços em níveis atuais, acima de R$ 85 por saca, é hora de acordar e vender logo”, diz.
Ele não descarta que a soja possa chegar a R$ 100, “mas de um dia para o outro pode ir a R$ 50 por saca, por causa do câmbio que ninguém controla”.
Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul. Foto: Franco Rodrigues
Matheus Pereira corrobora e enfatiza que não há fundamento para a especulação atual. “Comparando com epidemias de outras doenças mais agressivas e mortais, não há justificativa para o movimento”.
No entanto, o diretor da ARC Mercosul reforça que não é apenas o coronavírus quem dita o rumo do câmbio. A possibilidade de o Banco Central brasileiro reduzir novamente a Selic também favorece a alta. A instituição financeira indicou que pode reduzir a taxa básica de juros para 4%.
Vendas para a China
Muito se fala também sobre os entraves criados pelo coronavírus nas exportações para a China, que está com a logística dificuldade pela doença. De acordo com Antônio da Luz, uma carga de soja que demorava 50 dias para sair daqui e chegar à China vai levar mais tempo. “O motorista terá que parar em cada cidade para testarem se ele está com coronavírus. Ou seja, o prazo aumentará para 65 dias. Isso deve gerar um loteamento nos portos do Brasil e da China, travando tudo”, diz.
Mas, segundo Matheus Pereira, o número de compromissos de venda para o país asiático está 30% maior do que no mesmo período do ano passado. O diretor técnico da Aprosoja Brasil, Fabrício Rosa, também tem boas perspectivas. “As negociações de soja aumentaram em fevereiro; os produtores estão comercializando a safra 2020/2021, o que é inédito”, conta.
Segundo Fabrício Rosa, consumidores chineses estão migrando para as compras online, devido à restrição de movimentação. “Em alguns casos, até aumentou o consumo de alimentos. A China terá que equacionar a distribuições, senão faltará comida para quem não consegue estocar. Por tudo isso, acredito que o impacto não será muito grande no médio e longo prazo”, diz.
Fabrício Rosa, diretor técnico da Aprosoja Brasil. Foto: Franco Rodrigues
E a compra de insumos?
É um bom momento para negociar os fertilizantes para a safra 2020/2021, segundo o diretor da ARC Mercosul. “Porque parte do que será comercializado está ou já foi importado com o dólar mais baixo. A relação de troca traz redução nos custos frente ao ano passado. Claro, cada caso precisa ser estudado especificamente, mas é uma boa oportunidade para se garantir”, diz.
Antônio da Luz frisa que o produtor precisa analisar com cuidado os pacotes ofertados para saber se são úteis de verdade. “Se a resposta for sim para todos, ele deve aproveitar, pois a relação de troca atual é positiva”.
O dirigente da Aprosoja Brasil recomenda atenção ao impacto do dólar nos custos de produção. “Fazer a troca por insumos neste momento, com o dólar por volta de R$ 4,65, será um desafio”, afirma.
Brasil vs. EUA
O produtor de soja dos Estados Unidos está sendo desincentivado a plantar nesta safra, pois os preços no país — abaixo de US$ 9 por bushel — não trazem rentabilidade, diz o diretor. “Quem optar pelo cultivo da oleaginosa neste ciclo já tem prejuízo de US$ 100 por hectare. Ele coloca a soja no chão rezando para que suba”.
Segundo Pereira, o agricultor americano deve começar a safra em maus bocados. “Já se desenha a possibilidade de La Niña, que é extremamente prejudicial ao cultivo de soja e milho, pois seca o cinturão agrícola americano”, comenta.
Para o especialista, o produtor brasileiro não precisa se preocupar com concorrência americana no mercado da China. “O importador chinês, por mais que tenha acontecido um acordo, continuará comprando de quem tiver o preço mais competitivo”, diz.
Fabrício Rosa acredita que os empresários asiáticos continuarão comprando do Brasil. “Hoje, a nossa soja é mais competitiva e tem mais qualidade, colocando-a em vantagem. Isso tem se refletido no volume de vendas”, comenta.
Segundo o diretor da Aprosoja, esse mercado só sofreria uma alteração muito grande em caso de novas crises, como o surto de peste suína africana e coronavírus, que diminuam a demanda chinesa.
“Acho até que a China comprará mais soja do Brasil, chegando a patamares de 66 milhões de toneladas”, estima Fabrício Rosa. CANAL RURAL