Por que narcisismo é menos óbvio em mulheres que em homens

O termo narcisismo pode evocar imagens de homens arrogantes e cheios de si. Este traço de personalidade — com as suas características marcantes de ostensiva grandiosidade, assertividade e superioridade — é, de fato, mais frequentemente observado no sexo masculino.

Isso acontece porque estas características centrais estão bastante alinhadas com os traços masculinos tradicionais. Na verdade, até 75% das pessoas diagnosticadas com transtorno de personalidade narcisista são homens.

Mas, na realidade, o narcisismo é uma epidemia moderna que afeta igualmente homens e mulheres. A nossa nova pesquisa, publicada na revista acadêmica Sex Roles, mostra como o narcisismo se manifesta de forma diferente no sexo feminino — mas revela que as mulheres narcisistas podem ser tão perigosas e violentas quanto seus homólogos masculinos.

De acordo com o nosso estudo, as mulheres com traços elevados de narcisismo tendem a ser mais vulneráveis ​​e inseguras do que seus pares do sexo masculino. Isso significa que a condição, às vezes, pode passar despercebida pelos profissionais de saúde — sendo, por exemplo, diagnosticada erroneamente como transtorno de personalidade limítrofe ou borderline.

O narcisismo é um traço de personalidade complexo. Embora o transtorno de personalidade narcisista propriamente dito não seja muito comum, afetando cerca de 1% a 2% da população, todos nós apresentamos narcisismo em variados graus.

Os traços de personalidade narcisista podem ser manifestados de duas formas: grandiosa e vulnerável. Pessoas que apresentam características mais grandiosas são autoconfiantes e socialmente dominantes. Pessoas que possuem características mais vulneráveis ​​são introvertidas e têm baixa autoestima. Ambas as formas compartilham um núcleo antagônico, demonstrado por elevados níveis de senso de merecimento e uma vontade de explorar os outros.

No contexto das relações íntimas, o narcisismo tem sido igualmente associado à prática de violência por parte dos homens. As ameaças à sua autoestima podem evocar sentimentos de vergonha, humilhação e orgulho ferido, levando a comportamentos agressivos.

Embora as mulheres sejam menos propensas a apresentar manifestações estereotipadas de narcisismo, isso não significa que o narcisismo não seja tão comum nas mulheres. Basta lembrar, por exemplo, das várias celebridades de reality shows que são notórias por seu egocentrismo e vaidade — características frequentemente associadas ao narcisismo.

No entanto, o narcisismo nas mulheres vai além do traço autocentrado. O narcisismo vulnerável envolve características como vulnerabilidade emocional, baixa autoestima e inibição. Estas características se sobrepõem às noções tradicionais de feminilidade. Tais diferenças de gênero no narcisismo podem ser resultado de estereótipos específicos de gênero masculino e feminino, arraigados desde a infância.

Consequentemente, a tendência dos homens de exibir características mais grandiosas, e das mulheres de exibir características mais vulneráveis ​​pode, em parte, ter origem em estilos de criação destinados a deixar os meninos mais assertivos, e as meninas mais carinhosas.

No entanto, existe o perigo de interpretar o narcisismo nas mulheres como menos prejudicial devido à sua apresentação inicial como mais afáveis, carinhosas, passivas e vulneráveis do que os homens. Sob esta persona, elas podem ser desprovidas de empatia e nutrir altos níveis de senso de merecimento e vontade de explorar os outros.

Isso sugere que homens e mulheres podem ser agressivos ou violentos de maneiras diferentes. As mulheres narcisistas podem ser mais propensas a manipular as pessoas, espalhar rumores ou ser mais passivo-agressivas do que os homens narcisistas, por exemplo.

Nossa pesquisa recente testou isso pela primeira vez. Em um estudo com 328 adultos (176 mulheres e 152 homens), analisamos a complexa dinâmica entre experiências da infância, narcisismo e atos de violência conjugal em homens e mulheres.

Os participantes preencheram um questionário online e responderam a perguntas sobre seus traços de personalidade. Detectamos assim características grandiosas e vulneráveis ​​do narcisismo com base no Inventário de Narcisismo Patológico. Os participantes também foram solicitados a indicar quaisquer conflitos que possam ter surgido durante seus relacionamentos íntimos passados ​​ou atuais.

Os homens obtiveram uma pontuação mais alta no narcisismo grandioso, enquanto as mulheres apresentaram uma pontuação mais alta no narcisismo vulnerável. Apesar destas diferenças marcantes de gênero, é importante lembrar que o narcisismo existe ao longo de um espectro. Os homens podem exibir características vulneráveis, ​​e as mulheres também podem exibir características grandiosas.

Sombra de homem e mulher brigando fisicamente
Legenda da foto,O narcisismo vulnerável nas mulheres está ligado à violência nos relacionamentos

O narcisismo grandioso nos homens foi associado a uma maior perpetração de violência psicológica conjugal, como ser controlador, intimidador ou manipulador.

Surpreendentemente, o narcisismo grandioso nos homens não estava associado à violência física. Isso entra em conflito com algumas pesquisas anteriores que mediram o narcisismo usando métodos diferentes. Mas, em geral, os homens são mais propensos do que as mulheres a praticar atos de violência, então uma proporção de homens narcisistas é susceptível a ser violenta.

Mais surpreendentemente, o narcisismo vulnerável nas mulheres estava associado a uma maior perpetração de violência física, sexual e psicológica conjugal. É importante observar aqui que nem toda mulher com traços narcisistas vulneráveis ​​é violenta.

Em vez disso, características específicas do narcisismo vulnerável, como desvalorizar os outros (atribuindo qualidades negativas exageradas) e ter raiva relacionada ao senso de merecimento (atacar quando não consegue o que acha que merece) estão associadas ao comportamento violento.

As mulheres que apresentam estas características em maior grau têm mais chance de depender vergonhosamente de outras pessoas para proporcionar admiração. Como resultado, são mais propensas a reagir violentamente numa tentativa de regular sua autoestima e ganhar posições de poder.

Para as mulheres, recordar que tiveram uma mãe atenciosa durante a infância foi associado a níveis reduzidos de narcisismo vulnerável e atos de violência contra seu parceiro. Isto sugere que pode haver “amortecedores” que podem ser reconhecidos e integrados em programas de intervenção.

As mulheres narcisistas

Apesar das evidências de longa data que retratam os homens narcisistas como mais violentos do que as mulheres, a nossa pesquisa mostra que as mulheres narcisistas não são apenas agressivas verbalmente, como frequentemente são retratadas nos estudos, mas também violentas fisicamente com seu parceiro.

Apesar disso, a maneira como as mulheres narcisistas abusam dos outros pode não ser reconhecida como estereotipadamente narcisista. Pelo contrário, elas podem usar sua identidade feminina para se aproveitar das expectativas sociais das mulheres como sendo carinhosas e passivas.

Isto pode incluir explorar sua aparente vitimização para ganhar posições de poder e controle. Entre as táticas insidiosas, podem estar: fazer ameaças de (falsas) acusações de abuso, negar intimidade e afeto, explorar a maternidade para colocar os filhos contra o pai, e agredir fisicamente o parceiro e alegar legítima defesa para ganhar a simpatia das autoridades.

A nossa pesquisa desafia o estereótipo de que as mulheres são sempre as vítimas nos relacionamentos abusivos. Esta compreensão equilibrada promove uma visão com mais nuances da dinâmica relacional e dos papéis de gênero nas relações íntimas. Ao procurar características de narcisismo nas mulheres, podemos reconhecer e desmascarar melhor sua verdadeira natureza.

Ava Green é professora de psicologia forense, City, Universidade de Londres, no Reino Unido.

Claire Hart é professora de psicologia na Universidade de Southampton, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).