Por que é tão difícil dormir quando as noites são tão quentes quanto os dias? Resposta está na vasodilatação

De forma resumida, dá para dizer que a chave para esse quebra-cabeça do sono está na vasodilatação e nos extremos de temperatura, dois fenômenos diretamente ligados aos mecanismos de proteção do nosso corpo.

Por Roberto Peixoto, g1

Diante desse calorão pelo Brasil, que não dá trégua nem mesmo durante a noite, o desafio de garantir um sono restaurador fica ainda vez mais difícil, especialmente para quem não conta com a comodidade de um bom ar-condicionado.

Mas, fisiologicamente falando, por que é tão difícil dormir quando as noites são tão quentes quanto os dias? O que de fato acontece com o nosso corpo que nos dificulta a pegar no sono?

De forma resumida, dá para dizer que a chave para esse quebra-cabeça do sono está na vasodilatação e nos extremos de temperatura, dois fenômenos diretamente ligados aos mecanismos de proteção do nosso corpo.

Nosso organismo dificulta o adormecimento em temperaturas extremas, acionando um estado de alerta no cérebro, impedindo a transição para o estado de tranquilidade característico do sono (entenda mais abaixo).

Calor = alerta para o corpo

Leticia Azevedo Soster, neurologista e médica do sono do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que o sono é uma fase de relaxamento do nosso corpo. Assim, para que esse relaxamento aconteça, é crucial que o nosso organismo se sinta seguro e protegido, evitando vulnerabilidades.

Em condições de extremos de temperatura, como o calor excessivo e o frio extremo, o organismo ativa então mecanismos de defesa, dificultando o adormecimento. Uma adaptação evolutiva visa manter o corpo em estado de alerta diante de potenciais ameaças ambientais.

“A gente chama isso de essência comportamental, que é aquele comportamento tranquilo que caracteriza o sono. Para isso, a gente precisa estar numa situação em que o nosso corpo, e principalmente o nosso cérebro, se sinta protegido”, diz Soster.

E um fator importante para isso é a chamada vasodilatação, que é quando os nossos vasos sanguíneos se abrem, permitindo mais fluxo de sangue e nutrientes e reduzindo a pressão arterial.

Em resumo, a vasodilatação acontece em consequência ao aumento de temperatura, assim como o oposto acontece quando a gente reduz a temperatura: a vasoconstrição, a diminuição do diâmetro dos vasos.

E esse processo todo impacta as funções cerebrais, prejudicando a capacidade de adormecer em condições extremas de calor. Assim, a vasodilatação cria uma relativa vulnerabilidade cerebral, dificultando também o início do sono. Como uma estratégia protetiva, o corpo se mantém em estado de alerta, tornando mais desafiador iniciar e aprofundar o sono em situações extremas.

“E tudo isso interfere também na fragmentação do sono. Ou seja, quer dizer que o sono fica mais entrecortado e isso pode refletir num dia pior para a pessoa, fazendo com que ela sofra mais por conta de cansaço e fadiga diurna”, acrescenta Danilo Sguilar, Otorrinolaringologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

O que fazer então?

Alan Luiz Eckeli, professor de neurologia e medicina do sono na FMRP-USP, destaca que a diminuição da temperatura central do corpo (0,5ºC a 0,8ºC) atua como um Zeitgeber (do alemão, zeit, que quer dizer “tempo” e geber ,”doador”), um sinal essencial para regular nosso ciclo sono-vigília, influenciando a produção de melatonina e contribuindo para um sono de melhor qualidade.

“Como a vasodilatação é fundamental nesse processo de perda de calor, qualquer obstáculo a esse canal pode prejudicar a qualidade do sono, resultando em impactos noturnos e diurnos”, explica.

Dito tudo isto, fica claro que ajustar a temperatura ambiente e a corporal é crucial para facilitar o sono em noites quentes.

Por isso, os especialistas ouvidos pelo g1 separaram algumas dicas que podem contribuir para iniciar o processo de sono nesse tempo. Veja-as abaixo e a explicação para cada uma delas:

  • Dormir com janelas abertas, arejando o ambiente: isso favorece a circulação do ar, mantendo o local fresco.
  • Utilizar roupas e roupas de cama adequadas e leves: isso evita o aumento excessivo da temperatura corporal, proporcionando conforto durante o sono.
  • Tomar um banho mais frio antes de deitar: algo que também ajuda a reduzir a temperatura do corpo, facilitando a transição para o sono. “Se a gente adormecer com o corpo um pouquinho mais frio, após um banho frio, por exemplo, já vai facilitar ao corpo não elevar tanto a temperatura e conseguir fazer sua ciclagem de temperatura, que é a fisiologia natural”, destaca Soster.
  • Beber bastante água: manter-se hidratado é essencial para o funcionamento adequado do organismo durante o sono.
  • Aplicar soro fisiológico no nariz: contribui para a hidratação da mucosa nasal. “E isso pode facilitar a respiração e fazer com que a pessoa melhore esse processo de iniciar o sono”, destaca Sguilar.
  • Escolher o momento mais agradável para adormecer: aproveitar o período mais ameno contribui para iniciar o sono de forma mais tranquila.
  • Criar um ambiente pouco iluminado e pouco ruidoso: isso organiza melhor o início do sono e favorece a produção de melatonina.

Outras dicas para enfrentar o tempo seco de forma geral

  • Beba bastante água (cerca de dois litros por dia ou 10 copos de água de 200 ml). Ela hidrata todos os órgãos, inclusive pele e mucosa.
  • Hidrate bem as mucosas com soro fisiológico – pelo menos duas vezes ao dia.
  • Lave os olhos com soro fisiológico ou com colírio de lágrima artificial.
  • Cuidado com bebidas alcoólicas. Elas podem refrescar, mas também desidratam.
  • Mantenha a casa limpa, evitando o acúmulo de poeira.
  • Evite praticar exercícios físicos das 11h às 17h.
  • Proteja-se ao máximo do sol e evite o ressecamento das mucosas e pele.

Caso a pessoa apresente tosse intensa, aumento de catarro, chiado e falta de ar, é recomendável procurar atendimento médico.