Cachos de dendê prontos para extração de óleo em indústria do norte do Brasil: também chamado de óleo de palma, produto é considerado um “pré-sal verde”.| Foto: Divulgação/Abrapalma
Para cumprir a meta de descarbonizar a aviação internacional até 2050, cálculos da Associação do Transporte Aéreo Internacional (Iata) estimam que será preciso aumentar em mil vezes a produção do combustível de aviação sustentável (SAF), que hoje só corresponde a 0,2% do consumo total do querosene azul fóssil no mundo.
Agronegócio
O que é o “pré-sal verde” da Amazônia, que promete gerar riqueza sem derrubar uma árvore
- PorMarcos Tosi
- 30/12/2023 15:32
Cachos de dendê prontos para extração de óleo em indústria do norte do Brasil: também chamado de óleo de palma, produto é considerado um “pré-sal verde”.| Foto: Divulgação/Abrapalma
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Para cumprir a meta de descarbonizar a aviação internacional até 2050, cálculos da Associação do Transporte Aéreo Internacional (Iata) estimam que será preciso aumentar em mil vezes a produção do combustível de aviação sustentável (SAF), que hoje só corresponde a 0,2% do consumo total do querosene azul fóssil no mundo.https://buy.tinypass.com/checkout/template/show?templateId=OT28R9YZYUHC&templateVariantId=OTVYZXBU0FSOY&aid=izBe3CQ7pu&referrer=https://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/o-que-e-o-pre-sal-verde-da-amazonia-que-promete-gerar-riqueza-sem-derrubar-uma-arvore/#amp=1
Nesse cenário de explosão da demanda, o Brasil tem ampla disponibilidade de matéria-prima e potencial para ser um dos grandes players, em qualquer uma das rotas tecnológicas que se apresentam para fabricar SAF com hidrogênio verde produzido a partir de óleos vegetais, gorduras animais ou etanol.
Dessas rotas tecnológicas, no entanto, uma se apresenta como oportunidade ímpar para o desenvolvimento da Amazônia – sem necessidade de derrubar qualquer árvore e apenas recuperando áreas degradadas e já devastadas há mais de 15 anos, devidamente mapeadas e georreferenciadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
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O cultivo que reivindica este papel de gerar renda e emprego aos amazônidas, mantendo ao mesmo tempo a floresta intacta, é o óleo de palma ou de dendê.
Óleo vegetal mais consumido do mundo, o dendê é usado tanto em alimentos (sorvetes, biscoitos e margarinas) como na indústria de cosméticos (sabonetes, detergentes, lubrificantes e glicerina), e como matéria-prima para biocombustíveis. O Brasil ainda produz somente metade de sua necessidade de consumo, considerando apenas o setor de alimentos.
Dendê: de vilão na Ásia a mocinho na Amazônia
De saída, o dendê tropicalizado reivindica uma condição sustentável totalmente diferente dos maiores produtores no Sudeste asiático (Indonésia e Malásia), mal afamados e boicotados por europeus, principalmente, por terem devastado suas florestas equatoriais para implantar as lavouras.
Na Amazônia, a palma de óleo desempenharia uma função exatamente oposta à de “predadora” de florestas na Ásia. Milton Steagall, CEO do grupo Brasil BioFuels (BBF), investe R$ 2,2 bilhões na construção de uma biorrefinaria de óleo de palma em Manaus, que deve começar a operar em 2026. Ele observa que, por lei, só é possível cultivar o dendê no Brasil em áreas degradadas, que dificilmente teriam outra utilização.
“O zoneamento agroecológico da Embrapa, de 2010, além de avaliar as áreas degradadas, apontou quais tinham aptidão climática ou da planta para o dendê prosperar. Não existe aquele risco de o investidor comprar uma área e a palma não ser adequada para a região. O texto do decreto diz que fica proibido a cultura da palma no Brasil, exceto nas áreas antropizadas”, enfatiza.
A BBF fornece biodiesel de palma para geração de energia renovável nos sistemas isolados da Amazônia. Esses contratos de longo prazo, obtidos em leilão, têm permitido à empresa ganhar musculatura para o passo seguinte, que é a construção da biorrefinaria para explorar o que Steagall chama de “pré-sal verde” da Amazônia: o óleo de palma para produção de SAF e diesel verde. Toda produção será adquirida pela Vibra Energia, que comprou a antiga BR Distribuidora, da Petrobras.
Dendê exige investimentos e dá retorno em longo prazo
A primeira chance de a cultura do óleo de palma “decolar” no Brasil não deu certo. Após aprovação do zoneamento agrícola da Embrapa, em 2010, Vale e Petrobras investiram no norte do país, separadamente, em projetos de dendê para substituição do diesel.
A Vale desistiu após a saída de Roger Agnelli, entusiasta do biocombustível para descarbonizar as operações da companhia. E a Petrobras se desfez das ações na sociedade com a portuguesa Galp, depois que a empresa lusitana reviu o plano de levar o óleo para refinar na Europa, devido às polêmicas ambientais envolvendo a palma do Sudeste Asiático.
O negócio da Vale foi vendido para a BBF, de Steagall, e o da Petrobras foi comprado por Daniel Dantas, do fundo Opportunity.
O novo impulso para o dendê surge agora, com a demanda acentuada por combustível de aviação sustentável. Empresários do setor avaliam que este pode ser o momento de tornar o óleo de palma uma commodity relevante no Brasil, e estratégica para levar riqueza aos 30 milhões de moradores da Amazônia.
“É oportunidade para uma região que não gera empregos, que tem uma economia muito pobre. E a necessidade de fazer investimento é baixa, porque são áreas já antropizadas. É muito mais fácil plantar onde não tem nada do que tirar a floresta para plantar. Roraima, por exemplo, tem 400 mil hectares devastados dentro do zoneamento da palma. Nessa região chove mil milímetros em média por ano, e isso é bom para a palma. É oportunidade de o Brasil dar uma resposta para o mundo, de que está recompondo suas áreas, mesmo que não seja com espécies nativas, como é o caso da palma”, avalia Steagall.
Dendê rende dez vezes mais óleo do que a soja
O dendê oferece produtividade por área muito acima das culturas concorrentes. Um hectare rende cinco toneladas de óleo por ano, contra 700 kg da mesma área com mamona e 500 kg com soja. Essa eficiência se estende também à captura de carbono, já que uma árvore de dendê segue fixando CO2 por até 35 anos, e nesse período somente o fruto é retirado.
O zoneamento agrícola da Embrapa indica que o país tem 31 milhões de hectares disponíveis e aptos para o cultivo da palma. Tanto potencial pode “fazer água” se a cadeia produtiva mantiver o ritmo de crescimento atual, de 2% a 3% ao ano, ou cerca de 10 mil hectares agregados a cada mudança de calendário. Victor Almeida, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), observa que o Brasil ainda cultiva menos de 300 mil hectares de dendê, apesar do potencial de 8 milhões de hectares, levando em conta apenas os locais próximos da infraestrutura industrial já instalada.
O gargalo maior estaria na falta de uma política pública estratégica para o setor. “Como a palma começa a produzir no terceiro ano, e se torna rentável do quinto para o sexto ano, é preciso linhas de financiamento mais longas. O grande potencial está na agricultura familiar. Temos casos de associados nossos com dez anos de plantio e que hoje já têm renda média mensal de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês, e isso apesar de o preço do óleo ter caído nos últimos anos”, aponta Almeida.
Produção do óleo de palma é intensiva em mão de obra
Por não possibilitar a mecanização, a cadeia de óleo de palma é altamente demandante de mão de obra. Segundo a Abrapalma, enquanto a soja gera um emprego para cada 82 hectares cultivados e a pecuária um para cada 300, o dendê emprega uma pessoa a cada 10 hectares
Agronegócio
O que é o “pré-sal verde” da Amazônia, que promete gerar riqueza sem derrubar uma árvore
- PorMarcos Tosi
- 30/12/2023 15:32
Cachos de dendê prontos para extração de óleo em indústria do norte do Brasil: também chamado de óleo de palma, produto é considerado um “pré-sal verde”.| Foto: Divulgação/Abrapalma
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Para cumprir a meta de descarbonizar a aviação internacional até 2050, cálculos da Associação do Transporte Aéreo Internacional (Iata) estimam que será preciso aumentar em mil vezes a produção do combustível de aviação sustentável (SAF), que hoje só corresponde a 0,2% do consumo total do querosene azul fóssil no mundo.https://buy.tinypass.com/checkout/template/show?templateId=OT28R9YZYUHC&templateVariantId=OTVYZXBU0FSOY&aid=izBe3CQ7pu&referrer=https://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/o-que-e-o-pre-sal-verde-da-amazonia-que-promete-gerar-riqueza-sem-derrubar-uma-arvore/#amp=1
Nesse cenário de explosão da demanda, o Brasil tem ampla disponibilidade de matéria-prima e potencial para ser um dos grandes players, em qualquer uma das rotas tecnológicas que se apresentam para fabricar SAF com hidrogênio verde produzido a partir de óleos vegetais, gorduras animais ou etanol.
Dessas rotas tecnológicas, no entanto, uma se apresenta como oportunidade ímpar para o desenvolvimento da Amazônia – sem necessidade de derrubar qualquer árvore e apenas recuperando áreas degradadas e já devastadas há mais de 15 anos, devidamente mapeadas e georreferenciadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
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O cultivo que reivindica este papel de gerar renda e emprego aos amazônidas, mantendo ao mesmo tempo a floresta intacta, é o óleo de palma ou de dendê.
Óleo vegetal mais consumido do mundo, o dendê é usado tanto em alimentos (sorvetes, biscoitos e margarinas) como na indústria de cosméticos (sabonetes, detergentes, lubrificantes e glicerina), e como matéria-prima para biocombustíveis. O Brasil ainda produz somente metade de sua necessidade de consumo, considerando apenas o setor de alimentos.
Dendê: de vilão na Ásia a mocinho na Amazônia
De saída, o dendê tropicalizado reivindica uma condição sustentável totalmente diferente dos maiores produtores no Sudeste asiático (Indonésia e Malásia), mal afamados e boicotados por europeus, principalmente, por terem devastado suas florestas equatoriais para implantar as lavouras.
Na Amazônia, a palma de óleo desempenharia uma função exatamente oposta à de “predadora” de florestas na Ásia. Milton Steagall, CEO do grupo Brasil BioFuels (BBF), investe R$ 2,2 bilhões na construção de uma biorrefinaria de óleo de palma em Manaus, que deve começar a operar em 2026. Ele observa que, por lei, só é possível cultivar o dendê no Brasil em áreas degradadas, que dificilmente teriam outra utilização.
“O zoneamento agroecológico da Embrapa, de 2010, além de avaliar as áreas degradadas, apontou quais tinham aptidão climática ou da planta para o dendê prosperar. Não existe aquele risco de o investidor comprar uma área e a palma não ser adequada para a região. O texto do decreto diz que fica proibido a cultura da palma no Brasil, exceto nas áreas antropizadas”, enfatiza.
A BBF fornece biodiesel de palma para geração de energia renovável nos sistemas isolados da Amazônia. Esses contratos de longo prazo, obtidos em leilão, têm permitido à empresa ganhar musculatura para o passo seguinte, que é a construção da biorrefinaria para explorar o que Steagall chama de “pré-sal verde” da Amazônia: o óleo de palma para produção de SAF e diesel verde. Toda produção será adquirida pela Vibra Energia, que comprou a antiga BR Distribuidora, da Petrobras.
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Dendê exige investimentos e dá retorno em longo prazo
A primeira chance de a cultura do óleo de palma “decolar” no Brasil não deu certo. Após aprovação do zoneamento agrícola da Embrapa, em 2010, Vale e Petrobras investiram no norte do país, separadamente, em projetos de dendê para substituição do diesel.
A Vale desistiu após a saída de Roger Agnelli, entusiasta do biocombustível para descarbonizar as operações da companhia. E a Petrobras se desfez das ações na sociedade com a portuguesa Galp, depois que a empresa lusitana reviu o plano de levar o óleo para refinar na Europa, devido às polêmicas ambientais envolvendo a palma do Sudeste Asiático.
O negócio da Vale foi vendido para a BBF, de Steagall, e o da Petrobras foi comprado por Daniel Dantas, do fundo Opportunity.
O novo impulso para o dendê surge agora, com a demanda acentuada por combustível de aviação sustentável. Empresários do setor avaliam que este pode ser o momento de tornar o óleo de palma uma commodity relevante no Brasil, e estratégica para levar riqueza aos 30 milhões de moradores da Amazônia.
“É oportunidade para uma região que não gera empregos, que tem uma economia muito pobre. E a necessidade de fazer investimento é baixa, porque são áreas já antropizadas. É muito mais fácil plantar onde não tem nada do que tirar a floresta para plantar. Roraima, por exemplo, tem 400 mil hectares devastados dentro do zoneamento da palma. Nessa região chove mil milímetros em média por ano, e isso é bom para a palma. É oportunidade de o Brasil dar uma resposta para o mundo, de que está recompondo suas áreas, mesmo que não seja com espécies nativas, como é o caso da palma”, avalia Steagall.
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Dendê rende dez vezes mais óleo do que a soja
O dendê oferece produtividade por área muito acima das culturas concorrentes. Um hectare rende cinco toneladas de óleo por ano, contra 700 kg da mesma área com mamona e 500 kg com soja. Essa eficiência se estende também à captura de carbono, já que uma árvore de dendê segue fixando CO2 por até 35 anos, e nesse período somente o fruto é retirado.
O zoneamento agrícola da Embrapa indica que o país tem 31 milhões de hectares disponíveis e aptos para o cultivo da palma. Tanto potencial pode “fazer água” se a cadeia produtiva mantiver o ritmo de crescimento atual, de 2% a 3% ao ano, ou cerca de 10 mil hectares agregados a cada mudança de calendário. Victor Almeida, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), observa que o Brasil ainda cultiva menos de 300 mil hectares de dendê, apesar do potencial de 8 milhões de hectares, levando em conta apenas os locais próximos da infraestrutura industrial já instalada.
O gargalo maior estaria na falta de uma política pública estratégica para o setor. “Como a palma começa a produzir no terceiro ano, e se torna rentável do quinto para o sexto ano, é preciso linhas de financiamento mais longas. O grande potencial está na agricultura familiar. Temos casos de associados nossos com dez anos de plantio e que hoje já têm renda média mensal de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês, e isso apesar de o preço do óleo ter caído nos últimos anos”, aponta Almeida.
Produção do óleo de palma é intensiva em mão de obra
Por não possibilitar a mecanização, a cadeia de óleo de palma é altamente demandante de mão de obra. Segundo a Abrapalma, enquanto a soja gera um emprego para cada 82 hectares cultivados e a pecuária um para cada 300, o dendê emprega uma pessoa a cada 10 hectares.
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O entendimento do setor é de que somente com ação estratégica do governo o dendê poderá aproveitar os ventos favoráveis. “A maior dificuldade está no aspecto agrícola. Hoje, se o governo fomentar a agricultura familiar, toda empresa de palma vai construir a indústria. Do jeito que está, no Pronaf você compete com o Brasil inteiro. Não existe uma política pública para reservar valor para financiamento, seja para os agricultores familiares, seja para as empresas do setor de palma”, sublinha o executivo da Abrapalma.
Outro desafio é avançar mais rapidamente com a pesquisa e a tecnologia para elevar a produtividade do dendê em solo brasileiro. Na avaliação do pesquisador Edson Barcelos da Silva, da Embrapa Amazônia Ocidental, o Brasil tem bom material genético, mas ainda em quantidade limitada.
“Os programas de melhoramento genético da cultura nas principais regiões líderes, como na Indonésia e Malásia, recebem prioridade máxima e grandes progressos vêm sendo obtidos. Isso infelizmente não acontece no Brasil, apesar dos enormes esforços realizados pela Embrapa no passado, o que deixou de acontecer neste século”, pondera.
Longevidade das empresas de dendê atesta que cultura é viável
Sobre a viabilidade da cultura, Silva não tem dúvidas: “Considerando que existem mais de 200 mil hectares plantados com a palma no país, por diversas empresas, e a grande maioria delas com mais de 20 anos de atividade, e com relevante demanda e grandes possibilidades de crescimento vividas pelo setor atualmente, tudo isso indica que se trata de uma cadeia produtiva sólida, com boa rentabilidade e franca expansão”.
As áreas de aptidão preferencial para o dendê, porém, convivem ainda com insegurança jurídica e fundiária. “Esse é um dos principais fatores que afastam os investimentos”, diz André Gasparini, diretor da indústria Agropalma, com sede em Belém (PA). “Em linhas gerais, há muita especulação, porém pouca ação concreta em relação ao incremento dessa cultura, que já provou seu potencial para a geração de riqueza e o progresso de forma sustentável da cadeia produtiva”, assegura Gasparini.
Steagall, da BBF, diz que a cadeia do dendê brasileiro já compreendeu que não haverá incentivos de players ligados aos governos europeus e norte-americanos, por questão de geopolítica e concorrência.
“Quanto mais competitivo a gente fica aqui, mais barato vamos produzir alimentos e isso vai fazer que o Macron [presidente francês] tenha que aumentar o subsídio que ele dá para o pessoal do interior da França. Depois do que aconteceu com Luís XVI, eles aprenderam a lição. Não vão permitir que a gente vá adiante, não vão nos apoiar”, enfatiza.
Agronegócio
O que é o “pré-sal verde” da Amazônia, que promete gerar riqueza sem derrubar uma árvore
- PorMarcos Tosi
- 30/12/2023 15:32
Cachos de dendê prontos para extração de óleo em indústria do norte do Brasil: também chamado de óleo de palma, produto é considerado um “pré-sal verde”.| Foto: Divulgação/Abrapalma
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Nesse cenário de explosão da demanda, o Brasil tem ampla disponibilidade de matéria-prima e potencial para ser um dos grandes players, em qualquer uma das rotas tecnológicas que se apresentam para fabricar SAF com hidrogênio verde produzido a partir de óleos vegetais, gorduras animais ou etanol.
Dessas rotas tecnológicas, no entanto, uma se apresenta como oportunidade ímpar para o desenvolvimento da Amazônia – sem necessidade de derrubar qualquer árvore e apenas recuperando áreas degradadas e já devastadas há mais de 15 anos, devidamente mapeadas e georreferenciadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O cultivo que reivindica este papel de gerar renda e emprego aos amazônidas, mantendo ao mesmo tempo a floresta intacta, é o óleo de palma ou de dendê.
Óleo vegetal mais consumido do mundo, o dendê é usado tanto em alimentos (sorvetes, biscoitos e margarinas) como na indústria de cosméticos (sabonetes, detergentes, lubrificantes e glicerina), e como matéria-prima para biocombustíveis. O Brasil ainda produz somente metade de sua necessidade de consumo, considerando apenas o setor de alimentos.
Dendê: de vilão na Ásia a mocinho na Amazônia
De saída, o dendê tropicalizado reivindica uma condição sustentável totalmente diferente dos maiores produtores no Sudeste asiático (Indonésia e Malásia), mal afamados e boicotados por europeus, principalmente, por terem devastado suas florestas equatoriais para implantar as lavouras.
Na Amazônia, a palma de óleo desempenharia uma função exatamente oposta à de “predadora” de florestas na Ásia. Milton Steagall, CEO do grupo Brasil BioFuels (BBF), investe R$ 2,2 bilhões na construção de uma biorrefinaria de óleo de palma em Manaus, que deve começar a operar em 2026. Ele observa que, por lei, só é possível cultivar o dendê no Brasil em áreas degradadas, que dificilmente teriam outra utilização.
“O zoneamento agroecológico da Embrapa, de 2010, além de avaliar as áreas degradadas, apontou quais tinham aptidão climática ou da planta para o dendê prosperar. Não existe aquele risco de o investidor comprar uma área e a palma não ser adequada para a região. O texto do decreto diz que fica proibido a cultura da palma no Brasil, exceto nas áreas antropizadas”, enfatiza.
A BBF fornece biodiesel de palma para geração de energia renovável nos sistemas isolados da Amazônia. Esses contratos de longo prazo, obtidos em leilão, têm permitido à empresa ganhar musculatura para o passo seguinte, que é a construção da biorrefinaria para explorar o que Steagall chama de “pré-sal verde” da Amazônia: o óleo de palma para produção de SAF e diesel verde. Toda produção será adquirida pela Vibra Energia, que comprou a antiga BR Distribuidora, da Petrobras.
VEJA TAMBÉM:
Dendê exige investimentos e dá retorno em longo prazo
A primeira chance de a cultura do óleo de palma “decolar” no Brasil não deu certo. Após aprovação do zoneamento agrícola da Embrapa, em 2010, Vale e Petrobras investiram no norte do país, separadamente, em projetos de dendê para substituição do diesel.
A Vale desistiu após a saída de Roger Agnelli, entusiasta do biocombustível para descarbonizar as operações da companhia. E a Petrobras se desfez das ações na sociedade com a portuguesa Galp, depois que a empresa lusitana reviu o plano de levar o óleo para refinar na Europa, devido às polêmicas ambientais envolvendo a palma do Sudeste Asiático.
O negócio da Vale foi vendido para a BBF, de Steagall, e o da Petrobras foi comprado por Daniel Dantas, do fundo Opportunity.
O novo impulso para o dendê surge agora, com a demanda acentuada por combustível de aviação sustentável. Empresários do setor avaliam que este pode ser o momento de tornar o óleo de palma uma commodity relevante no Brasil, e estratégica para levar riqueza aos 30 milhões de moradores da Amazônia.
“É oportunidade para uma região que não gera empregos, que tem uma economia muito pobre. E a necessidade de fazer investimento é baixa, porque são áreas já antropizadas. É muito mais fácil plantar onde não tem nada do que tirar a floresta para plantar. Roraima, por exemplo, tem 400 mil hectares devastados dentro do zoneamento da palma. Nessa região chove mil milímetros em média por ano, e isso é bom para a palma. É oportunidade de o Brasil dar uma resposta para o mundo, de que está recompondo suas áreas, mesmo que não seja com espécies nativas, como é o caso da palma”, avalia Steagall.
Dendê rende dez vezes mais óleo do que a soja
O dendê oferece produtividade por área muito acima das culturas concorrentes. Um hectare rende cinco toneladas de óleo por ano, contra 700 kg da mesma área com mamona e 500 kg com soja. Essa eficiência se estende também à captura de carbono, já que uma árvore de dendê segue fixando CO2 por até 35 anos, e nesse período somente o fruto é retirado.
O zoneamento agrícola da Embrapa indica que o país tem 31 milhões de hectares disponíveis e aptos para o cultivo da palma. Tanto potencial pode “fazer água” se a cadeia produtiva mantiver o ritmo de crescimento atual, de 2% a 3% ao ano, ou cerca de 10 mil hectares agregados a cada mudança de calendário. Victor Almeida, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), observa que o Brasil ainda cultiva menos de 300 mil hectares de dendê, apesar do potencial de 8 milhões de hectares, levando em conta apenas os locais próximos da infraestrutura industrial já instalada.
O gargalo maior estaria na falta de uma política pública estratégica para o setor. “Como a palma começa a produzir no terceiro ano, e se torna rentável do quinto para o sexto ano, é preciso linhas de financiamento mais longas. O grande potencial está na agricultura familiar. Temos casos de associados nossos com dez anos de plantio e que hoje já têm renda média mensal de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês, e isso apesar de o preço do óleo ter caído nos últimos anos”, aponta Almeida.
Produção do óleo de palma é intensiva em mão de obra
Por não possibilitar a mecanização, a cadeia de óleo de palma é altamente demandante de mão de obra. Segundo a Abrapalma, enquanto a soja gera um emprego para cada 82 hectares cultivados e a pecuária um para cada 300, o dendê emprega uma pessoa a cada 10 hectares.
O entendimento do setor é de que somente com ação estratégica do governo o dendê poderá aproveitar os ventos favoráveis. “A maior dificuldade está no aspecto agrícola. Hoje, se o governo fomentar a agricultura familiar, toda empresa de palma vai construir a indústria. Do jeito que está, no Pronaf você compete com o Brasil inteiro. Não existe uma política pública para reservar valor para financiamento, seja para os agricultores familiares, seja para as empresas do setor de palma”, sublinha o executivo da Abrapalma.
Outro desafio é avançar mais rapidamente com a pesquisa e a tecnologia para elevar a produtividade do dendê em solo brasileiro. Na avaliação do pesquisador Edson Barcelos da Silva, da Embrapa Amazônia Ocidental, o Brasil tem bom material genético, mas ainda em quantidade limitada.
“Os programas de melhoramento genético da cultura nas principais regiões líderes, como na Indonésia e Malásia, recebem prioridade máxima e grandes progressos vêm sendo obtidos. Isso infelizmente não acontece no Brasil, apesar dos enormes esforços realizados pela Embrapa no passado, o que deixou de acontecer neste século”, pondera.
Longevidade das empresas de dendê atesta que cultura é viável
Sobre a viabilidade da cultura, Silva não tem dúvidas: “Considerando que existem mais de 200 mil hectares plantados com a palma no país, por diversas empresas, e a grande maioria delas com mais de 20 anos de atividade, e com relevante demanda e grandes possibilidades de crescimento vividas pelo setor atualmente, tudo isso indica que se trata de uma cadeia produtiva sólida, com boa rentabilidade e franca expansão”.
As áreas de aptidão preferencial para o dendê, porém, convivem ainda com insegurança jurídica e fundiária. “Esse é um dos principais fatores que afastam os investimentos”, diz André Gasparini, diretor da indústria Agropalma, com sede em Belém (PA). “Em linhas gerais, há muita especulação, porém pouca ação concreta em relação ao incremento dessa cultura, que já provou seu potencial para a geração de riqueza e o progresso de forma sustentável da cadeia produtiva”, assegura Gasparini.
Steagall, da BBF, diz que a cadeia do dendê brasileiro já compreendeu que não haverá incentivos de players ligados aos governos europeus e norte-americanos, por questão de geopolítica e concorrência.
“Quanto mais competitivo a gente fica aqui, mais barato vamos produzir alimentos e isso vai fazer que o Macron [presidente francês] tenha que aumentar o subsídio que ele dá para o pessoal do interior da França. Depois do que aconteceu com Luís XVI, eles aprenderam a lição. Não vão permitir que a gente vá adiante, não vão nos apoiar”, enfatiza.
Grandes indústrias vêm buscar subprodutos do dendê no Brasil
Se o apoio não virá dos governos e instituições do hemisfério Norte, a situação é diferente em relação aos grandes clientes, as indústrias de cosméticos, de lubrificantes e produtos health care.
“Tem um monte de empresa procurando a gente para fazer contrato para entregar produtos químicos. São grandes consumidores, principalmente americanos, que já enxergaram que precisam ter uma alternativa de fornecimento para aquilo que os abastece hoje, que é o Sudeste Asiático. Eles querem resolver o problema da empresa deles, fazem contrato conosco e nos ajudam. Assim vamos conseguindo superar essa geopolítica nociva que impede um projeto tão bonito como esse”, diz Steagall.
Além das metas de descarbonização, o setor de aviação deve crescer aceleradamente nos próximos anos. A fila para comprar um jato Phenom, da Embraer, chegou a 2,5 anos de espera. Companhias da Índia encomendaram neste ano mil aviões da Airbus, 50% para renovação de frota e 50% para atender o aumento da demanda. E há, ainda, o aumento de pedidos militares devido ao recrudescimento das guerras e ameaças de guerra.
Dendê pode rivalizar com o etanol para produzir SAF
O dendê teria potencial, inclusive, para superar o etanol como principal fonte para produção de SAF no Brasil.
Steagall diz que é natural que os americanos priorizem o etanol, porque eles não têm as mesmas condições para o dendê e pelo grande volume de milho
Enquanto é preciso 1,8 litro de etanol para fazer um litro de diesel verde ou SAF, a relação do óleo de dendê é de apenas 1,2 litro. Com a diferença de que o etanol já passou por um processo de industrialização, enquanto o dendê é utilizado in natura.
“A única certeza é de que vou ter um competidor que, através de outra rota tecnológica, vai colocar um produto no mercado que é muito mais caro do que o meu. A única certeza é de que minha margem vai ser maior”, diz o executivo.
“Quem realmente pode arrumar uma solução para o biodiesel renovável não vai ser o etanol. Nos Estados Unidos, para ampliar, teria que ocupar o lugar de outras culturas. E não tem área disponível para expansão. Mas o Brasil está trazendo uma solução para o mundo sem derrubar uma única árvore. A gente consegue colocar um volume considerável de SAF, gerando emprego numa região que não tem emprego, e com 30 milhões de amazônidas que precisam sobreviver”, arremata.
Se todos os 31 milhões de hectares disponíveis e zoneados para o óleo de palma fossem ocupados, seria possível produzir 1,1 bilhão de barris de óleo de palma por ano para atender a produção de biocombustível do setor aéreo. Mais do que a Petrobras extrai do pré-sal hoje em dia.