Médicos respondem quando é indicado tomar remédio para dormir

Apesar de muitos avanços, até hoje as opções disponíveis no mercado são indicadas para casos específicos e por períodos curtos

Desde os anos 1960, a indústria farmacêutica vem lançando remédios para tratar a insônia, condição que atinge em torno de 35% da população, segundo a Associação Brasileira do Sono. Apesar de muitos avanços, até hoje as opções disponíveis no mercado são indicadas para casos específicos e por períodos curtos.

Os benzodiazepínicos, como o Rivotril (clonazepam) e o Valium (diazepam), foram as primeiras promessas para quem queria dormir bem. Não demorou até que o uso prolongado dessas substâncias fosse associado a tolerância, dependência, déficit cognitivo e alterações de comportamento.

Nos anos 1990, chegaram as drogas Z, como o zolpidem e a zopiclona. Capazes de induzir o sono em minutos, agem por até oito horas. Esses remédios surgiram como alternativas aos benzodiazepínicos, evitando uma possível “ressaca” no dia seguinte e sem risco de dependência. Mas a expectativa não se confirmou.

“Com o tempo, percebeu-se que as drogas Z também causavam dependência e tolerância, e que seu uso deveria ser pontual e rigorosamente supervisionado pelo médico”, diz o psiquiatra Mário Eduardo Costa Pereira, professor de psicopatologia clínica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Evidências científicas têm mostrado que toda droga de ação imediata pode levar a algum grau de dependência, já que o usuário associa facilmente a medicação ao efeito que ela traz, explica o psiquiatra Marcelo Kimati, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Drogas (NIED) da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Apesar dos riscos, os hipnóticos, como são chamados os remédios que induzem o sono, são indicados como última opção de tratamento, após uma avaliação clínica minuciosa.

A insônia pode estar associada a condições que vão desde transtornos de humor até problemas respiratórios, e isso precisa contar na decisão do médico, diz o psiquiatra Marcelo Heyde, professor da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Um exame de polissonografia é capaz de revelar, por exemplo, um caso de apneia, em que o paciente não consegue manter um descanso de qualidade porque sua respiração para repetidas vezes durante a noite. “O quadro demanda um tratamento específico e tomar zolpidem só pioraria tudo”, diz Heyde.

Já quando a insônia vem associada a depressão, o médico pode, a depender do caso, receitar antidepressivos que também ajudam a melhorar o sono, como a trazodona, evitando expor o indivíduo a fármacos com maior potencial de dependência e tolerância.

Mas, para os especialistas, o mais importante é orientar sobre a higiene do sono. Ter um lugar tranquilo para dormir, longe de telas (incluindo celulares) e outros itens não vinculados estritamente ao repouso, é fundamental para um descanso de qualidade.

Outra ferramenta cientificamente comprovada para dormir melhor é a TCC (terapia cognitivo-comportamental), que pode integrar ações práticas como diários de sono e estratégias de controle de estímulos.

É só no caso de nada disso funcionar que um remédio como o zolpidem pode entrar em cena, reforça o professor da Unicamp. E, caso o paciente precise da medicação, as doses devem ser controladas por um psiquiatra na quantidade e no tempo determinados após avaliação médica.

“Há pessoas que acordam à noite e tomam mais um zolpidem para voltar a dormir, aumentando a dose por conta. Também há os que consomem mais do que a quantidade prescrita, em um momento em que estão mais ansiosos. Isso é extremamente perigoso”, diz Heyde.

O uso prolongado é outro grande problema. Embora esses fármacos possam ser usados por poucas semanas, a média de uso entre a população geral é de sete anos, diz Kimati. Em comentários nas redes sociais da Folha durante um bate-papo sobre o zolpidem, leitores afirmaram usá-lo há mais de cinco.

Kimati lembra ainda que até hoje não existe um hipnótico seguro para uso de longo prazo. “Conforme o tempo passa, nossa capacidade metabólica diminui, e uma dose pequena pode ser sentida pelo organismo como uma dose maior quando envelhecemos. Isso poderia explicar, por exemplo, por que os benzodiazepínicos estão entre as principais causas de confusão mental entre idosos”. Em meio a tantas incógnitas, todo cuidado é pouco.