As fortes chuvas que afetam o Rio Grande do Sul desde a semana passada já provocaram 83 mortes e afetaram 364 dos 497 municípios gaúchos.
Além disso, 129 mil pessoas tiveram que deixar suas casas e 20 mil estão morando em abrigos, segundo os dados do boletim mais recente da Defesa Civil do Estado, divulgado às 12h desta segunda-feira (6/5).
O governo do Rio Grande do Sul ainda contabiliza que 850 mil pessoas foram afetadas pelo evento climático extremo. No total, 291 indivíduos estão feridos e 111 desparecidos.
As cidades com o maior número de óbitos são Cruzeiro do Sul (oito mortes), Gramado (sete), Veranópolis (cinco), Caxias do Sul (cinco), Lajeado (cinco) e Santa Maria (cinco).
Nesta segunda, o Climatempo emitiu um alerta de perigo extremo no sul do Estado, que deve ter chuva “frequente e volumosa” no início desta semana.
Além do alto volume de chuvas, a região mais ao sul do Estado pode ter ventos de até 85 km/h, com risco de temporais em Pelotas e na Campanha Gaúcha.
A partir de quarta (8/5), a formação de um ciclone extratropical e de uma frente fria vão ajudar a levar chuva para as demais regiões do Estado.
No domingo (5/5), o governo federal informou que existiria outra preocupação adicional para os próximos dias: uma frente fria.
Na quarta-feira (8/5), a temperatura vai baixar para até 10 °C em algumas áreas do Estado, segundo o Comando Militar do Sul.
O comando, que participa da operação de auxílio às vítimas, afirmou que a ideia é acelerar os trabalhos até terça, já que a frente fria vai piorar as condições de evacuação, além de aumentar o risco de hipotermia em pessoas que estejam aguardando o resgate ao relento ou sob a chuva.
Aeroporto fechado por tempo indeterminado
Autoridades estão trabalhando para reestabelecer os serviços e rotas de transporte.
- O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, está fechado por tempo indeterminado. A Fraport, empresa responsável pela administração, aconselha os passageiros a procurarem suas companhias aéreas para remarcação ou reembolso de passagens com destino a ou origem em Porto Alegre.
- A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) informou que suas associadas Gol, Lata e Voepass cancelaram todos os voos de/para Porto Alegre até sexta-feira.
- Os aeroportos das cidades de Passo Fundo, Caxias do Sul, Pelotas e Santo Ângelo estão operando, mas podem “ser impactados pelas condições meteorológicas”, segundo a Abear.
- Já a Empresa Gaúcha de Rodovias divulgou que a maioria dos trechos de estradas que estavam bloqueados por conta dos deslizamentos até agora já foi liberada.
- “Os trechos rodoviários permanecem totalmente bloqueados por haver danos estruturais. O primeiro está localizado no km 75 da ERS-130, entre Lajeado e Encanonde a ponte sobre o Rio Forqueta desabou; e no km 80 da ERS-129, em Muçum, devido ao desmoronamento da pista”, aponta a nota.
- O governo gaúcho anunciou o investimento de R$ 117,7 milhões para a reconstrução de estradas.
- Há falta de energia elétrica em 10% da rede de abastecimento, de acordo com o balanço mais recente, da manhã desta segunda-feira (6/5). Há cerca de 884 mil pessoas sem acesso à água. Operadoras de telefonia e internet também estão sem serviço em dezenas de municípios.
- O governo calcula que 744 escolas foram afetadas — ou seja, estão danificadas, estão servindo de abrigo ou apresentam problemas de transporte ou acesso. Essas unidades de ensino estão espalhadas por 231 cidades do Estado. Estima-se que 251 mil estudantes foram impactados pelas chuvas e pelas enchentes. As aulas devem voltar a partir de terça (7/5) apenas nas regiões menos afetadas. Te
- Não há previsão de retorno das aulas em Porto Alegre e nas coordenadorias que abrangem São Leopoldo, Estrela, Guaíba, Cachoeira do Sul e Canoas.
Barragens sob monitoramento
Um balanço divulgado pelo governo do Rio Grande do Sul na tarde de domingo (5/5) informou que há seis barragens de hidrelétricas em situação de emergência, com risco iminente de rompimento. Segundo o governo gaúcho, isso aponta que devem ser tomadas “providências para preservar vidas”.
Entre essas medidas, está a retirada de famílias das áreas que podem ser atingidas caso ocorra um rompimento. Não foi informado o número de famílias que estão nessa situação.
Esse levantamento é feito pelo governo por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema (ONS).
Uma das seis barragens em situação de emergência, localizada entre os municípios de Bento Gonçalves e Cotiporã, já registrou um rompimento parcial há três dias.
De acordo com o governo, ainda há outras cinco barragens em estado de alerta. Isso significa que elas apresentam “anomalias que representam risco à segurança” e exige manutenções para que a situação não se agrave.
O grupo responsável por esse balanço informou ainda que há sete barragens em estado de atenção. São estruturas que possuem anomalias, mas que não comprometem a segurança a curto prazo. Elas necessitam de monitoramento, controle ou algum reparo.
Planos de reconstrução
Em entrevista a jornalistas no sábado (4/5), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a grave situação causada pelas enchentes no Estado vai exigir a adoção de um “Plano Marshall”.
O Plano Marshall foi a estratégia americana de aplicar bilhões de dólares na reconstrução da Europa aliada após a Segunda Guerra Mundial.
“Vamos precisar de medidas absolutamente excepcionais. O Rio Grande do Sul vai precisar de um Plano Marshall, de medidas absolutamente extraordinárias. Quem já foi vítima das tragédias não pode ser vítima de desassistência e da burocracia”, disse o governador à imprensa.
Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no domingo, Leite afirmou que esse plano terá de envolver também estratégias de resiliência climática, que permitam ao Estado resistir aos extremos climáticos globais.
No domingo (6/5), Lula visitou o Estado para discutir os próximos passos de reação da tragédia.
“É preciso que a gente pare de correr atrás da desgraça (…) e aja com antecedência” na prevenção de tragédias, disse Lula.
O presidente afirmou que o governo federal ajudará na recuperação da infraestrutura estadual — e que a burocracia estatal não atrapalhará nos esforços de reconstrução.
“O Brasil deve muito ao Rio Grande do Sul”, agregou Lula, mencionando a pujança agrícola do Estado. “Se ele sempre ajudou o Brasil, agora está na hora de o Brasil ajudar o Rio Grande do Sul.”
O ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que serão liberados R$ 1 bilhão a mais para recuperação de rodovias federais por causa da chuva.
O governo também liberou mais de R$ 580 milhões em emendas parlamentares para o Estado, a maior parte para a área de saúde.
O que explica as chuvas no RS?
Meteorologistas ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil explicam que as chuvas intensas registradas no Rio Grande do Sul nos últimos dias são consequência de uma combinação de três principais fatores:
- Presença de um cavado (corrente intensa de vento) em atuação na região proporcionando a formação de tempo bastante instável;
- Presença do corredor de umidade vindo da Amazônia, que potencializou a intensidade de precipitação;
- Presença de uma onda de calor na região central do país
“Essa massa de ar quente sobre a área central do país bloqueou a frente fria que está na região Sul, impedindo-a de avançar e se espalhar para outras localidades. A junção desses fatores faz com que essa instabilidade fique sobre o Estado, causando chuvas intensas e continuas”, explica Dayse Moraes, meteorologista do Inmet.
Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 ainda tem influência do fenômeno El Niño, que é responsável por aquecer as águas do oceano Pacífico, contribuindo para que áreas de instabilidade fiquem sobre o estado. Essa combinação de diversos fatores de uma única vez é considerada rara pelos especialistas.
As chuvas catastróficas do Sul têm relação direta com a onda de calor registrada na região Centro-Oeste e Sudeste, onde as temperaturas estão cerca de 5 °C acima da média neste outono.
“Com a intensificação das mudanças climáticas globais, os eventos climáticos extremos serão mais frequentes e intercorrentes”, acrescenta Rafael de Ávila Rodrigues, professor e climatologista do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT).