Empregador pode demitir funcionário por justa causa, mas existem uma séria de condições para que isso seja feito dentro da lei; veja o que dizem advogados trabalhistas.
Por Marta Cavallini, g1
As empresas podem demitir um funcionário que participa de atos golpistas, como os ocorridos no último domingo? Para advogados trabalhistas, apesar de a CLT prever a prática de atos atentatórios contra a segurança nacional como uma falta passível de rescisão de contrato de trabalho por justa causa, é necessária uma apuração cuidadosa dos fatos.
De acordo com Ricardo Souza Calcini, professor e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, a CLT traz a possibilidade de demissão por justa causa para prática devidamente comprovada em inquérito administrativo de atos atentatórios à segurança nacional. Mas, o advogado ressalta que ainda não há definição do processo legal em relação aos envolvidos.
“A questão é saber se a participação irá configurar ou não ato atentatório à segurança nacional. Por ora, são acusações, mas ainda sem o respeito ao contraditório e à ampla defesa, e, sobretudo, condenação criminal”, opina.
Para ele, se a simples prisão preventiva pela participação nos atos de domingo constitui comprovação de inquérito administrativo, aí pode-se configurar a justa causa.
De acordo com José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, o que o empregado faz fora do ambiente de trabalho não diz respeito ao empregador, o que torna delicada a hipótese de demissão por justa causa.
“O empregador tem poder de orientar, de treinar, de disciplinar e de exigir conduta dentro do ambiente de trabalho, mas não deve interferir na vida privada do empregado”, observa.
Para o especialista, se o empregador identificar claramente, com muita segurança, que o seu empregado ou empregada de fato participou ativamente de atos de vandalismo e de invocação de golpe militar, deverá analisar a proporcionalidade da sua participação nos fatos.
“A efetiva participação do empregado em atos violentos e claramente ilegais, dos quais possam decorrer a vinculação da imagem do empregador a esses atos, com prejuízos à sua reputação, pode resultar na correta rescisão do seu contrato de trabalho por justa causa”, defende.
Mas Wahle alerta que é preciso ter cautela e avaliar se o funcionário de fato participou dos atos ou apenas estava ali como “curioso”.
“Agora, se o ato que o empregado pratica é de uma natureza tão grave que torna a convivência com os seus colegas ou a confiança do empregador impossível de manter, apesar de esses atos não resultarem em prejuízo ao empregador, é recomendável uma demissão sem justa causa”, diz Wahle.
Calcini ressalta que todo e qualquer funcionário pode ser demitido, inclusive sem justa causa, tendo ou não participado dos atos golpistas. No entanto, para aplicação da justa causa, devem ser observadas as hipóteses descritas no artigo 482 da CLT. Veja abaixo:
- ato de improbidade;
- incontinência de conduta ou mau procedimento;
- negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
- condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
- desídia no desempenho das respectivas funções;
- embriaguez habitual ou em serviço;
- violação de segredo da empresa;
- ato de indisciplina ou de insubordinação;
- abandono de emprego;
- ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- prática constante de jogos de azar;
- perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado;
- prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
Segundo Calcini, se for identificada a participação do funcionário nos atos de vandalismo, pode-se alegar mau procedimento para a demissão por justa causa, “se isso vier a identificar o empregado à empresa perante terceiros, como clientes e fornecedores”.
Calcini informa ainda que, se não houver nenhum prejuízo ao empregador, direto ou indireto, a rescisão contratual só poderá ocorrer sem justa causa.
Faltas e abandono de emprego
Wahle explica que a falta no serviço por motivo de prisão não justifica a rescisão por justa causa com fundamento no abandono de emprego. “O abandono é uma conduta que depende da vontade do empregado. Porém, se ele for julgado culpado, deverá sim ser demitido por justa causa”, diz.
“Não é possível, neste caso específico, aplicar a justa causa por abandono do emprego. Dois são os principais elementos que configuram o abandono: vontade de não retornar ao trabalho, o que não se configura; e faltas injustificadas pelo período de 30 dias seguidos”, explica Calcini.
O advogado reitera que a falta no emprego por motivo de participação nos protestos não leva à demissão por justa causa. “As faltas, no caso, são justificadas em razão da medida preventiva de detenção pelas autoridades policiais. A rescisão contratual, se ocorrer, deve ser sem justa causa”, diz Calcini.