O técnico em agropecuária Gustavo Pereira, de 22 anos, decidiu no ano passado parar de trabalhar em confecções para fazer algo mais ligado à sua formação.
Ele fez um curso em Anápolis, em Goiás, e virou piloto de drones agrícolas.
”Quando eu vi pela primeira vez fiquei encantado. É muita tecnologia! Pensei ’meu Deus, que top’”, lembra Gustavo, que trabalha hoje em uma empresa com outros três pilotos.
Esse tipo de serviço é cada vez mais usado na aplicação de agrotóxicos e fertilizantes e no mapeamento de pragas.
Gustavo conta que sua rotina é cansativa, mas tranquila. Ele acorda bem cedo, porque a pulverização de agrotóxicos não pode ser feita com o sol a pino, e trabalha em plantações de milho, banana e soja.
Ele conta que as fazendas de banana são as que mais requisitam seus serviços, porque é difícil aplicar esses produtos com um trator, e fazer manualmente é prejudicial à saúde, porque a bananeira é alta e o agrotóxico acaba caindo sobre quem aplica.
”Um piloto de drone agrícola precisa saber sobre as plantas com que trabalha, as doenças que elas têm. Conhecer questões climáticas, como umidade e vento, que afetam a aplicação”, diz Gustavo, ao explicar as diferenças do uso de drones em outras profissões.
”É um conhecimento diferente do aplicado para filmar e fotografar, em que esse profissional domina técnicas que nós não temos.”
Ele se diz apaixonado pelo novo trabalho: “Tenho muito interesse em continuar na área”.
Pilotos de drone como ele fazem parte de uma parcela crescente de profissionais do agronegócio impulsionado por novas tecnologias.
O setor cresceu 15,1% no ano passado e puxou a expansão da economia brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O agro foi apontado como o responsável por uma alta do Produto Interno Bruto (PIB) do país acima do esperado pelo mercado, de 2,9%.
Para este ano, a expectativa é de desaceleração frente ao excelente desempenho do ano passado, que não deve se repetir.
O investimento em tecnologia é uma das apostas para aumentar a produtividade e compensar as perdas com quebras de safra causadas pelas mudanças climáticas e a queda do preço de commodities agrícolas no mercado internacional.
Uma das principais fronteiras desse novo agro está no Centro-Oeste, a região com a população que mais cresce no Brasil.
Consultorias e empresas de RH consultadas pela BBC News Brasil dizem que o mercado de trabalho está aquecido na região e que existe uma demanda cada vez maior por algumas profissões específicas.
As novas profissões do agro
Glaucia Telles Benvegnú, diretora de relacionamento da Hunter4Agro, consultoria de recrutamento e seleção focada no setor, tem três décadas de experiência no setor.
Ela diz que houve nos últimos dois anos um aumento de 30% de profissionais que trabalham no Centro-Oeste, ao mesmo tempo em que surgiram novas oportunidades e tipos de empregos no mercado.
”Há uma perceptível mudança no perfil das vagas, em razão da inovação nos processos produtivos e de cultivos, investimentos em tecnologias e crescimento nos negócios”, diz Benvegnú.
“Nossos clientes buscam profissionais jovens com alto potencial para unir o agro com a tecnologia.”
Um estudo apontou em 2021 uma série de novas profissões que deverão gerar milhares de empregos ao longo da década.
O levantamento, realizado pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostra como a tecnologia é cada vez mais presente na agropecuária.
- Cientista de dados agrícolas: profissional com conhecimentos em análise de dados, estatística, programação e mercado agrícola, trabalha com softwares usados em atividades como plantio e geoprocessamento (coleta e processamento de dados geográficos para uma atividade específica).
- Designer de máquinas agrícolas: com formação ou conhecimentos em design e desenvolvimento de produtos, esse profissional desenvolve máquinas para diversas funções, seguindo padrões econômicos, sociais e, cada vez mais, sustentáveis.
- Engenheiro agrônomo digital: a profissão alia a engenharia agronômica com técnicas modernas de agricultura para construir fazendas baseadas em novas tecnologias.
- Técnico em agricultura digital: essa função une conhecimentos de tecnologia da informação (TI) e de processos do campo para usar técnicas digitais para aprimorar atividades como plantio inteligente e recirculação de águas.
”Dado o avanço da tecnologia no agronegócio, as demandas mais requisitadas de novas carreiras são para engenheiro agrônomo digital, engenheiro de automação agrícola e cientista de dados agrícolas”, diz Benvegnú.
De acordo com um levantamento da Robert Half, consultoria americana de recursos humanos, entre as profissões tecnológicas em alta no agro, um cientista de dados pode ganhar de R$ 8 mil a R$ 12 mil. Já um operador de drones pode ganhar até R$ 9 mil.
Outro sinal dessa modernização está na multiplicação das chamadas “agtechs”, as startups do agronegócio.
Em 2023, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mapeou esse tipo de empresas no país.
Em um ano, a região teve um aumento de 11,5% do número de startups do agro listadas.
O destaque, segundo a Embrapa, ficou com Mato Grosso do Sul, que saltou de 15 para 21 empresas do tipo, um avanço de 46,6%.
O Sudeste ainda concentra a maioria delas: 56,9% são dessa região, enquanto o Centro-Oeste responde por 5,8
Os empregos criados pela agricultura sustentável
A guinada tecnológica no agronegócio também tem tudo a ver com uma busca por técnicas mais sustentáveis e que permitam, entre outras coisas, aumentar a produção sem desmatar no mesmo ritmo.
Segundo a Embrapa Soja, a produção do grão aumentou mais de 1000% entre 1973 e 2023, mas a área de cultivo cresceu apenas 400% no mesmo período.
Ainda assim, o agronegócio gera 1,8 bilhão de toneladas de gases poluentes por ano no Brasil.
De acordo com o Observatório do Clima, as emissões do setor, representadas principalmente pelo desmatamento e o metano do gado (os arrotos dos bois), representaram 73,7% das emissões no país em 2021.
Por isso, a pressão por métodos menos danosos é crescente, o que acaba alimentando a demanda por gente especializada que lide com isso.
“As empresas estão criando metas de sustentabilidade e necessitam de profissionais para estruturar projetos que as direcionem”, explica Jonas Oliveira, gerente de sustentabilidade da área de proteção de cultivos na agroquímica Syngenta.
“As demandas envolvem agricultura regenerativa [voltada para a conservação e reabilitação dos sistemas de produção de alimentos] para apoiar os agricultores na transição para uma atividade que concilie preservação dos recursos e possibilite o aumento de produtividade”, diz Oliveira, ele próprio um representante de um fluxo migratório que tem feito a região crescer – é natural de Anápolis, mas morava em São Paulo até 2011, quando voltou para o Centro-Oeste.
Para Oliveira, sustentabilidade é um guarda-chuva cada vez maior que oferece oportunidades para pessoas de diversas formações.
“Hoje, meu time conta com profissionais de administração, agronomia, economia e engenharia agrícola, com experiências variadas, de usinas de etanol a bancos.”
Isso porque, segundo ele, trabalhar em áreas de sustentabilidade requer uma visão ampla do negócio. Precisa estar familiarizado com as funções de finanças, operações, comercial e marketing.
O crescimento agrícola do Centro-Oeste atrelado a uma crescente preocupação com a área ambiental fez aumentar também a demanda e, consequentemente, a migração de profissionais especializados em certificação ambiental para a região, aponta Carlos Eduardo de Freitas Vian, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo.
Polo de oportunidades
Vian aponta que o Centro-Oeste passou a atrair muitas pessoas porque se tornou um polo de oportunidades.
No pós-pandemia, o Centro-Oeste puxou a geração de vagas formais e informais de trabalho.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ocupação na região cresceu 6,8% entre dezembro de 2019 e março de 2023, pouco antes do início da pandemia.
Hoje, a região atrai profissionais de diversos perfis e especializações, que refletem as demandas e os desafios de um país que se tornou uma potência global do agronegócio.
O Centro-Oeste foi a região com o maior crescimento populacional do país na década passada, segundo o Censo. Um aumento de 1,23%, ante 0,52% do Brasil como um todo.
Senador Canedo, em Goiás, é a representante mais expressiva do novo fluxo migratório que está mudando a cara do Centro-Oeste.
Foi a cidade com mais de 100 mil habitantes que teve o maior crescimento relativo do Brasil durante o período.
Segundo o último Censo, sua população quase dobrou entre 2010 e 2022: um salto de 84,31%, de 84.443 habitantes para 155.653.
Sinop e Sorriso, ambas em Mato Grosso e com uma economia centrada na soja, também figuram entre os municípios com mais de 100 mil habitantes que tiveram o maior crescimento no período 2010-2022 (73,36% e 66,32%, respectivamente).
Quanto às capitais, todas figuram entre as cidades que tiveram maior crescimento em números absolutos de habitantes.
Cuiabá (MT) ganhou 97.710 novos moradores. Campo Grande (MS) registrou 111.164 habitantes a mais. Goiânia (GO), 135.325.
Isso sem contar Brasília, que ficou atrás apenas de Manaus (AM) no número total de novos moradores (244.909) e desbancou Salvador (BA), tornando-se a terceira cidade mais populosa do país.
Na economia da capital federal, além do comércio e dos serviços de metrópole – e, claro, da máquina da administração pública –, também há espaço para o campo.
De acordo com uma pesquisa da consultoria Urban Systems de 2022, Brasília é a quarta melhor cidade do país para fazer negócios no agro.
Senador Canedo, por sua vez, mostra que nem só de agronegócio vive a região.
As principais atividades econômicas da cidade são o comércio e a indústria, representada, especialmente, por um complexo petroquímico da Petrobras.
Demanda forte também por carreiras ‘tradicionais’
Para Erika Moraes, gerente da Robert Half, há um aquecimento geral no mercado profissional do agro.
“De uns três anos para cá, houve aumento na demanda por profissionais no Centro-Oeste, principalmente para posições voltadas ao agronegócio. E, aqui, falamos de defensivos agrícolas, sementes, fertilizantes, máquinas, ou seja, tudo que está relacionado à cadeia do agronegócio.”
Mas ela concorda que o perfil geral dos trabalhadores mudou, está mais especializado do que antigamente.
“Algo que chama a atenção é a demanda pelo domínio em um segundo idioma”, diz Moraes.
“Muitas empresas da região hoje têm relação com clientes e investidores externos, o que tornou a exigência do inglês bastante comum.”
Para atrair profissionais de outras regiões, os salários precisam ser competitivos. “Ainda assim é um desafio”, explica Glaucia Telles Benvegnú, da Hunter4Agro.
“É preciso considerar a necessidade de mudança de residência, as diferenças climáticas, a diversidade cultural e o apego familiar dos profissionais mais seniores.”
Moraes diz que a remuneração segue os padrões dos grandes centros, o que acaba sendo uma vantagem, já que o custo de vida é menor.
De acordo com o Guia Salarial 2024, da Robert Half, os salários mais altos são para cargos de gerente jurídico (R$ 13.150 a R$ 29 mil) e gerente de fazenda (R$ 19 mil a R$ 25 mil).
A falta de profissionais qualificados em cidades que são, segundo Moraes, ainda muito pequenas e muito jovens, faz com que as próprias empresas invistam em capacitação.
Mas isso não substitui a demanda de “importar” mão de obra qualificada. Só que a necessidade de se mudar para longe é um peso para muita gente.
Este ano, o paulista Francisco Delfino Fortunato completará dez anos vivendo no Centro-Oeste. Ele trocou sua Barretos natal por Inhumas (GO).
Diretor administrativo e financeiro da Beauvallet Brasil, um grupo francês de proteína animal, Fortunato conta que o fator salarial foi importante, mas que ele teve surpresas agradáveis na nova empreitada.
“Minha qualidade de vida melhorou. Morar numa cidade mais segura, a cinco minutos do trabalho, muito próxima a Goiânia, faz sobrar muito mais tempo para as atividades pessoais – e sem perder as coisas boas de uma cidade grande.”
Essas “coisas boas” indicam algo também apontado no guia da Robert Half: o setor de serviços acaba se aquecendo de tabela.
Com cada vez mais gente chegando ao Centro-Oeste para trabalhar na agropecuária, as cidades obviamente crescem, o que aumenta a demanda por uma série de profissionais.
Os municípios que quase dobraram de tamanho em uma década precisam de mais professores, médicos, engenheiros, garçons, entre outros profissionais.
Trata-se de um tipo de migração que não favorece apenas o agronegócio: a boa safra do Centro-Oeste se estende pela economia como um todo.