Falámos com Ana Matos Pires, uma psiquiatra e membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, sobre os fatores que levam ao aumento dos casos de depressão, mas também sobre os CRI (Centro de Responsabilidade Integrada) para a saúde mental e a sua importância.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão continua a ser o problema de saúde mais prevalente em toda a União Europeia, afetando cerca de 50 milhões de pessoas. Portugal, onde cerca de 8% da população está diagnosticada com esta perturbação, ocupa a quinta posição entre os países com mais casos.
Múltiplas entidades governamentais, e não só, têm aplicado medidas para melhorar as estatísticas e, por exemplo, arrancou este ano em território nacional o CRI (Centro de Responsabilidade Integrada) para a saúde mental. É um projeto integrado em 15 unidades locais de saúde e que se estreou na capital.
Estes centros têm como objetivo garantir que os tempos máximos de resposta garantidos para acesso a consultas de saúde mental no Serviço Nacional de Saúde (SNS) são cumpridos. Foram criados depois de um relatório, onde a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) concluiu que mais de metade dos casos de psiquiatria “muito prioritários” tinham tempos de espera acima do recomendado.
Tendo isto em conta, o Lifestyle ao Minuto falou om Ana Matos Pires, uma psiquiatra e membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, sobre os fatores que levam ao aumento dos casos de depressão, mas também sobre os CRI e a sua importância.
O desemprego, a pobreza, as guerras e a própria pandemia são fatores que contribuem para o aparecimento de quadros depressivos
Que fatores têm contribuído ao longo das últimas décadas para o aumento significativo dos casos de depressão?
Perturbações depressivas são diversas e sempre multicausais. Sabemos que entre os fatores de risco estão, além da vulnerabilidade individual, aspetos relacionados com os envolventes familiares, sociais e económicos. Deste modo, é seguro afirmar que aspetos como o desemprego, a pobreza, as guerras e a própria pandemia são fatores que contribuem para o aparecimento de quadros depressivos, que podem ir desde reações de adaptação com humor depressivo até quadros clínicos mais graves, como a perturbação depressiva ‘major’.
Trata-se de um problema muito comum em território nacional. Que fatores o justificam?
O último estudo epidemiológico tem mais de 10 anos e este assunto não está completamente esclarecido. Sabemos, no entanto, que o desinvestimento crónico na prevenção da doença e o acesso difícil a cuidados de qualidade contribuem para as taxas de incidência e prevalência das perturbações depressivas, e de outras perturbações mentais, no país. Modificar este estado de coisas é uma prioridade para a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental e faz parte da Reforma da Saúde Mental que está em curso.
Que mitos ainda existem sobre depressão e devem ser esclarecidos?
O principal, do meu ponto de vista, é que se trata de uma questão de “fraqueza”, que estar ou não deprimido depende do próprio. É absolutamente falso, se assim fosse a depressão não existiria.
Um segundo mito, de certo modo ligado ao anterior e muito preocupante, é a ideia de que não existem tratamentos. É falso, as abordagens farmacológicas e psicoterapêuticas são eficazes e a resposta para o tratamento da perturbação depressiva.
Que tipo de ajuda deve procurar uma pessoa com depressão?
A que qualquer um de nós procura quando estamos doentes, procurar ajuda clínica de forma a que se possa fazer o diagnóstico correto e, consequentemente, a instituição da estratégica terapêutica mais adequada para o caso.
Nunca, mas nunca mesmo, usar frases do tipo ‘isso passa’, ‘tens de ter força’, ‘isso é só uma coisa da cabeça’, ‘esquece isso e avança, só depende de ti’
Como é que os amigos e a família podem ajudar?
Reconhecendo o sofrimento e a disfuncionalidade que a doença depressiva determina, não os ignorando nem desvalorizando e, sobretudo, fomentar a procura de ajuda. Nunca, mas nunca mesmo, usar frases do tipo “isso passa”, “tens de ter força”, “isso é só uma coisa da cabeça”, “esquece isso e avança, só depende de ti”.
Qual é o conceito dos novos CRI (Centro de Responsabilidade Integrada) para a saúde mental? Para que servem?
Os CRI são estruturas orgânicas de gestão intermédia, que visam potenciar os resultados da prestação de cuidados de saúde, melhorando a acessibilidade dos utentes e a qualidade dos serviços prestados, aumentando a produtividade, a eficácia e a eficiência dos recursos aplicados e contribuindo para elevar o nível de satisfação dos utentes e dos profissionais do SNS.
São constituídos por equipas multiprofissionais, que voluntariamente se propõem a aderir a este modelo de organização, detentores do perfil adequado em função do respetivo plano de ação, organizadas de forma flexível, em função da realidade concreta de cada entidade do SNS e das necessidades em saúde que visam satisfazer.
Os CRI dispõem de autonomia organizativa e técnica, integrando-se numa lógica de trabalho em rede com outros serviços da entidade do SNS onde se integram.
Compete ao Conselho de Administração (CA) da respetiva ULS aprovar a criação do CRI e nomear os respetivos profissionais.
Qual será o impacto desta novidade?
O principal objetivo é melhorar a acessibilidade e a prestação de cuidados nos domínios da promoção da saúde e prevenção e tratamento da doença mental. Este propósito está em plena consonância com o Plano Nacional de Saúde Mental e com as diretrizes do Comprehensive Mental Health Action Plan 2013-2030 da Organização