Aquecimento global, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis, torna precipitações mais frequentes e severas
Nas últimas semanas, milhares de pessoas foram forçadas deixar suas casas no sul da Alemanha em razão das enchentes e chuvas ininterruptas que castigaram a região durante dias.
No Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul devastaram uma área do tamanho do Reino Unido e deixaram mais de meio milhão de desabrigados.
Os Emirados Árabes Unidos e o Omã tiveram as chuvas mais fortes desde o início dos seus registros. As enchentes no Quênia provocaram deslizamentos de terra e custaram inúmeras vidas.
Se inundações costeiras são em grande parte o resultado de ventos fortes e maré alta, as enchentes repentinas de rios, lagos e águas subterrâneas estão sempre ligadas à grande incidência de chuvas.
O aumento global das temperaturas, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis, faz com que as precipitações sejam cada vez mais frequentes e severas na maior parte do planeta.
A ciência por trás das enchentes extremas
A modelagem dos padrões de precipitação é um processo complexo, mas tem um princípio físico subjacente claro: o ar quente retém mais umidade.
Os gases causadores do efeito estufa liberados na atmosfera agem como um cobertor sobre a Terra, aprisionando o calor e elevando as temperaturas. Isso leva a uma evaporação mais rápida da água na terra e no mar, o que significa que, quando chove, há uma liberação maior de água. E quando uma enorme quantidade de chuva cai sobre a superfície num curto espaço de tempo, isso pode resultar em enchentes.
A capacidade do ar de reter a umidade aumenta em 7% a cada 1º C de aumento nas temperaturas. Desde a era pré-industrial, a temperatura global do ar aumentou cerca de 1,3º C.
O aumento da temperatura também faz com que as precipitações ocorram mais em forma de chuva do que de neve, o que pode tornar regiões de grande altitude mais vulneráveis a enchentes e deslizamentos de terra.
Um estudo de 2022 publicado na revista científica Nature concluiu que em regiões elevadas e nevadas no Hemisfério Norte, as chuvas extremas aumentaram em média 15% a cada 1º C de aquecimento.
Como a mudança climática afeta as chuvas?
A mudança climática afeta a frequência das precipitações fortes durante tempestades e chuvas repentinas por meio da sua influência sobre padrões meteorológicos e atmosféricos complexos.
Em termos globais, no caso de um aumento de 1,5º C na temperatura média global – que o mundo cada vez mais está perto de atingir – as precipitações intensas que ocorreriam uma vez em cada dez anos passarão a ocorrer em média 1,5 vez, com 10% a mais de umidade, segundo o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
No ano passado, a Europa teve 7% mais chuvas do que o normal, com a maior parte do continente atravessando condições mais úmidas do que a média. Precipitações pesadas ou mesmo recordes geraram enchentes na Itália, na Noruega, na Suécia e na Eslovênia.
Os avanços na ciência da atribuição permitem aos especialistas identificar com maior precisão a relação causal entre a mudança climática e os fenômenos meteorológicos extremos. De acordo com uma estimativa, em média, uma em cada cada quatro chuvas extremas na última década pode ser atribuída à mudança climática.
Embora ainda não haja estudos de atribuição das recentes inundações na Alemanha, as chuvas fortes estão se tornando mais frequentes. No ano passado, a precipitação média foi 20% superior à média do período de 1991 a 2020.
As enchentes que devastaram algumas regiões no oeste da Alemanha em 2021, assim como partes da Bélgica e da Holanda, estavam diretamente ligadas à mudança climática.
Segundo cientistas do World Weather Attribution, uma instituição acadêmica sediada no Reino Unido, a mudança climática tornou as chuvas entre 3% e 19% mais fortes, e de 1,2 a até 9 vezes mais prováveis.
No Rio Grande do Sul, as enchentes repentinas de 2024 teriam sido duas vezes mais prováveis de ocorrer e 9% mais intensas em razão da queima de combustíveis fosseis.
Quantas pessoas são afetadas pelas enchentes?
Inundações são um dos desastres naturais mais comuns e costumam ser devastadoras. Estima-se que, desde 2000, a proporção de pessoas expostas às enchentes tenha aumentado 24%.
As correntes violentas de água podem deixar um rastro de destruição, levando consigo vidas e patrimônio e deixando para trás sofrimento e enormes prejuízos econômicos.
Atualmente, 1,8 bilhão de pessoas – pouco menos de um quarto da população mundial – estão diretamente expostas aos riscos das chamadas “enchentes do século”, um termo usado para descrever uma enchente tão severa que provavelmente só vai ocorrer, em média, uma vez por século.
Na Europa, a Alemanha tem o maior número de pessoas sob risco de inundações, seguida da França e da Holanda. Em 2023, um terço da rede fluvial do continente teve fluxos que excederam os limites de inundação, sendo que, em 16% dos casos, foram excedidos os limites “graves”. Os níveis de dezembro foram os mais altos já registrados, com altas no fluxo de água em um quarto dos rios europeus.
Estima-se que 89% das pessoas expostas a um alto risco de inundação vivam em países de baixa e média renda. A maioria vive na Ásia Meridional e Ásia Oriental, sendo 395 milhões na China e 390 milhões na Índia.
Segundo um estudo, o número de pessoas que vivem em áreas com alto risco de enchentes aumentou 122% desde 1985. Essa tendência é atribuída à urbanização acelerada, principalmente em países de renda baixa e média, com cidades geralmente localizadas ao lado de cursos d’água.