As intensas chuvas que atingiram a província de Valência, na Espanha, e o estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, em maio de 2024, destacam um cenário de eventos climáticos extremos com características semelhantes com consequências graves. Em ambos os locais, chuvas recordes em períodos curtos geraram enchentes históricas, desabrigaram milhares de pessoas, além de expor a fragilidade das infraestruturas urbanas e rurais frente a esses eventos.
Na Espanha, a Agência Estatal de Meteorologia (Aemet) registrou, no final de outubro, um total de 445,4 mm de chuva em apenas 24 horas na província de Valência. De acordo com a Aemet, o volume é quase equivalente à média anual de precipitação da região, que é de cerca de 500 mm, e é o mais alto registrado em um único dia desde 1996. Como resultado, várias estradas foram bloqueadas, o transporte aéreo e ferroviário foi interrompido. Em algumas áreas, a precipitação em poucas horas superou os 490 mm, com destaque para a cidade de Chiva, que registrou 491,2 mm.
Já no Rio Grande do Sul, um cenário de calamidade se instaurou entre o final de abril e o início de maio, quando chuvas entre 500 a 700 mm afetaram o estado em poucos dias. Esse volume, que representa aproximadamente um terço da média anual, causou enchentes que ultrapassaram marcas históricas. Em Porto Alegre, a elevação do lago Guaíba chegou a superar a marca das enchentes de 1941 e 2023, enquanto em Caxias do Sul, os acumulados ultrapassaram os 845 mm.
Em Valência, apesar das intensas chuvas, não houve registros imediatos de vítimas fatais. No entanto, no Rio Grande do Sul, as enchentes resultaram em mais de 150 mortes e mais de 478 municípios impactados. As estimativas de perdas são de R$ 4,6 bilhões e um impacto recorde no setor de seguros, com R$ 1,6 bilhão em sinistros registrados até o final de maio.
Esses eventos também destacaram as particularidades climáticas locais que amplificaram os danos. No Brasil, um bloqueio atmosférico mantido por um sistema de alta pressão impediu a dissipação das chuvas sobre o Sul do país, causando uma frente semi-estacionária que resultou nas enchentes históricas. Já na Espanha, a formação de uma DANA no golfo de Cádiz foi o fator que trouxe as precipitações para Valência e regiões vizinhas.
Os eventos climáticos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul e as precipitações na Espanha, são reflexos de um cenário de mudanças climáticas cada vez mais intenso e frequente. Segundo o engenheiro agrônomo João Pedro Cuthi Dias, estamos vivendo as consequências previstas décadas atrás, com o aumento da temperatura global amplificando a força de secas, ondas de calor e chuvas. “A falta de uma ação adequada para mitigar o efeito estufa cria condições para a amplificação dos fenômenos climáticos, resultando em tragédias humanitárias e econômicas,” alerta Dias, lembrando que a situação enfrentada pelo Rio Grande do Sul, que afetou milhões de pessoas, está longe de ser um evento isolado.
A amplificação desses desastres climáticos traz implicações globais preocupantes. Em diversas regiões do mundo, de desertos a áreas tropicais, recordes de precipitação e seca têm sido quebrados, expondo a infraestrutura e a população a situações para as quais não estão preparadas. “Regiões como Dubai e até partes da Ásia enfrentaram chuvas e secas em níveis alarmantes, enquanto países como Colômbia e Equador enfrentam escassez de água potável para consumo humano,” explica Dias. Esses eventos climáticos, interconectados e intensificados pela ação humana, continuam a pressionar os sistemas naturais e sociais em escala global, sem indícios de trégua. AGROLINK