De acordo com a pesquisa, os raios ultravioletas solares que chegam ao solo marciano são até 30% mais radioativos do que na Terra, devido à ausência de uma camada de ozônio, o que faria com que qualquer célula viva se degradasse. Mas parte desses raios pode ser absorvida por partículas maiores de gelo até 50 cm abaixo da superfície.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Camadas de gelo com a presença de até 0,1% de partículas de poeira na superfície de Marte podem fornecer as condições favoráveis para a vida no planeta vermelho, segundo estudo publicado na última quinta (17) na revista Communications Earth & Environment.
De acordo com a pesquisa, os raios ultravioletas solares que chegam ao solo marciano são até 30% mais radioativos do que na Terra, devido à ausência de uma camada de ozônio, o que faria com que qualquer célula viva se degradasse. Mas parte desses raios pode ser absorvida por partículas maiores de gelo até 50 cm abaixo da superfície.
Nessas condições, a luz chamada de radiação fotossinteticamente ativa (PAR, na sigla em inglês) pode chegar e, assim, possibilitar atividade fotossintética, isto é, de microrganismos que transformam a luz solar em energia.
É claro que ainda faltam dois elementos cruciais à vida: a presença de água líquida –no momento, só foram encontrados gelo, poeira e neve– e nutrientes, como moléculas de carboidrato.
No entanto, segundo Aditya Khuller, pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (Agência Espacial Americana) e autor correspondente do estudo, os achados podem possibilitar novas pesquisas em busca de tais condições em solo marciano.
“Com base em nosso trabalho, acreditamos que as áreas com exposição de poeira nas latitudes médias representam os locais mais facilmente acessíveis para buscar vida marciana atualmente. Portanto, esperamos que nosso estudo possa nos ajudar, e a outros pesquisadores, a planejar e projetar estudos para examinar o solo de Marte com mais detalhes”, disse, à Folha, por email.
Também colaboraram no estudo cientistas da Universidade do Arizona, do departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de Washington e do Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina da Universidade de Boulder em Colorado (EUA).
O estudo, que não contou com amostras propriamente do solo marciano, fez simulações do espectro de PAR conforme a densidade do solo (até 700 cm, até 40 cm e até 6 cm) e espessura das partículas (neve fina, gelo e neve grossa) e da composição de poeira (0%, 0,01% e 0,1%). O comprimento ideal para a atividade fotossintética de luz foi estimado em 0,7 µm (micrômetros).
Segundo os modelos, quando havia uma concentração de 0,1% a 0,01% de poeira e gelo na camada de gelo ou neve fina, a chamada zona radioativamente habitável era consideravelmente maior do que quando não havia nenhuma partícula de poeira de gelo (0%).
Isso ocorre, de acordo com os autores, porque a poeira move essa zona para profundidades mais rasas, devido à maior presença de PAR (a radiação fotossinteticamente ativa). Já com uma concentração de 0,1% essa proporção aumentava em uma ordem de magnitude de até 25 vezes.
A situação é parecida com estruturas chamadas de “crioconitas” em superfícies congeladas no Alasca, onde existem uma série de bactérias –especialmente cianobactérias– e outros microrganismos fotossintetizantes vivendo em pequenos poços –aonde chega a luz– abaixo de uma tampa de gelo. Uma diferença, porém, é que esses locais possuem água em estado líquido, ainda não encontrada na camada de luz fotossinteticamente ativa em Marte.
Comparando os dois ambientes, os autores dizem acreditar que pequenas áreas de gelo com poeira abaixo de uma camada congelada são lugares ideais para buscar vida.
Khuller afirma que é difícil encontrar vida extraterrestre sem visitar esses locais na superfície, assim como também identificar sinais de vida que possam ser diferentes dos existentes na Terra.
“Tenho colaborado com uma equipe de cientistas para desenvolver simulações aprimoradas de se, onde e quando o gelo empoeirado em Marte pode derreter. Além disso, estamos recriando alguns desses cenários em um ambiente de laboratório para examiná-los com mais detalhes”, diz o pesquisador.
A professora e chefe do laboratório de Radiações em Biologia do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Claudia Lage, comentou o estudo a pedido da reportagem. Segundo ela, a pesquisa apresenta um novo modelo de avaliação da vida em áreas de gelo no solo marciano.
“O modelo estruturado no artigo é bastante interessante no foco das regiões geladas do planeta, onde a água (sob a forma de neve ou gelo) possui uma efetiva capacidade de absorção da radiação ultravioleta de energia maior, ainda que permita que a luz fotossintetizante possa alcançar regiões logo abaixo da superfície onde poderia haver uma forma de vida”, disse.
Questionada se mais buscas em regiões semelhantes podem ajudar a elucidar a possibilidade de vida extraterrestre, Lage considera que sim, são regiões de interesse, embora os raios ultravioleta em solos mais expostos no planeta tornem, por ora, a vida impraticável.
“O melhor análogo terrestre são as regiões geladas da Antártida, onde as camadas de gelo conseguem proteger esse microbioma fotossintetizante dos níveis elevados de radiação no verão daquela região”, acrescenta a docente. “Quando se pensa em vida microbiana, todas as estratégias possíveis de sobrevivência são encontradas neste grupo capaz de habitar os mais impensáveis ambientes terrestres e, por que não, fora da Terra?”
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