Por que as pessoas ficam irritadas quando estão com fome?

Duas semanas depois de começar uma dieta com restrição ao consumo de carboidratos, a comediante Jess Fostekew se sentiu “hangry” – um neologismo em inglês que surgiu da junção de “hungry” e “angry”, respectivamente “esfomeada” e “irritada”.

“Eu perdi completamente a cabeça num incidente no trânsito”, lembrou Fostekew durante o programa Woman’s Hour, da BBC Radio 4. “O carro atrás de mim, que por acaso estava cheio de homens grandes, buzinou porque não atravessei a tempo o semáforo.”

Depois de sair do carro, desafiá-los para uma briga e ser recebida com risos, ela voltou à direção e deu a partida.

“Em seguida, eu estacionei e comecei a chorar de soluçar – soluços de raiva – e então prometi nunca mais deixar de comer carboidratos.”

Afinal, o que aconteceu com ela?

“Há muito tempo, a ciência sabe que a fome provoca irritação”, diz Sophie Medlin, professora de nutrição e dietética do Kings College London. “Mas o maravilhoso mundo das redes sociais mesclou as duas palavras e nós agora conhecemos (esse fenômeno) como ‘hanger’ (‘hunger’, fome, e ‘anger’, raiva)”.

“Quando o nível de açúcar do sangue cai, ao mesmo tempo sobem os de cortisol e adrenalina – nossos hormônios de luta ou fuga (ou mais conhecidos como do estresse)”, completa.

Além disso, quando o corpo precisa repor a energia com mais alimento, os neurônios liberam os chamados neuropeptídeos, que são substâncias que provocam a sensação de fome no cérebro. “Os (neuropeptídeos) que provocam a fome são os mesmos que provocam irritação, raiva e comportamentos impulsivos. Então, é por isso que você tem este mesmo tipo de resposta”, diz ela.

A ideia de que mulheres ficam com mais raiva quando estão com fome (ou de que o alimento é um conforto principalmente para mulheres) é um estereótipo comum
Todos já espumamos de raiva por causa do vazio no estômago, mas essa reação é frequentemente descrita na mídia como sendo mais aplicável às mulheres do que aos homens. Os artigos sobre essa sensação de fome e irritação geralmente são ilustrados com imagens de mulheres estressadas e aos gritos. Não à toa, fez bastante barulho o tuíte da snowboarder americana Chloe Kim durante as Olimpíadas de Inverno, em fevereiro:

“Eu deveria ter terminado o meu café da manhã, mas o meu ‘eu’ teimoso decidiu não fazê-lo”, escreveu a medalhista de ouro. “Agora estou ficando ‘hangry'”.

As mulheres são, então, mais vulneráveis a essa aflição?

“Absolutamente, não”, diz Medlin. “Isso pode acontecer com qualquer um e, talvez, do ponto de vista da neurociência, seja mais provável de acontecer com homens do que com mulheres”.

Devido à química cerebral dos homens, o efeito ‘hanger’ pode ser mais comum entre homens do que mulheres.
Curiosamente, homens têm mais receptores para os neuropeptídeos, ela explica. Essas substâncias, por sua vez, “são afetadas por coisas como a flutuação de estrogênio, então, pode acontecer de mulheres sentirem ‘hanger’ em momentos diferentes de seu ciclo”, diz Medlin.

Mas “bioquimicamente, na neurologia, os homens são muito mais propensos ao fenômeno do que as mulheres”. Isto por causa dos níveis mais altos de testosterona combinados com mais desses receptores.

Demonstração de raiva
Por isso, aquela visão da “hanger” feminina pode ser simplesmente mais um estereótipo de gênero, o que inclui ainda a estigmatização de homens que demonstram seus sentimentos. “Talvez seja por que (os homens) ainda não se sentem à vontade para falar da relação emocional que eles têm com a comida e a fome, e talvez essa seja a razão por que se acredita que sentir ‘hanger’ é coisa de mulher quando, na verdade, é do ser humano em geral”, diz Jess Fostekew.

“Todos têm uma relação bastante complicada com a comida”, concorda Sophie Medlin.

A “hanger” pode ter um impacto até nos relacionamentos, de acordo com um estudo de 2014 que mostrou que os baixos níveis de açúcar no sangue estão relacionados a mais agressividade entre casais.

Um estudo descobriu que pessoas eram mais agressivas com seus parceiros quando tinham níveis de glicose mais baixos
Durante o experimento, cada participante enfiou um determinado número de alfinetes em um boneco de vodu que representava seu cônjuge – o número variava de acordo com o nível de irritação. Em seguida, o cônjuge irritado ainda emitia sons contra o parceiro, que usava um fone de ouvido. Enquanto isto, os níveis de açúcar eram medidos.

Sem muita surpresa, “os participantes que tinham baixos níveis de glicose enfiaram mais alfinetes no boneco de vodu e gritaram com mais frequência e mais alto contra seu cônjuge”.

E como evitar o temido ‘hanger’?

“Depende de quanto tempo haverá até a próxima refeição”, diz Medlin. “Preferivelmente, você precisa de algo que eleve um pouco o açúcar no sangue e que o mantenha lá. Então, um lanche com algum tipo de carboidrato salgado poder ser a melhor opção.”

Fonte: BBC Brasil


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