Brasil lança hoje plano para abertura comercial
Um novo estudo do governo recomenda uma estratégia para ampliar nossa participação no comércio global e avalia seu impacto em 57 setores, 558 regiões – e no bolso do consumidor
Num momento em que o protecionismo avança no mundo e expressões como “guerra comercial” e “novo mercantilismo” tomam conta das páginas de economia, é alentador o novo estudo que a Secretaria de Assuntos Estratégicos lança hoje, com um plano para a abertura comercial do Brasil.
Somos o segundo país mais fechado do planeta, constata o estudo, com fluxo comercial estimado em pouco mais de um quarto do PIB (na média entre 2012 e 2015, ficamos apenas à frente do Sudão, com seus 20%). O nível de comércio brasileiro é inferior ao de todos os países com renda ou população similar.
A principal consequência do fechamento econômico é a persistência da pobreza. O livre-comércio, com todas as limitações e ressalvas que possam ser feitas a ele, continua a ser a forma mais eficaz para dar um salto no ritmo de crescimento econômico.
Eis as principais recomendações do estudo para abrir o mercado brasileiro:
Eliminar até 2021 todas as tarifas sobre bens de capital e tecnologia;
Extinguir os exames de similaridade feitos antes das importações desses bens;
Reduzir a tarifa externa comum do Mercosul (com impacto imediato de 4,2% nas exportações);
Zerar tarifas para transações com a Aliança do Pacífico, o bloco latino-americano que inclui Chile, México, Colômbia e Peru;
Dificultar a aplicação de medidas antidumping;
Reduzir os níveis tarifários brasileiros consolidados pela Organização Mundial do Comércio (OMC);
Aderir ao acordo para compras governamentais da OMC.
“Uma redução nas tarifas médias brasileiras e maior abertura ao comércio internacional tenderiam a aumentar não só as importações, mas também as exportações e o grau de eficiência de nossa economia”, afirma o estudo. “Ela deve ser pensada ao lado de uma política de requalificação centralizada nos trabalhadores afetados temporariamente pela liberalização.”
Num relatório divulgado neste mês, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que o PIB brasileiro cresceria 8 pontos percentuais a mais ao longo de 15 anos em virtude da redução de tarifas, extinção de barreiras não-tarifárias e maior abertura.
O novo estudo do governo cita uma análise de 24 países que promoveram políticas de abertura comercial na segunda metade do século XX – entre eles Chile (1976), Paraguai (1989), Uruguai (1990), Indonésia (1970), Coreia do Sul (1968) e Taiwan (1963). Na média, houve um salto de 2 pontos percentuais no ritmo anual médio de crescimento econômico – de 1,3% para 3,3%.
Esses dois pontos percentuais por ano representam uma diferença gigantesca cumulativamente. Ela é suficiente para dobrar o padrão de vida da população em 21 anos, em vez de 53 anos. Nações que se abriram para o comércio externo ganharam, portanto, mais de três décadas na velocidade com que dobram a riqueza de seu povo.
O crescimento mais rápido resulta do principal efeito da abertura comercial: aumento na produtividade. Os economistas dividem a produtividade em duas parcelas. A primeira, a Produtividade do Trabalho, mede quanto cada trabalhador produz durante um mesmo período. Ela aumenta como resultado de crescimento populacional ou de investimentos em novas máquinas ou tecnologias.
A segunda parcela, conhecida como Produtividade total dos Fatores (PTF), mede a eficiência com que os recursos são usados na economia. Representa não a capacidade de fazer mais com mais recursos, mas a de fazer melhor com os mesmos recursos. Está, por isso, associada a inovações na tecnologia, na gestão ou nos demais “fatores”. A produtividade do trabalho mede o crescimento por força muscular; a PTF, por capacidade cerebral.
Quando o Brasil promoveu sua primeira onda de abertura, entre 1991 e 1997, a produtividade do trabalho cresceu 18%, e a PTF, 5%. Nos anos seguintes, em que abertura estagnou, a primeira continuou a crescer (mais gente e mais máquinas seguiram produzindo mais).
A segunda, contudo, também estagnou, pois setores que não precisavam competir no mercado global não tinham incentivo a inovar. Depois da crise de 2008, a PTF sofreu um baque que a fez, segundo o estudo, “regredir a níveis mais baixos que os observados nos anos 1990, a despeito de vários estímulos na forma de política industrial”. Abrir nosso mercado seria uma modo bem mais eficaz de impulsioná-la.
A abertura comercial costuma ser objeto de críticas de todo tipo. Na visão mercantilista mais rasteira, reduzir o preço dos importados pela eliminação de tarifas contribui para tornar inviável a produção nacional e gera um déficit crônico na balança comercial, que precisa ser financiado com capital externo. Também elimina empregos nas indústrias que não têm condição de competir com os importados. Abrir o mercado, nessa visão, equivale a “exportar empregos”
A maior parte dessas críticas é descabida. Na prática, o baixo custo de importação beneficia também aqueles produtores que dependem de insumos e tecnologia externos. Com mais condição de competir no mercado global, eles exportam mais. “Exportações e importações são duas dimensões indissociáveis do comércio internacional”, diz o estudo.
Mas isso não significa que abertura seja indolor. A principal crítica – fundamentada – diz respeito a seu efeito nos níveis de emprego em setores e regiões atingidos pela competição. A desolação do Meio Oeste americano ou no Nordeste britânico – fatores essenciais para entender a eleição de Donald Trump e o Brexit – resulta em boa medida da “exportação de empregos” para a China, México e outros países mais competitivos. Nenhuma abertura tem chance de sucesso duradouro sem cuidar dos perdedores.
É justamente esse o ponto que distingue o estudo do governo. Os pesquisadores fizeram uma análise detalhada dos setores e regiões que mais sofreriam com a abertura comercial e propuseram medidas para mitigar os danos.
Entre 57 setores analisados, eles verificaram que 75% se beneficiariam e expandiriam o nível de emprego, em especial os ligados a energia, agronegócio, minerais e químicos. Apenas três – couro, calçados e vestuário – apresentariam uma redução no nível de emprego superior a 0,5% ao longo de um período de 20 anos.
Os preços na economia como um todo, em compensação, cairiam em média 5% como resultado da abertura – com redução de 15% no caso dos têxteis, 13% para bebidas e tabaco, quase 12% para vestuário e 8% para eletrônicos. Em virtude da queda dos preços, a produção para venda local cairia em 19 dos 57 setores analisados.
Em compensação, nos setores mais afetados pela redução no nível de emprego – vestuários, têxteis e couro – haveria maior aumento nas exportações, pois o alto nível de produtividade necessário para as indústrias sobreviverem lhes permitiria competir no mercado global.
O estudo verificou ainda que dois terços das 558 microrregiões brasileiras ganhariam com a abertura comercial. As mais beneficiadas seriam Centro-Oeste, Sul do Piauí e áreas de Roraima, Pará, Amazonas e Amapá, onde o ganho de empregos formais chegaria a 2%. As maiores perdas se concentram no Vale do Itajaí (SC), Sul da Bahia e Noroeste do Ceará.
As áreas que mais perdem são as que apresentam maior índice de proteção tarifária – de até 20%, ante 12% para 80% do país. Nos piores casos, a queda no nível de emprego pode chegar a 1%.
Em muitos estados, como São Paulo, Paraná ou Pará, embora o saldo seja positivo, haverá tanto abertura quanto fechamento de vagas. Ao todo, 3 milhões de trabalhadores sofrerão impacto em todo o Brasil. “A estratégia de transição deve adequar as políticas públicas para permitir que trabalhadores negativamente afetados pelo choque comercial possam ser propriamente atendidos, facilitando sua reinserção no mercado de trabalho”, diz o estudo.
Os pesquisadores estimam que, aperfeiçoando programas do governo já existentes, seria possível requalificar 220 mil trabalhadores por ano, a um custo de R$ 324 milhões. Para não prejudicar as contas públicas, eles sugerem que esses recursos venham dos aportes anuais feitos pelo Tesouro Nacional ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ao todo R$ 16,2 bilhões em 2016.
Todas as sugestões do estudo entrarão agora no terreno pantanoso da política. É previsível que vários interesses estabelecidos façam lobby pela manutenção do statu quo. Neste ano eleitoral, o brasileiro tem pelo menos à disposição agora mais uma ferramenta para avaliar os compromissos dos candidatos com o crescimento e o livre-mercado.
Fonte: G 1