Dodge diz que Brasil vive o momento de maior estabilidade institucional desde 1889
Raquel Dodge
Em sua agenda em Londres, procuradora-geral fez uma palestra sobre escravidão moderna
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou nesta quarta-feira que “o Brasil experimenta o momento de maior estabilidade institucional desde a Proclamação da República 1889, um ano depois da lei que aboliu a escravatura”.
“Não me parece exagero afirmar que instalou-se um ambiente de democracia constitucional”, afirmou a procuradora em um evento na universidade britânica King’s College London, onde fez uma palestra sobre escravidão moderna.
Dodge se recusou a comentar a manutenção da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não posso comentar caso concreto, espero que compreendam. Porque, de acordo com o sistema de justiça brasileiro, há possibilidade de um recurso chegar perante a Corte na qual atuo. Então, não é correto que eu adiante um ponto de vista até porque não conheço meandros do caso.”
A procuradora, contudo, destacou o esforço do Judiciário brasileiro e a estabilidade institucional brasileira.
“Seja em relação ao crime de trabalho escravo, seja em relação ao crime de corrupção e a tudo isso o que vem acontecendo no Brasil muito recentemente, há um esforço genuíno das instituições, seja do Ministério Público, seja do Judiciário, em aplicar a lei”, afirmou a procuradora-geral.
“Esta é uma característica que interpreto como muito autêntica dos tempos que estamos vivendo no Brasil. Há, verdadeiramente, uma atuação que é fundamentada.”
Condenação de Lula
Dodge não fez nenhuma menção direta ao julgamento do recurso do ex-presidente, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, durante a apresentação.
Nesta quarta-feira, a condenação de Lula foi mantida por unanimidade no Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4), que negou o recurso do ex-presidente.
Lula é acusado de ter recebido um apartamento tríplex no Guarujá (SP) da OAS como propina em troca de contratos fraudulentos da construtora com a Petrobras. A construtora, segundo a acusação, também reformou o imóvel para atender as exigências de Lula e da mulher dele, a ex-primeira dama Marisa Letícia, que morreu em fevereiro do ano passado.
Condenação do ex-presidente foi mantida por unanimidade pelos três desembargadores do TRF-4
Os três desembargadores do TRF-4 defenderam manter a condenação e aumentar a pena para o ex-presidente para 12 anos e um mês de prisão em regime fechado.
Lula nega a prática de crimes e a defesa dele argumenta que a acusação não foi capaz de apontar o caminho da propina. Afirma ainda que o ex-presidente nunca foi proprietário do imóvel e que teria manifestado interesse em adquirir outra unidade no mesmo prédio.
A decisão do TRF-4 cabe recurso no próprio tribunal e dificilmente o ex-presidente será preso enquanto puder questionar a sentença na corte de Porto Alegre.
Dodge, em novembro, já havia se manifestado a favor da prisão depois de condenação em segunda instância, desde que esgotadas as possibilidades de recurso no tribunal intermediário.
“Podemos concordar ou não com os resultados, mas não se pode dizer que está sendo feito de modo escamoteado, de modo dissimulado. As instituições brasileiras estão funcionando bem”, disse a procuradora.
Protesto
Na porta do King’s College, dez manifestantes protestaram contra a condenação do ex-presidente e também contra a procuradora. Dodge foi indicada ao cargo pelo presidente Michel Temer (PMDB) em um procedimento que contraria uma tradição estabelecida na gestão Lula: ela não foi a mais votada pelos pares para ocupar o posto.
A escolha gerou questionamentos sobre a disposição da procuradora de manter o ritmo das investigações da Lava-Jato. As críticas sempre foram rechaçadas por Dodge.
“Raquel Dodger (sic) é parte do golpe em curso contra a democracia no Brasil”, dizia um dos cartazes. Outro exibia os dizeres: “Lula é inocente”. Havia ainda pôster contra a Rede Globo.
Os manifestantes exibiram ainda bandeira do PT, do Brasil e a faixa #standwithLula (estamos com Lula).
Raquel Dodge está na capital britânica desde segunda-feira, quando participou de um evento que também discutiu escravidão moderna no FCO (Foreign & Commonwealth Office), o ministério das relações exteriores do Reino Unido.
“Há quase duas décadas atuo contra a escravidão contemporânea no Brasil. É incompatível com a dignidade humana, que me incumbe defender enquanto procuradora”, disse Dodge, que diz que o crime de escravidão pode ser, em alguns casos, encarados como “crime de colarinho branco”.
‘Seja em relação ao crime de trabalho escravo, seja em relação ao crime de corrupção (…), há um esforço genuíno das instituições’, disse Dodge em Londres
Segundo a própria procuradora, ela tem uma visão diferente do entendimento jurídico predominante no Brasil e em muitos países em relação ao tema.
Para Dodge, configura escravidão moderna não apenas quando há controle por restrição física, imposição jornada exaustiva de trabalho, pagamento insuficiente e punições físicas, mas também quando existe coerção psicológica. “Como ocorre na servidão por dívida”, observou.
O governo Temer recentemente propôs uma mudança no entendimento de trabalho escravo brasileiro – que tornava mais restritiva a interpretação – mas voltou atrás.
Ela disse ainda que inspeções identificaram muitos casos de trabalhos análogos à escravidão em Estados onde há derrubada da floresta amazônica para expansão da fronteira agrícola brasileira.
“Enfrentar a escravidão moderna é uma tarefa que precisa ser exercida por cada país e contar com colaboração internacional”, afirmou, emendando que se trata de “um tema complexo, de grande proporção e voltado para gerar lucro”.
Na agenda da procuradora, havia ainda encontros previstos com representantes do Ministério Público e com a presidente e da Suprema Corte britânica.
Durante a visita de Dodge a Londres, a Procuradoria Geral da República firmou um termo de entendimento com o SFO (Serious Fraud Office), a agência anticorrupção britânica, para troca de informações entre Brasil e Reino Unido envolvendo casos de fraude.
Fonte: BBC Brasil