Na última semana, jornais de todo o mundo divulgaram os resultados do trabalho de reconstrução da mensagem encontrada há quase quatro décadas em uma floresta ao lado do famoso campo de extermínio Auschwitz-Birkenau. Atribuída a Marcel Nadjari, judeu de origem grega, a carta revela a miséria que “a mente humana não pode imaginar”.
Parte de um conjunto de cinco mensagens, o material localizado em 1980 dentro de uma garrafa térmica – e só agora processado e codificado, revela as atrocidades realizadas sob jugo nazista: prisioneiros recebiam ordens para execução de tarefas cotidianas que eram refutadas pelos militares alemães. Chamado de “Sonderkommando”, esse grupo tinha dentre suas atribuições, enterrar os corpos dos executados e limpar as câmaras de gás: “Após meia hora, nós abrimos as portas e o nosso trabalho começa”, descreve Nadjari sobre a sua função, que era a de carregar os corpos da câmara de gás para os fornos de cremação, e detalha: [onde] “um ser humano se transforma em cerca de 640 gramas de cinzas”.
Nadjari, um dos cem sobreviventes do “Sonderkommando”, pelotão formado por cerca de 2 mil prisioneiros, em sua mensagem se questiona “Se alguém ler sobre as coisas que fizemos, irá dizer: ‘Como alguém poderia fazer aquilo, queimar seus companheiros judeus?’, e ele mesmo responde: “Foi isso o que eu também disse no início, e pensei várias vezes”.
O horror do Holocausto vem sendo, ao longo dos últimos 72 anos, contado e recontado não apenas pelos sobreviventes, mas pelas segunda e terceira gerações de judeus que, com cicatrizes profundas, não se podem permitir que a memória de tais atrocidades se apague. O mesmo acontece com estudiosos do assunto, que por meio de análises teóricas – e especificamente em meu caso, análises envolvendo obras literárias, procuram chamar a atenção da sociedade para aquele que provavelmente seja o mais pavoroso episódio da História da Humanidade.
Na literatura, no cinema, obras de ficção e não-ficção como documentários e relatos memoriais nos revelam a amplitude do mal capaz de se esconder na natureza humana. O pijama listrado e as estrelas de Davi no peito, sempre serão símbolos do indizível, que movimentos buscam desacreditar ou negar ou ressuscitar, razão pela qual, mensagens como a de Marcel Nadjari devem ser mais e mais divulgadas.
Promover reflexões acerca do Holocausto, e de todas as imagens que vivem em nossa memória coletiva, como o portão do campo de Auschwitz-Birkenau, os trens, os vagões de madeira cheios de crianças, mulheres e anciãos, que como gado, chegavam após dias, semanas de viagem, sem terem recebido água ou comida, trazendo em si um último fio de esperança, sem saberem qual seria o desfecho para a maioria dos milhões de prisioneiros que viveram essa mesma cena, neste ou em qualquer outro campo e refutar veementemente que o ideal Nazista ressurja no século XXI em movimentos como a Marcha de Charlottesville é dever de cada um, seja como descendente, como estudioso ou como cidadão: divulgar os horrores do Holocausto e manter viva essa memória é nosso dever, como ser humano.
(*) João Paulo Vani é atualmente pesquisador visitante na University of Louisville (KY), nos EUA e aluno de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Letras da Unesp/São José do Rio Preto.