Expansão do agronegócio aumentou população e criou ‘vazios urbanos’

Estudo afirma que vazios começaram na década de 1960.

Campo Grande tem cerca de 35% do território urbano formado por ‘vazios’, segundo estudo coordenado pelo pesquisador de arquitetura da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Angelo Arruda. A expansão das fronteiras agrícolas do Estado e a consolidação do agronegócio têm relação direta com esse problema. É o que indica um estudo desenvolvido pelo Planurb (Instituto municipal de planejamento urbano) e adicionado à revisão do plano diretor elaborada pela Urbitec, empresa contratada durante a gestão de Alcides Bernal (PP).

Os vazios urbanos são um dos principais desafios da administração municipal em uma cidade que tem cerca de 154,45 Km² de perímetro urbano para pouco mais de 800 mil habitantes. Os especialistas em urbanismo que participam das discussões da revisão do Plano Diretor afirmam que solucionar os vazios resolveria uma série de problemas: favelas, dificuldade na mobilidade e falta de dinheiro para levar infraestrutura à periferia.
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Expansão do agronegócio
Em 1919 o número de habitantes da Capital era de apenas 3.367, com taxa de crescimento de 10% ao ano. Ao final da década de 1920 esse número pula para 10.117. Em 1940, a cidade tinha apenas 25 mil habitantes. De acordo com o estudo publicado pelo Planurb, Mato Grosso do Sul foi alvo, na década de 1960 de grande fluxo migratório.

À época, o território ainda integrava o Estado de Mato Grosso e a expansão das fronteiras agrícolas no centro-oeste intensificou a migração de pessoas para Campo Grande, seja pela busca de oportunidades no Estado ou pela expulsão do campo de quem vinha do interior,

Como resultado, as pessoas começaram a se abrigar nas margens da cidade. “Para acomodar esse contingente de novos moradores surgem grandes loteamentos afastados do núcleo central da cidade, em geral concentrados ao longo das rodovias de acesso à cidade, destinados a abrigar prioritariamente a população mais carente”, afirma a publicação.

“Tem-se assim uma explosão do tecido urbano, a formação de vazios urbanos, a necessidade de grandes deslocamentos desses moradores para acessar o centro e o conflito de uso das rodovias como ligações centro-bairro. A área central se consolida como local infraestruturado, polo de serviços e de equipamentos de uso coletivo, enquanto que os bairros periféricos são marcados pela precariedade da habitação, de infraestrutura e serviços, portanto dependentes do centro”.

Tragédia anunciada
Já naquela época, segundo a pesquisa, os problemas urbanos de Campo Grande eram discutidos. No final da década de 1960 a Prefeitura Municipal contratou uma empresa de consultoria de São Paulo, Hidroservice, para desenvolver um Plano de Desenvolvimento Integrado para a cidade.

Nos levantamentos realizados pela empresa, conforme o estudo, “constatou-se a extrema deficiência de infraestrutura nos bairros periféricos; a pavimentação só existia no centro e nas vias principais, a rede de coleta de esgotorestringia-se ao centro e o abastecimento de água atendia o centro e alguns bairros maisadensados”.

O problema dos vazios urbanos pode ter começado na década de 1960, mas perdura até hoje. Um morador da região das Moreninhas, por exemplo, leva mais de 30 minutos para alcançar o centro. Além disso, a Capital que antes carregava o slogan de cidade sem favelas, hoje já tem diversos núcleos de ocupações irregulares, que aumentam cada dia mais.
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“O crescimento da população nas décadas de 1970 e 1980, a importância da proximidade a áreas mais centrais em função da localização dos polos geradores de emprego aos equipamentos públicos e também a dificuldade de acesso à moradia ocasionaram a origem de ocupações irregulares em áreas públicas, principalmente ao longo dos cursos dos córregos urbanos, em áreas sujeitas à inundação. Além disso, havia áreas de alagamentos na área central que prejudicavam as atividades comerciais e o transporte urbano”, comenta o estudo.

Para se ter uma ideia, o número de pessoas morando em residências de Campo Grande em 1970 era 26.394. Já em 1980, esse número salta para 62.908.

Representante do CREA-MS (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso do Sul) na revisão do plano, o engenheiro Aroldo Figueiró, explica que essa ocupação da cidade acompanhava uma lógica familiar que também mudou.

“Até 1960 mais ou menos a gente comprava terreno para os filhos, meus avós, por exemplo, compraram muitas áreas. Mas aí, Campo Grande era uma cidadezinha, nós tínhamos 25 mil habitantes. Aí de repente nós passamos para quase R$ 1 milhão. Aí houve uma supervalorização de alguns locais”, explica.

O que Aroldo explica também é citado no estudo, que afirma que já na década de 1960 a especulação imobiliária valorizou e encareceu o centro e atuou para expulsar a população para as margens:

“Segundo Silva (2007), ‘é importante salientar que tal dispersão espacial não se devenecessariamente à ausência de barreiras físicas, mas sim pela política urbana adotadapelo poder público municipal e também pela forte influência dos proprietários fundiários e dos promotores imobiliários que atuaram com o propósito de obter lucro, gerando especulação imobiliária’”.

Dessa forma, sobrou à população mais pobre, loteamentos afastados e mais baratos. “São dessa época os conjuntos Moreninhas I, II e III, e Coophavilla,implementados a partir da política nacional de habitação e localizados aaproximadamente 15km de distância do centro de Campo Grande. O acesso a estasáreas se dava por poucas vias, em geral as rodovias, que acabaram por desempenharum papel local de conexão ao centro da cidade”.
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Como resolver?
Arquiteto, Jean Claud faz parte do DAEX (Departamento de Auxílio aos órgãos de Execução), órgão de perícia técnica do MPE-MS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul). Ele explica que a tentativa, hoje, é de fazer com que a cidade se adeque a um modelo mais moderno, já que a ideia de ‘cidade espraiada’ não acomoda mais a realidade brasileira, pois gera conseqüências sociais, ambientais e até mesmo econômicas.

“Estudos urbanísticos indicam que a urbanização compacta tem vários benefícios, tais como: preservação de espaços não urbanizados necessários à qualidade do meio ambiente urbano, tais como preservação de áreas ambientais e reserva de áreas para recreação; economias nos custos de urbanização; redução do consumo de energia per capita; intensificação da vida urbana; dentre outros”, complementa.

Para Jean, o momento é crucial para discutir instrumentos que poderiam promover a ocupação dos vazios, como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) Progressivo e o estabelecimento de um coeficiente único para construir.

O IPTU Progressivo pode taxar gradativamente os proprietários que não derem uma destinação aos locais. Já o coeficiente igual para todos os moradores pode planejar melhor onde os núcleos de urbanização ocorrem, evitando as ‘ilhas verticais’ e a supervalorização de algumas áreas.
“Existem também vários outros instrumentos urbanísticos para atender a população de baixa renda, porque isso é uma deficiência histórica no processo de ocupação das cidades brasileiras, marcadas por processos de urbanização excludentes. Um desses instrumentos consiste nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). A prefeitura pode delimitar áreas da cidade destinadas a implantação de programas habitacionais para população de baixa renda. Isso é uma discussão muito importante também”, complementa.

O arquiteto destaca que as ZEIS possuem vários objetivos, dentre eles “ampliar a oferta de infraestrutura e equipamentos urbanos para esse tipo de área; introduzir a gestão participativa na definição dos investimentos públicos em áreas de interesse social; reconhecer a diversidade no processo de desenvolvimento urbano; promover a regularização fundiária das áreas socialmente frágeis; aumentar a oferta de terras para os mercados urbanos de baixa renda; favorecer a produção de Habitação de Interesse Social”.
JL MAT.CONST.
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Revisão atrasada
Campo Grande já tem um Plano Diretor, a lei 94/2006, que orienta as políticas públicas na cidade. A revisão desse documento, segundo o Estatuto das Cidades (lei federal de 2001), deve acontecer a cada 10 anos. Em 2016, a administração deveria ter finalizado o novo plano, mas questionamentos quanto à discussão junto a sociedade fizeram com que a revisão tivesse que voltar ao processo de consulta popular.

A revisão tem, agora, 3 minutas: uma elaborada pela Urbitec (empresa contratada pela administração de Alcides Bernal); outra que foi resultado da minuta elaborada pela empresa após discussão em reuniões e audiências; e por último, uma apresentada pela administração de Marquinhos Trad (PSD).

A reportagem consultou o Planurb (Instituto municipal de planejamento urbano), sobre o IPTU Progressivo e outros instrumentos discutidos no Plano, mas ainda não recebeu resposta. Entre junho e julho, o Planurb realiza reuniões nos bairros para discutir a revisão. O Jornal Midiamax traz, ao longo desta semana, uma série de matérias discutindo pontos que geraram polêmica na revisão do plano.MIDIAMAX

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