‘Meu amor não vê câncer’, diz mulher que está com marido desde 13 anos

Fábio e Mariana decidiram ter filho na adolescência para ficarem juntos.
Para alegrar a casa, ele até usa peruca feita com os cabelos raspados dela.

Foi Fábio quem levou Mariana até o salão para raspar a cabeça. O tratamento contra o câncer havia começado, mas ela resistia à ideia, juntava os chumaços pela casa e se entristecia. “Vamos atrás de uma peruca?”, o marido disse, e logo achou na internet um salão que oferecia o serviço completo.
“Saí de lá de peruca, não me reconheci no espelho, mas ele já tinha um programa para nós dois. Fomos jantar fora, ele levantou meu astral. É um amor que não vê o câncer”, diz hoje a bioquímica Mariana Leone, de 41 anos.
O episódio do salão aconteceu há dois anos e meio, e foi apenas um dos vários desafios que os dois, que vivem em Balneário Camboriú, no Litoral catarinense, enfrentaram desde que se conheceram, há quase 30 anos, no Paraná.
Mariana e Fábio Leone, no aniversário dela de 15 anos (Foto: Arquivo Pessoal)

Mariana e Fábio no aniversário de 15 anos dela:
gravidez veio em seguida (Foto: Arquivo Pessoal)
Alunos da mesma escola na infância, Mariana tinha 13 anos e Fábio, 15, quando começaram a namorar – à distância, porque ele foi fazer o ensino médio em outra cidade. Mas a pouca idade não impedia que soubessem que queriam ficar juntos para sempre. Então, para quê esperar? As famílias não gostavam nada da história.
Grávida de propósito aos 16
Foi depois da festa de 15 anos dela que os dois tiveram a “mirabolante” ideia. “Vamos engravidar para casar?” E assim, o plano adolescente virou realidade. “Engravidei de propósito aos 16 anos”, conta Mariana. Ainda assim, os pais foram contra o casamento. “Vão viver do quê, de amor?”, diziam os parentes. “Achávamos que sim. E deu tudo certo”, constata Mariana.
Não foi fácil, eles reconhecem. “Tudo foi sempre muito difícil. Ninguém acreditava na gente”, lembra Fábio, hoje com 43 anos. Os percalços começaram já na lua de mel – sim, os dois bateram o pé e casaram, e ele mal havia começado a faculdade. “Fomos para um hotel no interior e me queimei em uma caldeira. No outro dia, levei um tombo: fiquei com metade do corpo queimado e a outra metade roxa, e ainda por cima grávida”, recorda Mariana
O périplo não parou por aí: Mariana ainda foi bicada por um ganso. Na volta da viagem, a chave do apartamento que o pai dela havia dado para os dois morarem quebrou na fechadura. “Diziam que tudo isso era sinal de que não daria certo”, conta ela.
Mas deu. O filho nasceu e, por um tempo, Fábio largou os estudos para trabalhar com o pai. Mariana ficou em casa, dedicada à criança. Com o passar dos anos, ele se tornou empresário e ela, farmacêutica bioquímica. Praticavam mountain bike juntos, o filho estava na faculdade, tudo ia bem. Até que veio a notícia do sarcoma ósseo de Mariana, há três anos.
‘Câncer com alegria’
“Cheguei em casa e ela tinha pego o resultado dos exames. Estava triste, abalada, abatida”, conta Fábio. “Eu achei que ia morrer”, lembra Mariana. Os dias seguintes não foram fáceis. Ele disse que não reconhecia a pessoa com quem havia se casado tanto tempo atrás, alegre, feliz, risonha. Ela achou que ele estava sendo insensível.
Até que Mariana ouviu Fábio dizer: “O problema existe, tá aí. Vá plantar uma árvore, escrever um livro, fazer um blog, vá evangelizar. Faça qualquer coisa”.
Hoje, Mariana não hesita em dizer que o marido é seu “grande incentivador”, ao lado do filho, de 24 anos. Quando raspou a cabeça, Fábio fez o mesmo. “Ele nunca me coloca numa situação de alguém que está doente. Até em relação às mudanças físicas. Antes do câncer eu tinha outra aparência, era magrinha, malhada. Com o tratamento, fiquei mais inchada”.
E foi com a ajuda do marido que Mariana recuperou a autoestima que ela achava que havia perdido junto com os cabelos. “Ele foi fantástico na nossa primeira noite, a careca virou fetiche”, lembra Mariana. “Se era verdade ou não, me fez sentir muito bem”.
Meu marido me disse: ou você escolhe viver o câncer com tristeza, e isso não vai funcionar, ou vai viver com alegria”

Mariana Leone, bioquímica
Ela até hoje se recorda das palavras de Fábio na conversa que tiveram assim que receberam a notícia da doença: “Ou você escolhe viver o câncer com tristeza, e isso não vai funcionar, ou vai viver com alegria”, disse Fábio na época.
“A expressão câncer com alegria me marcou”, lembra Mariana. Tanto que ela criou um blog com esse nome para ajudar outras pessoas a enfrentarem a doença de uma maneira mais leve, e também se tornou palestrante.
No ano passado, quando completaram 25 anos de casados, os dois se casaram de novo, numa cerimônia simbólica. E Mariana decidiu fazer um ensaio vestida de noiva, careca. “Queria incentivar outras mulheres com problemas crônicos a fazerem casamentos. Acabou virando uma campanha nacional”.
A peruca de Fábio
Com os cabelos que Mariana raspou naquele dia, há mais de dois anos, Fábio mandou fazer um aplique. “Mas ela não conseguiu usar, daí eu acabei pegando pra mim”. Cada vez que tem festa em casa – e ela vive cheia de amigos – Fábio coloca um boné e o aplique com os cabelos de Mariana, para descontrair. Cuida deles, lava com xampu e, se por acaso perde, não sossega até encontrar.
Para este Dia dos Namorados, os dois ainda não têm planos. “Por causa do tratamento a gente não pode se programar muito. Às vezes tenho enjoo, fico fraca, não consigo fazer nada. Pode ser uma saída para dançar ou simplesmente fuçar nas plantas, a gente inventa na hora”, diz Mariana.
“É outro segredo nosso, não existe cobrança de ter que fazer tal coisa só por causa de uma data”, diz Fábio. “Não é um dia especifico, o amor é todo dia”.
O tratamento continua, a doença ainda não está completamente curada, mas Mariana segue esperançosa ao lado do marido e do filho, que formam o que ela chama de um “tripé”. Os últimos dias foram bons, ela diz. “Meus cabelos estão começando a crescer”.
Careca por causa do tratamento contra o câncer, Mariana fez ensaio de noiva (Foto: Arquivo Pessoal)
Careca por causa do tratamento contra o câncer, Mariana fez ensaio vestida de noiva (Foto: Arquivo Pessoal)G-1
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