À medida que se intensifica a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, vêm chamando a atenção os níveis cada vez mais altos de tarifas impostas pelos dois países às importações mútuas.
Mas a criação de tarifas de importação recíprocas sobre os produtos americanos não é a única forma de retaliação disponível para Pequim.
A China também criou controles de exportação sobre uma série de minerais críticos, terras raras e ímãs, o que representa um golpe considerável para os Estados Unidos.
A decisão expôs como os americanos dependem desses minerais.
Mas por que as terras raras são tão importantes? E como elas podem sacudir a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos?
O que são terras raras e para que servem?
As “terras raras” são um grupo de 17 elementos quimicamente similares que são fundamentais para a fabricação de muitos produtos de alta tecnologia.
A maioria delas é abundante na natureza. Mas elas são chamadas de “raras” porque é muito difícil encontrá-las em forma pura – e sua extração é muito arriscada.
Os nomes nomes de algumas dessas terras raras podem não ser familiares, como neodímio, ítrio e európio. Mas você certamente conhece muito bem os produtos fabricados com elas.
O neodímio, por exemplo, é empregado para fabricar os poderosos ímãs usados em alto-falantes, discos rígidos de computador, motores de veículos elétricos e motores a jato, permitindo que eles sejam menores e mais eficientes.
Ítrio e európio são utilizados para fabricar telas de televisores e monitores de computador, devido à sua forma de exibição de cores.
“Tudo o que você pode ligar e desligar, provavelmente, depende das terras raras”, explica o diretor da empresa Ginger International Trade and Investment, Thomas Kruemmer.
As terras raras também são fundamentais para a tecnologia médica, como cirurgias a laser e exames de ressonância magnética, além das principais tecnologias de defesa.
Até onde vai o controle da China?
A China detém quase o monopólio da extração das terras raras e seu refino, que é o processo de sua separação de outros minerais.
A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a China é responsável por cerca de 61% da produção de terras raras e 92% do seu processamento.
Isso significa que o país atualmente domina a cadeia de fornecimento de terras raras e têm o poder de decidir quais empresas podem ser abastecidas e quais não podem.
A extração e o processamento das terras raras são processos caros e poluentes.
Todas as terras raras contêm elementos radioativos. Por isso, muitos outros países, como os membros da União Europeia, relutam em produzi-los.
“Os resíduos radioativos da produção certamente exigem descarte seguro, apropriado e permanente”, explica Kruemmer. E, “atualmente, todas as instalações de descarte da União Europeia são temporárias”.
Mas a dominância chinesa da cadeia de abastecimento de terras raras não veio da noite para o dia. Ela é o resultado de décadas de investimentos e políticas governamentais estratégicas.

Em 1992, durante uma visita à Mongólia Interior, no norte da China, o então líder chinês Deng Xiaoping (1904-1997), responsável pelas reformas econômicas realizadas no país, fez a declaração que ficou famosa:
“O Oriente Médio tem petróleo e a China tem terras raras.”
“Desde o final do século 20, a China prioriza o desenvolvimento das suas capacidades de mineração e processamento de terras raras – muitas vezes, a custos trabalhistas e com padrões ambientais inferiores a outras nações”, afirma o pesquisador de materiais críticos Gavin Harper, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
“Isso permitiu que eles ultrapassassem os concorrentes globais e construíssem quase um monopólio de toda a cadeia de valores, da mineração e refino até a fabricação de produtos acabados, como ímãs.”
Como a China restringiu a exportação desses minerais?
Em resposta às tarifas de importação impostas por Washington, a China começou, no início de abril, a criar restrições à exportação de sete minerais de terras raras. A maioria deles é conhecida como terras raras “pesadas”, que são fundamentais para o setor de defesa.
Trata-se de substâncias menos comuns e de processamento mais difícil que as terras raras “leves”. Por isso, elas também são mais valiosas.
Desde o dia 4 de abril, todas as empresas precisam obter licenças de exportação especiais para enviar terras raras e ímãs para fora do país.
A decisão foi possível porque, como signatária do Tratado Internacional de Não Proliferação de Armas Nucleares, a China tem capacidade de controlar o comércio de “produtos de duplo uso”.
O Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla inglês) afirma que esta medida deixa os Estados Unidos particularmente vulneráveis – e não existe capacidade de processar terras raras pesadas fora da China.

Quais impactos a medida poderá trazer para os EUA?
Um relatório geológico dos Estados Unidos indica que, entre 2020 e 2023, 70% de todas as importações americanas de metais e compostos de terras raras vieram da China.
Ou seja, as novas restrições podem atingir duramente os Estados Unidos.
As terras raras pesadas são empregadas em muitos campos militares, como a produção de mísseis, radares e ímãs permanentes.
Um relatório do CSIS (um centro de pesquisa e estudos nos EUA) indica que tecnologias de defesa, como os jatos F-35, os mísseis Tomahawk e os veículos aéreos não tripulados Predator, dependem desses minerais.
O organismo também destaca que a medida surge no momento em que a China “amplia sua produção de munições e adquire equipamentos e sistemas de armas avançadas a uma velocidade cinco a seis vezes maior do que os Estados Unidos”.
Para Kruemmer, “o impacto sobre a indústria americana de defesa será substancial”.
E não apenas neste setor. As indústrias americanas – que Trump espera fazer reviver com a imposição das tarifas de importação – correm o risco de sofrer graves prejuízos.
“Os fabricantes, particularmente dos setores de defesa e alta tecnologia, podem enfrentar escassez e atrasos de produção, devido à suspensão dos embarques e aos estoques limitados”, segundo Harper.

“Espera-se que os preços das terras raras críticas subam, aumentando os custos imediatos dos componentes empregados em uma ampla variedade de produtos, desde smartphones até equipamentos militares”, explica ele.
Harper destaca que essa situação poderá resultar em possíveis atrasos de produção para as empresas americanas afetadas.
Se a falta de abastecimento da China persistir a longo prazo, os Estados Unidos poderão começar a diversificar suas cadeias de fornecimento e escalonar suas capacidades domésticas de processamento.
Mas esse processo exigiria “investimentos substanciais e prolongados, avanços tecnológicos e custos gerais possivelmente superiores à dependência anterior da China”.
Ficou claro que essa possibilidade já está na mente de Donald Trump. Nesta semana, o presidente ordenou uma investigação sobre os riscos à segurança nacional causados pela dependência americana desses minerais críticos.
“O presidente Trump reconhece que a dependência excessiva de minerais críticos estrangeiros e seus produtos derivados poderá prejudicar as capacidades de defesa, desenvolvimento de infraestrutura e inovação tecnológica dos Estados Unidos”, segundo a ordem.
“Os minerais críticos, incluindo elementos de terras raras, são essenciais para a segurança nacional e a resiliência econômica.”
Os EUA não podem produzir suas próprias terras raras?
Os Estados Unidos possuem uma mina de terras raras em operação. Mas o país não tem a capacidade necessária para separar terras raras pesadas e precisa enviar o minério para processamento na China.
Já existiram empresas fabricantes de ímãs de terras raras nos Estados Unidos. O país era o maior produtor de terras raras do mundo até os anos 1980.
Mas essas empresas deixaram de operar quando a China começou a dominar o mercado, em termos de custo e escala.
Acredita-se que esse processo seja uma das razões da forte disposição de Donald Trump em assinar um acordo de minerais com a Ucrânia, o que reduziria sua dependência da China.
Outro local na mira do presidente americano é a Groenlândia, que detém a oitava maior reserva de terras raras do planeta.
Trump vem demonstrando repetidamente seu interesse em assumir o controle do território dinamarquês autônomo. E não descartou o uso de força militar ou econômica com esse propósito.
Os Estados Unidos poderiam ter recorrido a esses lugares como fonte de parte das suas importações de terras raras. Mas o tom antagônico de Donald Trump frente a esses territórios pode ter deixado os Estados Unidos com muito poucas alternativas de fornecedores.
“O desafio enfrentado pelos Estados Unidos é duplo”, explica Gavin Harper. “De um lado, o país se afastou da China, que detém o monopólio de fornecimento das terras raras.”
“E, de outro lado, os Estados Unidos também antagonizam com muitos países que, antes, eram amigos e colaboradores, impondo tarifas de importação e outras ações hostis.”
“Só o tempo dirá se eles ainda irão priorizar a colaboração com os Estados Unidos, no turbulento ambiente político deste novo governo”, conclui o pesquisador. BBC