O Lifestyle ao Minuto esteve à conversa com o investigador Rui Miguel Costa, a propósito do estudo ‘Solidão as Redes Sociais’, feito em Portugal pelo Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida e pelo Observatório Social da Fundação La Caixa.
Num mundo cada vez mais online e em que é normal usar o Facebook, o Instagram, o Twitter, o Reddit ou o TikTok para comunicar com outras pessoas, um estudo (‘Solidão nas Redes Sociais’) realizado em Portugal pelo Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA) e pelo Observatório Social da Fundação La Caixa mostra que os portugueses que passam muito tempo nas redes sociais se sentem mais sozinhos. Só que os investigadores também descobriram que o sentimento de solidão mantém-se mesmo quando o tempo passado online não interfere com os contactos frente a frente.
Então, o que está em causa? “As pessoas com mais contatos sociais online até costumam ter mais contatos cara a cara, mas ao fazerem muito uso da comunicação online têm tendência a sentir-se sós”, explica o investigador Rui Miguel Costa ao Lifestyle ao Minuto.
O responsável entende que isto ocorre “porque o cérebro humano evoluiu de forma a que só sintamos plena conexão social quando os outros estão fisicamente presentes”.
Se a comunicação online for muito frequente, os sentimentos de solidão e vazio amplificam-se
São os solitários que procuram as redes sociais ou são as redes sociais que os tornam solitários?
Ambas as situações são possíveis. As pessoas mais solitárias tenderão a recorrer mais às redes sociais e as redes sociais podem aumentar os sentimentos de solidão, mas não necessariamente o isolamento social. Ou seja, as redes poderão fazer os seus utilizadores sentirem-se mais sós, mesmo quando têm muitos laços sociais. O que está aqui em causa são sentimentos de solidão em pessoas que não estão solitárias. É a chamada solidão subjetiva. Na verdade, as pessoas com mais contatos sociais online até costumam ter mais contatos face a face, mas ao fazerem muito uso da comunicação online têm tendência a sentirem-se sós. Isto ocorrerá porque o cérebro humano evoluiu de forma a que só sintamos plena conexão social quando os outros estão fisicamente presentes. No fundo, a comunicação online nunca suprime completamente a necessidade de conexão social. Mais: se a comunicação online for muito frequente, os sentimentos de solidão e vazio amplificam-se. Ao tentar ultrapassar esse sentimento de vazio com mais comunicação online, gera-se um círculo vicioso.
Em traços gerais, o que mostra o estudo feito pelo ISPA e pelo Observatório Social da Fundação La Caixa?
O estudo confirmou, numa amostra de cinco mil portugueses, que há uma relação entre solidão e dependência das redes sociais e que não é algo somente explicado pela insatisfação com a situação vivida com os amigos, família e na relação amorosa. É também explicada pelas comparações sociais negativas com o que os outros publicam nas redes sociais e pelo desapontamento por não se ter a atenção desejada dos outros nas redes. Uma interpretação dada por nós é que, para não se sentir só, o ser humano precisa, por um lado, de relações satisfatórias com um pequeno número de pessoas próximas e, por outro, de um sentimento de pertença a um grupo mais alargado. Tradicionalmente, isto é conseguido através de atividades culturais que promovem este sentimento de pertença a uma sociedade e permitem conhecer novas pessoas. Com as redes sociais, vem a promessa de um contacto fácil com um grupo alargado de pessoas. Só que, com alguma frequência, isto desencadeia comparações sociais negativas e deceção com a falta de mensagens positivas e tudo isto poderá causar solidão. Para além disto, mesmo que só venham mensagens positivas de apoio, a solidão não é inteiramente eliminada, uma vez que não há pessoas fisicamente presentes a transmiti-las. Ainda de acordo com o nosso estudo, a probabilidade de os sentimentos de solidão ocorrerem vai aumentando à medida que a dependência das redes sociais aumenta, independentemente do sexo e da faixa etária.
A solidão pode resultar numa série de doenças e reduz o tempo de vida
O tempo passado online interfere com o que passamos com pessoas frente a frente, fora da Internet?
Poderá interferir, mas não necessariamente. Com os smartphones podem levar-se as conexões virtuais para os encontros presenciais, só que com alguma frequência a atenção dada aos smartphones interfere com a atenção aos outros que estão ali ao lado. Isto também pode provocar dificuldades nas interações sociais e nos relacionamentos pessoais. Um uso muito frequente das redes sociais pode interferir na produtividade laboral e académica, nas atividades do dia a dia e na vida social. As redes sociais também podem servir para reduzir o stress e não pensar em problemas, mas isto não permite que as contrariedades sejam enfrentadas de forma construtiva. Atualmente, há vários estudos a demonstrarem que o uso frequente das redes sociais aumenta o risco de depressão, ansiedade, stress e solidão.
Que efeitos físicos tem a solidão?
A solidão pode resultar numa série de doenças e reduz o tempo de vida. Já existem muitos estudos a demonstrar que as pessoas que se sentem mais sós tendem, de um modo geral, a morrer mais cedo.
No seu entender, o que deve ser feito para travar o aumento da solidão, principalmente tendo em conta que as redes sociais são praticamente indispensáveis na sociedade em que vivemos, quer seja para lazer ou para trabalho?
Há uma grande margem para reduzir o uso de redes sociais e reencontrar formas de nos mantermos ocupados. Vários estudos mostram que é possível reduzir a utilização das redes com benefícios para a saúde mental e para diminuição dos sentimentos de solidão. Paralelamente, é perfeitamente fazível começarmos a dar mais importância às interações sociais face a face, tanto com pessoas mais próximas, como menos próximas, incluindo também não estar permanentemente a olhar para o smartphone quando se está a falar com alguém. É igualmente possível perceber que quando estamos sem nada para fazer não precisamos de nos ir logo agarrar ao telemóvel e que, em vez disso, podemos focar mais a atenção nos nossos pensamentos e sentimentos, nas nossas sensações corporais e no mundo à nossa volta, tudo isto sem nenhum objetivo particular em mente. Em inglês, chama-se a este processo ‘mind-wandering’ – poderíamos traduzir como o vaguear da mente. É algo que tem o potencial de ser benéfico para a criatividade, para o planeamento das nossas atividades, para uma maior consciência de nós mesmos, mas que é incompatível com a permanente atenção ao telemóvel.
Há países que já têm um Ministério da Solidão. Faria sentido em Portugal?
Penso que sim. Pelo menos, uma secretaria de Estado da solidão. Aliás, isso tem sido proposto pelo diretor do Observatório da Solidão, o professor Adalberto Dias de Carvalho. A solidão é um problema em si mesmo e um problema pelos riscos que tem para a saúde.
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