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- Author,Mariana Schreiber
- Role,Da BBC News Brasil em Brasília
Ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, que hoje se define como agroambientalista, se tornou uma das principais vozes da aliança entre agronegócio e sustentabilidade no país – e um dos maiores críticos da ala do setor que segue produzindo de forma degradante e tem força no Congresso para pressionar por leis que reduzem a proteção ambiental.
Apesar da sua visão crítica sobre parte do agro, não concorda com os que direcionam ao setor a responsabilidade por eventos climáticos extremos como as inéditas enchentes que colocaram o Rio Grande do Sul em estado de calamidade.
Para ambientalistas, o avanço da soja sobre a vegetação nativa contribuiu para as inundações, ao reduzir, por exemplo, a capacidade do solo de reter água.
“Acho um comportamento abutre começar a apontar dedos. O setor de uso da terra no mundo é responsável por 30% de todas as emissões [de gases do efeito estufa]. Então, a gente poderia apontar o dedo diretamente pro restante, que é responsável por 70% de todas as emissões, e falar ‘vocês são os culpados'”, criticou, em entrevista à BBC News Brasil.
Hoje coordenador do Centro Global Agroambiental da Fundação Dom Cabral e secretário executivo do Consórcio Amazônia Legal, Brito rechaça os discursos de que é preciso derrubar a floresta para desenvolver o Norte do país, como apoiam lideranças da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Por outro lado, também chama de “postura extremamente radical” a oposição de ambientalistas ao aumento da infraestrutura na região, por entenderem que isso alimentaria o desmatamento.
“Estamos discutindo profundamente agora bioeconomia na Amazônia [um modelo econômico desenvolvido a partir de recursos naturais extraídos de forma ética, sustentável e mantendo a floresta em pé]”, diz.
“Mas a mesma turma que torce pela bioeconomia é aquela que bloqueia [a construção de] estradas, ferrovias, portos. Então, eu pergunto: como incentivar um modelo socioeconômico sustentável de desenvolvimento [na Amazônia]? Você vai tirar os produtos de disco voador de lá?”, questiona.
Britto defende menos radicalismo e mais diálogo de ambos os lados, para que se avance para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e resiliente, com acesso maior a mercados internacionais cada vez mais exigentes com a questão ambiental.
A mudança na estrutura de produção, porém, não é uma exigência apenas mercadológica. Diante de eventos climáticos cada vez mais frequentes, diz Brito, produtores precisam, cada vez mais, fazer um “balanço de riscos e benefícios” do seu negócio, baseado em pesquisa científica.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O Rio Grande do Sul é um estado de forte produção agrícola. Para ambientalistas, o avanço de áreas de soja, silvicultura e pecuária sobre matas nativas nas últimas décadas favoreceu as inundações que ocorreram agora. O agronegócio tem sua parcela de culpa na catástrofe?
Marcello Brito – Eu acho um comportamento abutre, seja quem for, começar a apontar dedos, que a culpa é desse ou daquele setor. O setor de uso da terra no mundo é responsável por 30% de todas as emissões [de gases do efeito estufa] do planeta. Então, a gente poderia apontar o dedo diretamente pro restante, que é responsável por 70% de todas as emissões, e falar “vocês são os culpados”.
Porque clima não tem cerca, então, os impactos de esfriamento ou aquecimentos dos oceanos que, no encontro das massas (de ar que evaporam desses oceanos), provocam esses extremos, não são feitos somente por um processo de desmatamento aqui no Brasil, mas num processo que é planetário.
Destruição da Amazônia, destruição de matas ciliares (vegetação na beira dos rios), destruição de reservas (ambientais) têm impacto de estruturação de clima? Sim, a ciência diz isso. “Ah, mas foi o histórico de plantios de soja no Rio Grande do Sul que provocou isso?”. Não gente, não foi.
Hoje, vi na televisão que teve uma série de tornados violentos no Meio-Oeste (dos EUA). Eu estava lá duas semanas atrás, é uma região de grãos dos Estados Unidos, desde 1800 e alguma coisa. Então, nós podemos afirmar que o aumento dos tornados lá é porque estão plantando soja e milho nesse espaço? Não, é irresponsabilidade nossa.
É de consenso científico que a gente precisa ter novos padrões de atuação.
Infelizmente, o ser humano só se move por tragédias. E eu acho que foi tristemente preciso acontecer uma tragédia dessa dimensão no Brasil pra gente entender que o trato que a gente dá às estruturas ambientais no seu relacionamento com os negócios do país tem que ser diferente. Agora, não dá para culpar ninguém.
BBC News Brasil – Não dá para culpar isoladamente? Digamos que vários setores, de certa forma, contribuem?
Marcello Brito – Hoje eu estava participando de um webinar (conferência online) e alguém citou que precisaríamos equalizar melhor os US$ 540 bilhões que são utilizados em subsídios com a produção agrícola no mundo. É quase risível o valor em um mundo que subsidiou no ano passado em US$ 7 trilhões os derivados de combustíveis fósseis [segundo levantamento do Fundo Monetário Internacional]. Olha, a comparação: US$ 540 bilhões para US$ 7 trilhões.
Os 60 principais bancos do mundo financiaram no ano passado, injetaram no setor de combustíveis fósseis, US$ 700 bilhões de dólares. Então, nós temos aqui um conjunto de responsabilidades que estão na sociedade, que não sabe controlar e pressionar pelas leis corretas; no setor privado, que não segue essas leis corretas; nos governos municipais, estaduais e federais do mundo inteiro, que não sabem equalizar o que subsidiam, como subsidiam, como fazem sua transição energética.
Ou seja, vamos apontar o dedo para nós, porque não tem ninguém, absolutamente ninguém, que não seja parte desse processo de degradação da estrutura climática mundial
Essa discussão barata político-partidária traz prejuízos com modificações absurdas de leis ambientais que trarão estrago ainda maior ao processo de produção de alimentos no Brasil. Torna o processo inflacionário, aumenta o valor dos alimentos e impacta sempre os mais necessitados, a parte pobre do Brasil.
BBC News Brasil – Uma das mudanças legislativas em debate no Congresso é a proposta de reduzir a reserva legal da Amazônia de 80% para 50% (percentual da propriedade particular que deve ser preservada). O argumento é que isso é necessário para o desenvolvimento da região. Por que discorda?
Marcello Brito – Discordo completamente. Se fosse dois séculos atrás, eu concordaria porque o mundo tinha uma economia movida à madeira.
Você cozinhava, você transportava, você fazia tudo [com uso de madeira]. Não é o caso agora. Existem outros modelos de desenvolvimento socioeconômico que podem ser feito com e através da floresta. Bioinsumos [produtos com componentes biológicos para melhorar a produção, como combate de pragas]; restauração florestal, seja ela comercial, seja ela conservação; [mercado de créditos de] carbono. Ou seja, nós estamos num processo de transição de zona econômica muito grande.
E quando a gente olha as pesquisas de tendência de consumo, o Banco Mundial estima que a partir de 2030 cerca de 60% da classe média mundial estará dentro dos onze países da APAC [região Ásia-Pacífico]. E essa região é a que mais planta árvores do mundo. O mundo só é positivo em [expansão de] florestas hoje [saldo líquido entre o que se planta e o que se destrói] por causa da China e da Índia.
A China plantou nos últimos dois anos quase 9 milhões de hectares de floresta [cerca de duas vezes o estado do Rio de Janeiro] e o ano passado reformou 4 milhões de hectares de floresta. “Ah, mas são os maiores emissores do mundo”. São, mas estão num processo de transformação.
Então, falar que você precisa derrubar mais floresta para fazer o desenvolvimento da Amazônia não é só um erro crasso, mas é um desconhecimento completo da estrutura socioeconômica, ciência e tecnologia existentes no momento.
setor reagiu dizendo que seria açodado e poderia afetar sua recuperação. Faz sentido importar?
Marcello Brito – Não sei te responder, para falar a verdade, mas a reclamação é um direito universal. Se não dá para analisar que precisa importar ou não, também não dá para analisar (ainda) o tamanho da quebra ou não.
Então qualquer um dos lados que diga qualquer coisa hoje pode ser chamado de açodado. O importante é você colocar o tema no debate. Porque, se for preciso importar, não é assim: amanhã eu ligo e falo “manda aí um milhão de toneladas para mim”. Não, é um processo que leva meses, desde a sua contratação, transporte, chegada e assim por diante.
Então, diz a boa prática que você deve se preparar e planejar. Se for necessário importar, vai ser importado. Se não for necessário, não será importado, porque ninguém em sã consciência irá importar para deixar parado em estoque.
BBC News Brasil – O senhor disse que votou pela primeira vez no PT ao apoiar Lula no segundo turno da eleição de 2022. Como avalia a política ambiental e agro do governo?
Marcello Brito – O meu voto foi feito na escolha por um candidato que tinha predileção por gente. Eu nunca fui de esquerda, nunca fui do PT, mas, naquele momento existia uma estrutura e uma necessidade social que precisava de um candidato assim.
Acredito que estamos nos movimentando bem no campo ambiental, mas só bem, poderia ser muito melhor, se a gente tivesse uma interação e uma discussão muito mais ampla e muito mais democrática.
Acho que está faltando ao governo atual uma maior interação com a sociedade, nos seus mais diversos recortes, na construção das estratégias nacionais.
Você pode dizer: “eles falam que estão consultando”. Consultar é uma coisa, dialogar é outra completamente diferente. Então, nessa avaliação até o momento, acho que falta, por parte de alguns ministérios, eu prefiro não citar quais, uma integração maior entre sociedade, setor privado, sociedade civil, ciência, academia, para que os resultados pudessem ser um pouco mais céleres do que são até o momento. BBC