2° maior fator de risco para demência, hipertensão não é controlada por 2/3 dos diagnosticados no país

O alerta sobre a falta de tratamento adequado da doença crônica e das suas consequências foi abordado no mês passado na capital paulista no 1º Big Data Abraz -a sigla se refere à Associação Brasileira de Alzheimer.

FOLHAPRESS) – A hipertensão arterial é o segundo principal fator de risco modificável para demência. Apesar disso, quase 7 em cada 10 (66%) brasileiros com diagnóstico de pressão alta não fazem o controle da doença.

O alerta sobre a falta de tratamento adequado da doença crônica e das suas consequências foi abordado no mês passado na capital paulista no 1º Big Data Abraz -a sigla se refere à Associação Brasileira de Alzheimer.

Na ocasião, foi divulgada a estimativa de que o país acumula 1,7 milhão de pessoas com 60 anos ou mais com algum tipo de demência -o equivalente a 6% da população nessa faixa etária. Só o Alzheimer corresponde a 55% desses casos (966.594).

Outros dados apresentados indicaram o risco da hipertensão e, sobretudo, da falta de controle da condição.

Ao todo, estima-se que 38 milhões de adultos têm pressão alta -cerca de um quarto da população com mais de 18 anos. Considerando só a condição, sem levar em conta se ela está sendo controlada ou não, projeta-se que ela aumente em 72% a taxa de mortalidade por demência em dez anos.

Além disso, a condição pode elevar o risco de desenvolver demência em até 45%, na faixa etária de 50 a 75 anos, conforme pesquisa publicada no fim de 2022 e cujos dados também foram abordados no evento em São Paulo. Entre os autores do trabalho está a professora de geriatria na FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) Claudia Suemoto.

Esse estudo também aponta que 48% dos casos de demência no país são atribuídos a fatores modificáveis, ou seja, não são genéticos e podem ser alterados, por exemplo, com mudança no hábito de vida. O primeiro deles é a escolaridade (7,7% de prevalência) e o segundo, justamente a hipertensão arterial (7,6%).

A alteração desses fatores, ainda de acordo com a pesquisa, pode diminuir em até 54% os casos de demência em locais pobres.

Contudo, 25 milhões dos hipertensos, a maior parte do contingente, não seguem as indicações médicas para manter a condição sob controle.

“Mesmo em indivíduos mais jovens que fazem o diagnóstico precoce e o controle, a pressão alta aumenta o risco de demência”, afirma a cardiologista Erika Campana, professora adjunta do Departamento de Doenças do Tórax da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e especialista da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).

“E, infelizmente, temos só um terço dos hipertensos controlados. Muitas vezes quando faz o diagnóstico tardio já não é mais possível frear o processo.”

Para Campana, o caráter assintomático da hipertensão é a principal barreira para o controle. “Ele é muito importante, porque leva a uma percepção de que não tem nada acontecendo, principalmente porque os sintomas mais graves podem surgir em um intervalo de médio a longo prazo.”

Segundo Polyana Piza, neurologista e coordenadora do Programa de Especialidades Clínicas do Hospital Israelita Albert Einstein, há uma correlação entre as doenças neurodegenerativas e doenças crônicas, como hipertensão.

“Vemos nos pacientes hipertensos crônicos as alterações cognitivas típicas de demência vascular ou Alzheimer antes do que seria o esperado, ou seja, a hipertensão é um fator de risco para demência e é também um estressor, ela piora o quadro neurodegenerativo.”

Por isso, é importante mapear quanto antes a prevalência de hipertensão, mesmo nos mais jovens, para evitar esse possível declínio cognitivo no futuro. “No início, a pressão alta não costuma apresentar os sintomas clássicos, o que pode ser um fator determinante para as pessoas buscarem ajuda”, afirma ela.

Foi o caso do corretor de imóveis Francisco Nóbrega. Ele tinha apenas 43 anos quando sofreu um infarto, em junho do ano passado. Na véspera, tinha passado o dia no mar surfando, seu esporte preferido. Ao chegar ao hospital, sua pressão estava em 240 por 140 mmHg (considerada bem acima do normal, de 120 por 80).

“Antes disso, não tinha nenhum problema de saúde. Fui ao hospital uma vez com pressão alta [140 por 100 mmHg], mas os médicos disseram eu tinha abusado no fim de semana, comido muito churrasco, tomado cerveja. Mas, depois que você sofre [o infarto], vê a vida com novos olhos”, conta. Em sua família, os pais eram hipertensos e um tio e um avô também sofreram infartos jovens, com idades entre 45 e 55 anos.

Piza, do Einstein, afirma que recentemente diversos estudos buscaram compreender melhor quais seriam as causas que levam à associação da hipertensão com o risco neurológico. De acordo com ela, existe uma barreira chamada hematoencefálica, que atua como um “filtro” das substâncias que entram no cérebro via corrente sanguínea.

“Essa proteção existe porque o cérebro é muito vulnerável a toxinas. Substâncias tóxicas para o organismo em um nível muito menor já são prejudiciais ao sistema nervoso central [que inclui o encéfalo e a medula espinhal]. Por isso, existe essa barreira”, afirma. “Em indivíduos hipertensos crônicos, porém, há a quebra dessa barreira, por causa da pressão arterial, danificando as células do sistema nervoso precocemente e levando à perda cognitiva.”

Outra forma de a pressão alta acelerar o declínio cognitivo é sua associação com as doenças cardiovasculares, em especial os AVCs (acidentes vasculares cerebrais). De acordo com a neurologista, há uma diferença entre a demência de origem neurodegenerativa, que inclui o Alzheimer, e a demência vascular.

“A demência vascular se origina de pequenos AVCs isquêmicos [quando há obstrução de uma artéria cerebral] que, em uma quantidade difusa, acabam interferindo na cognição. E, no paciente que tem alteração vascular, mesmo sem ter sofrido AVC, mas com alteração da parede do vaso, a gente chama de leucoaraiose, ou a doença da substância branca que, em grande quantidade, também leva a alterações cognitivas significativas”, explica.

O aumento da prevalência de alguns outros fatores de risco, como obesidade e diabetes, especialmente nos jovens e nas mulheres, também preocupa. “Os próprios AVCs têm relação com hábitos de vida. Diabetes, pressão arterial, obesidade, colesterol alto, eles caminham juntos. Então é preciso pensar em uma reeducação na parte do estilo de vida”, afirma Piza.

De acordo com as especialistas, esses fatores podem ser evitados com o controle da hipertensão por meio da medicação e do monitoramento.

“Pensando no contexto do tratamento mesmo, o nosso grande gargalo é convencer o paciente de que ele tem que fazer o tratamento contínuo, o monitoramento diário e a mudança de hábitos de vida”, avalia Campana.

O principal motivo para os pacientes não aderirem ao tratamento, segundo um estudo recente apresentado no Congresso Europeu de Cardiologia, nos dias 25 a 28 de agosto em Amsterdã, foi o esquecimento, relata Campana. O segundo, não sentir nada. “É importante observar esses resultados porque muitos dos pacientes, ao serem perguntados porque não contavam ao médico sobre o esquecimento, respondiam que não queriam incomodar o médico, ou tinham medo de levar uma bronca”, relata a médica.

Nóbrega monitora a pressão todos os dias, além de tomar medicação para controle. Segundo ele, é importante não deixar de fazer exames regularmente para detectar qualquer alteração precocemente. “A hipertensão, ela é silenciosa, não te dá um aviso antes. E é um negócio que quando vem, é de uma vez só.”