Brasiguaios com títulos de terra são forçados a deixar área no Paraguai

Área a 130 km da fronteira com Brasil deverá ser ocupada por campesinos.
Em busca de solução, produtores bloqueiam rodovia de acesso à região.

Agricultores protestam em rodovia que liga o norte do estado de Alto Paraná e a capital Ciudad del Este desde o dia 8 de maio (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)

Sete famílias de agricultores brasiguaios que ocupavam cerca de 100 hectares na região de Minga Porã, no Paraguai, a cerca de 130 km da fronteira com Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, tiveram que deixar as terras. As desocupações iniciadas em fevereiro devem se intensificar nas próximas semanas, garante o Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert). A recuperação das áreas, como denomina o governo vizinho, faz parte da ação de transferência de sem-terra paraguaios que atualmente vivem em Ñacunday, a cerca de 200 km ao sul da região.
Exército está acampado na propriedade do agricultor Cláudio Setti desde fevereiro (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)Exército está acampado na propriedade do agricultor
Cláudio Setti desde fevereiro (Foto: Fabiula Wurmeister/ G1)

Em busca de um acordo, produtores da Colônia Santa Luzia e de áreas vizinhas aos pouco mais de 3,1 mil hectares que estão sendo reapropriados pelo governo paraguaio para a acomodação de 540 famílias passaram a bloquear a rodovia que liga o norte do estado de Alto Paraná e a capital Ciudad del Este desde o dia 8. “Queremos o respeito que o governo paraguaio nos prometeu. Nos encontros em Assunção, dizem que vão respeitar as terras com títulos definitivos, mas não é o que está acontecendo aqui”, aponta o agricultor Adilson Raimond, que vive no país vizinho desde 1984.

As primeiras visitas de técnicos do instituto à região foram feitas no fim de janeiro. E, em fevereiro, militares do Exército se instalaram em uma das propriedades. “Quando chegaram, disseram que ficariam alguns dias, para verificar as condições do poço artesiano e da rede de iluminação que abastece a colônia”, lembra o produtor Cláudio Setti. “Pouco tempo depois começaram a chegar os campesinos que vão ser transferidos e estão ajudando a demarcar os lotes de um hectare cada e a construir banheiros.” Inicialmente, serão transferidas 100 famílias, que depois receberão mais seis hectares na mesma região.

Dulce Novak teve apenas meia hora para deixar a propriedade que está regularizando junto ao Indert desde 2011 (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)Dulce Novak diz ter tido apenas meia hora para deixar a propriedade que está regularizando junto ao Indert desde 2011 (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)

“Por que só agora estão dizendo que vão construir escola e posto de saúde se a região vem sendo colonizada desde a década de 1990?”, questiona. Desde que a propriedade de 13 hectares foi comprada, o agricultor disse ter pagado o equivalente a R$ 20 mil em taxas e impostos para obter o título definitivo que ainda não veio. “Quando soubemos da transferência, começamos a construir as casas, já que exigem que nestes casos os donos da terra devem morar nela. Mas, não teve jeito. Disseram que só vão considerar as casas construídas até janeiro”, completa Setti.
Desde fevereiro, sete produtores rurais da Colônia Santa Luzia, em Minga Porã (PY), já tiveram que deixar as terras (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)Sete produtores rurais da Colônia Santa Luzia, já tiveram
que deixar as terras (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)

De acordo com o Indert, os 4,1 mil hectares que formam a Colônia Santa Luzia foram adquiridos pelo governo em 1991 e usados para o assentamento de paraguaios sem-terra. Destes, apenas mil hectares estariam em situação legal, com o título de propriedade definitivo. O restante – a maioria apenas com a autorização para ocupação – apresenta algum tipo de irregularidade, principalmente por estar sendo usado para o cultivo ou criação de animais sem que o proprietário more no local. A situação, conforme estabelece o estatuto agrário do Paraguai, não é permitida no caso de pequenas propriedades.

Apesar da garantia dada pelo governo vizinho, Fábio Setti Medeiros, é outro produtor que teme perder a propriedade da qual recebeu o título em 2013, cinco anos depois de ter iniciado o processo de transferência e desenbolsado o equivalente a R$ 35 mil em impostos. “Mesmo com os documentos fico preocupado porque só planto, como a maioria aqui”, conta ao lembrar o caso da agricultora Dulce Novak, impedida de entrar na propriedade de 18 hectares desde o dia 8. “Os policiais chegaram sem ordem de desocupação, não quiseram nem ver os documentos que provam que comprei a terra e me deram meia hora para sair.”

Militares do Exército e campesinos estão construindo banheiros para demarcar os lotes para onde os sem-terra serão transferidos (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)Militares do Exército e campesinos estão construindo banheiros para demarcar os lotes para onde os sem-terra serão transferidos (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)

Questionado pelo G1, o instituto não se pronunciou sobre como as desocupações estão sendo feitas e, por meio de nota, reforçou que Santa Luzia é uma propriedade do Indert, recentemente recuperada. “A colônia tem 3.160 hectares que se encontravam ocupadas e exploradas com cultivos extensivos mecanizados por brasiguaios, sem pagar pela propriedade do Estado, e onde resolveu instalar os campesinos sem terras de Ñacunday acampados em barracas há 12 anos.”

Casa construída depois de janeiro foi destruída em local onde está sendo organizada uma área urbana para os assentados (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)Casa construída depois de janeiro foi destruída em local onde está sendo organizada uma área urbana para os assentados (Foto: Fabiula Wurmeister / G1)