- Os familiares de Josefa Maria da Conceição começaram a suspeitar que algo estava errado quando, no início de 2022, ela parou de pedir um cigarro.
- Isso aconteceu logo depois de a agricultora brasileira aposentada comemorar o que sua família diz ser seu aniversário de 120 anos.
“Minha mãe fumou a vida toda”, relata Cícera, um das quatro filhas ainda vivas de Josefa.
Ao longo da vida, a brasileira teve 22 filhos.
“À medida que ela ficou mais velha, tentamos fazê-la desistir do fumo, mas minha mãe sempre ameaçou que compraria os cigarros por conta própria.”
Os familiares apontam que recentemente Josefa parece muito menos enérgica do que em anos anteriores, quando ela ganhou fama ao aparecer em reportagens de TV como “a mulher mais velha do mundo”.
A carteira de identidade de Josefa mostra que ela nasceu em 7 de fevereiro de 1902. Infelizmente, a tentativa de ter o status reconhecido pelo Guinness World Records não foi bem-sucedida.
O título de pessoa mais velha do mundo atualmente pertence a Lucile Randon, uma freira francesa conhecida como Irmã André, de 118 anos.
Entre os homens, o recordista é o venezuelano Juan Vicente Mora, de 113 anos.
Mas Irmã André tem muitos concorrentes ao título: nas últimas décadas, o número de pessoas que se tornaram centenárias aumentou consideravelmente.
Estamos chegando próximos à marca de 1 milhão de centenários
A Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, em 2021, mais de 621 mil pessoas tinham ultrapassado o centésimo ano de vida. A tendência é que esse número supere a marca de 1 milhão até o final desta década.
Em 1990, apenas 92 mil pessoas atingiram esse marco — o que, mesmo assim, não era pouca coisa.
O ser humano percorreu um longo caminho em termos de expectativa de vida graças aos avanços em uma série de áreas que nos deram melhores medicamentos, boa alimentação e condições de vida vantajosas em comparação com nossos ancestrais.
Em média, uma pessoa que nasceu em 1960 (o primeiro ano em que a ONU começou a manter dados globais sobre longevidade) tinha uma expectativa de vida de 52 anos.
Ainda assim, chegar a 100 anos não é pouca coisa: as pessoas que atingiram essa idade representavam apenas 0,008% da população mundial em 2021, segundo os dados da ONU.
Atualmente, não se espera que a maioria dos seres humanos em todo o mundo desfrute de um aniversário de platina (75 anos), já que a expectativa de vida média global atual está em 73 anos.
O quadro muda muito de país para país, no entanto. A expectativa de vida média no Japão, por exemplo, é de 85 anos, enquanto alguém na República Centro-Africana costuma viver apenas 54 anos.
Além disso, a maioria das pessoas que chega à velhice provavelmente será atormentada por doenças crônicas.
“Viver mais não é sinônimo de viver bem”, diz Janet Lord, professora de Biologia Celular da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
Lord explica que, em média, os homens passam os últimos 16 anos de vida lidando com condições que vão de diabetes a demência — para as mulheres, esse tempo sobe para 19 anos.
Qual é o segredo dos ‘supercentenários’?
Comemorar 100 aniversários é ainda mais difícil. Nos Estados Unidos, um estudo de longo prazo da Universidade de Boston estimou que apenas 1 em cada 5 milhões de americanos atinge o estágio “supercentenário” — quando se ultrapassa os 110 anos.
Essa taxa, porém, vem aumentando. Em 2010, os pesquisadores americanos contavam cerca de 60 a 70 pessoas nessa faixa etária. Em 2017, esse número havia se expandido para 150.
Os “supercentenários” naturalmente atraem muita atenção dos cientistas que estudam o envelhecimento humano.
“Esses indivíduos desafiam o que acontece com a maioria das pessoas na velhice. E ainda não temos certeza do porquê”, diz Lord.
Além da longevidade, os supercentenários se destacam por terem uma saúde relativamente boa para a idade.
Josefa Maria, por exemplo, não precisa de medicação regular e ainda come carne vermelha e doces, segundo a família.
É claro que as memórias dela estão confusas e a visão se deteriorou, mas a filha Cícera admite que, às vezes, ainda fica perplexa com a condição de saúde de sua mãe.
“Ela não pode andar tanto quanto antes e temos que carregá-la ou trocar as fraldas dela, como um bebê. Mas ainda estou surpresa de que minha mãe tenha vivido tanto tempo para alguém que fumava desde a infância e que tinha décadas de trabalho duro”, diz.
Nem tão saudáveis assim
O que intriga ainda mais os especialistas em idade é o fato que algumas pessoas que chegam aos 100 anos não são exatamente um exemplo de boas práticas em saúde.
Como mencionado anteriormente, Josefa fumou a maior parte da vida e cresceu na pobreza de uma região socialmente carente do Nordeste brasileiro.
Mais surpreendentemente, um artigo de 2011 publicado no periódico científico Journal of the American Geriatric Society, que estudou um grupo de 400 judeus americanos com 95 anos ou mais, encontrou uma profusão de maus hábitos.
Quase 60% dos participantes eram fumantes contumazes, metade deles tinha sido obesa durante a maior parte da vida e apenas 3% eram vegetarianos.
“A primeira coisa que precisamos dizer às pessoas interessadas em viver tanto tempo é não seguir dicas de estilo de vida de centenários ou supercentenários”, diz Richard Faragher, professor de biogerontologia da Universidade de Brighton, no Reino Unido, um dos principais especialistas em estudo do envelhecimento. .
“Há algo excepcional sobre eles. Porque muitos fazem exatamente o oposto do que sabemos que pode ajudar alguém a viver mais”, acrescenta o especialista.
Um escudo genético?
Os cientistas suspeitam que a genética desempenha um papel importante na longevidade.
Centenários (e supercentenários) parecem capazes de se proteger contra o desgaste que afeta os mais jovens com o passar do tempo. Eles também se mostram capazes de compensar até mesmo hábitos pouco saudáveis que levam a maioria de nós à morte precoce.
Especialistas como Lord e Farragher estão trabalhando para identificar essas vantagens biológicas, que não são tão óbvias quanto se poderia pensar.
Outro estudo com centenários judeus, este divulgado em 2020, mostrou que os indivíduos tinham tantas variantes genéticas que podem causar doenças tardias quanto a população em geral.
O número crescente de pessoas chegando a 100 também levou os cientistas a questionar se os limites da longevidade humana também serão estendidos.
A pessoa mais velha da história
Até esta data, a pessoa mais velha conhecida foi Jeanne Calment, da França, que morreu em 1997 aos 122 anos e é oficialmente a única a ter vivido além dos 120.
Pesquisadores da Universidade de Washington, nos EUA, afirmam que a longevidade extrema atingirá novos limites neste mesmo século — e possivelmente resultará em casos de pessoas que assoprarão 125 ou até 130 velas nos bolos de aniversário.
“Acreditamos que é quase certo que alguém quebrará o atual recorde de idade e que é bem possível que alguém possa viver até os 126, 128 ou 130”, estima Michael Pearce, estatístico e coautor do estudo.
Pearce e o professor Adrian Raftery usaram o International Database on Longevity, uma base de dados sobre expectativa de vida, para simular os limites de longevidade para as próximas décadas. Eles concluíram que há uma probabilidade próxima dos 100% de que o recorde de Calment será batido e uma chance de 68% de que alguém comemorará em breve um aniversário de 127 anos.
As regras do jogo do envelhecimento
No entanto, há muitas perguntas que a ciência ainda precisa responder para entender completamente o quebra-cabeça do envelhecimento.
Especialistas como Richard Siow, diretor de Pesquisa de Envelhecimento do King’s College London, no Reino Unido, acreditam que esse entendimento é crucial para abordar questões de qualidade de vida com uma população global cada vez mais envelhecida — a ONU estima que o mundo já é habitado por mais pessoas com mais de 65 anos do que por crianças com menos de 5 anos.
“A grande questão aqui não é discutir quanto tempo podemos viver, mas como podemos retardar o início do declínio relacionado à idade e permanecer saudáveis por mais tempo do que agora”, aponta Siow.
“Dessa forma, se tivermos a sorte de chegar à velhice, podemos aproveitar esses anos em vez de vivê-los em sofrimento.”
Organizações como a HelpAge International, uma rede que oferece apoio a idosos em todo o mundo, apontam que essa filosofia é crucial para ajudar a abordar o envelhecimento da população como uma oportunidade, e não como um fardo para os sistemas de saúde e bem-estar social.
“Essa visão fatalista que fala do envelhecimento como um problema não é o nosso alvo”, argumenta Eduardo Klien, porta-voz da HelpAge.
“Os idosos com boa saúde oferecem um enorme potencial para as sociedades de várias maneiras, inclusive na economia.”
Enquanto isso, pense na rainha Elizabeth 2ª. A monarca britânica, ela mesma quase uma centenária aos 96 anos, teve um aumento na carga de trabalho durante os últimos anos. Isso porque é um costume no Reino Unido que pessoas que completam 100 anos recebam uma carta da soberana.
A proporção de centenários no Reino Unido atingiu um recorde em 2020 e a tendência é que esse número só cresça daqui em diante.
No Brasil, segundo o último Censo do IBGE, em 2010, havia quase 24 mil centenários.
*Com reportagem adicional de Josué Seixas.
– O texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62120822