Com mais de 60 kg e apenas 4 kb de armazenamento, dispositivo criado na USP foi batizado em alusão ao Cisne Branco, projeto de computador da Unicamp. O aniversário de meio século do aparelho começa a ser comemorado nesta quinta-feira (22) pela Escola Politécnica.
Por Victor Hugo Silva, g1
Há 50 anos, em uma época em que quase não havia profissionais capacitados para isso no país, cerca de 15 pesquisadores criaram o primeiro computador brasileiro. O aparelho ficou conhecido como Patinho Feio na Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), onde foi desenvolvido.
O Patinho Feio tinha apenas 4 kilobytes de armazenamento (um simples disquete tem 360 vezes mais espaço). Não contava com tela, mouse, nem a maioria das funções dos computadores de hoje. Mas serviu para dar início à indústria brasileira de equipamentos digitais.
“O Patinho Feio foi uma semente da indústria digital brasileira a partir de um protótipo viável”, disse Lucas Moscato, professor aposentado de automação industrial e robótica da Poli-USP e um dos criadores do computador, em entrevista ao g1.
O dispositivo foi resultado de um esforço de engenheiros, professores, estagiários e estudantes de pós-graduação da faculdade.
“A gente teve alunos excelentes. Muitos ficaram trabalhando conosco na Poli, outros alimentaram a indústria de computadores que começou a surgir no Brasil”, destacou ao g1 Edith Ranzini, professora sênior da Poli-USP e uma das quatro mulheres que participaram do projeto.
O 50º aniversário do dispositivo começa a ser comemorado nesta quinta-feira (22) na Poli-USP. Nos próximos meses, serão realizadas exposições e visitas programadas de estudantes para mostrar os avanços da tecnologia e destacar a importância dos investimentos na universidade pública.
O que é o Patinho Feio?
O primeiro computador brasileiro foi um projeto do antigo Laboratório de Sistemas Digitais da USP, hoje chamado de Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais. Inaugurado em 24 de julho de 1972, ele começou a ser desenvolvido dois anos antes.
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O dispositivo foi criado depois do pedido da Marinha para a construção de um computador nacional que pudesse ser utilizado em seus navios. O aparelho seria feito na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que chamou seu projeto de Cisne Branco.
Então, os engenheiros da USP, que também projetavam um computador, chamaram a sua iniciativa de Pato Feio, que viria a ser chamado no diminutivo. “Foi realmente uma brincadeira que gerou o nome. O Patinho Feio teve essa ligação com o que o pessoal da Unicamp propôs fazer”, explicou Moscato.
O Cisne Branco da Unicamp não vingou e o G10, um sucessor do Patinho Feio, viria a ser utilizado em sistemas de navegação de alguns navios da Marinha.
Bispo Dom Ernesto de Paula na inauguração do Patinho Feio, em 1972 — Foto: Jorge Murata/USP
Como funcionava?
O Patinho Feio era controlado por um painel com botões e chaves liga-desliga que enviavam códigos binários (0 e 1) para rodar pequenos programas.
O dispositivo também usava um sistema de entrada e saída com periféricos, ou seja, aparelhos que ficam conectados à máquina. Nesse projeto, os acessórios serviam para salvar e iniciar programas.
Esses programas eram salvos em fitas perfuradas impressas em teletipo, uma espécie de máquina de escrever que enviava e recebia mensagens por telégrafo. Depois, uma máquina leitora podia ler essas fitas e executar os programas.
Na época em que foi desenvolvido, o Patinho Feio era considerado um minicomputador. Mas ele pesava cerca de 60 kg e, como destacou a professora Edith, tinha o tamanho de dois frigobares.
“Um ‘frigobar’, do lado esquerdo, é para as fontes de alimentação, para você ver como ele consumia energia”, relembrou. “O outro é a parte do Patinho Feio propriamente dito, é aquele em que há um painel verde”.
Painel do Patinho Feio tem botões e chaves liga-desliga que eram usados para enviar comandos — Foto: Divulgação/USP
Para que servia?
Como tinha pouca memória, o Patinho Feio rodava apenas pequenos programas de demonstração. Ele seguia instruções para criar listas e copiar textos, além de realizar contas de soma e subtração, por exemplo.
Então governador de São Paulo, Laudo Natel compareceu à inauguração do Patinho Feio, em 1972 — Foto: Jorge Murata/USP
A ideia era testar o que tinha sido aprendido nas aulas sobre sistemas digitais, incluídas no curso de Engenharia da Computação da Poli-USP um ano antes da inauguração do computador.
“O importante na época era demonstrar a capacidade de desenvolver um equipamento confiável que funcionasse e permitisse que os engenheiros que ali haviam trabalhado pudessem progredir fazendo outros equipamentos ou indo até para a indústria”, diz Moscato.
Segundo Edith, o objetivo “era estudar como fazer um módulo de entrada e saída, como ligar mais um periférico. O foco não era tanto que programa fazer, era dotar o Patinho Feio de mais recursos de infraestrutura básica para depois o pessoal rodar programa”.
O que veio depois?
O segundo computador do grupo de engenheiros da USP foi o G10, produzido para a Marinha. Ele serviu de base para o primeiro computador comercial brasileiro, chamado de MC 500 e fabricado pela Cobra (Computadores e Sistemas Brasileiros).
Lucas Moscato, um dos criadores do Patinho Feio, em demonstração do computador — Foto: Jorge Murata/USP
O conhecimento obtido com o Patinho Feio ainda ajudaria pesquisadores em outros projetos, que incluíram sistemas de controle de trens, apoio a motoristas em rodovias e de central telefônica.
“Outras indústrias nasceram a partir daí e muita coisa aconteceu por 25 anos até meados dos anos 1990, quando a opção brasileira foi pela agricultura, deixando um pouco de lado a indústria”, avalia Moscato.
Os dois engenheiros ouvidos pelo g1 destacam que a indústria brasileira não estava preparada para a abertura comercial no início dos anos 1990, que aumentou a presença no país de equipamentos de empresas estrangeiras. Para eles, é preciso fortalecer o setor no brasil.
Edith alerta ainda para o problema de fuga de cérebros do país. “Tem uma série de coisas que, para serem feitas, precisam de indústria por trás. Mas algumas, por exemplo, desenvolvimento de software, precisam de cabeças. E elas estão indo embora, tem muita gente indo para o exterior”, afirma.