Podcast “De onde vem o que eu como” traz caso de chef de cozinha premiada que usou estoques e restaurantes fechados para fazer marmitas na pandemia. Grão é essencial para renda e alimentação no agreste de Pernambuco.
Por Carol Lorencetti, g1
Era começo da pandemia de covid-19. As lojas e restaurantes da cidade de São Paulo estavam fechados e as ruas, mais vazias que o normal. Certeza, a chef Telma Shiraishi tinha uma: muita gente na cidade de São Paulo iria passar fome.
“O que ficou mais escancarado era que as pessoas ficariam desamparadas. Quando você tinha movimento, essas pessoas sempre tinham alguém para quem pedir um trocado, um prato de comida. De repente elas estavam abandonadas”.
A observação da chef deu origem ao movimento “Água no feijão”, iniciativa que envolve cozinheiros, voluntários, fornecedores e transportadores para doações de comida. Telma contou ao podcast “De onde vem o que eu como” que, no início, usou a estrutura dos restaurantes dela para produzir marmitas e doar a pessoas em situação vulnerável.
“Começou assim de forma totalmente despretensiosa, a gente entregando algumas refeições no nosso entorno. Depois eu pensei na cozinha do restaurante em que a gente não conseguia fazer delivery”, disse Telma.
Foi aí que a chef decidiu aproveitar os estoques, as instalações e os funcionários para ampliar as doações.
“A cozinha estava equipada e a equipe, parada. Ainda tinha estoque de comida. Conversei com alguns conhecidos e em menos de um mês a gente já tinha arrecadado muito recurso”, lembra.
Chef Telma Shiraishi sobre a fome: “não tem como fingir que não está acontecendo”. — Foto: Rafael Salvador
O movimento “Água no feijão” cresceu e já distribuiu centenas de milhares de marmitas no centro de São Paulo e na comunidade de Heliópolis. O projeto funciona até hoje, com a destinação dos recursos para ONGs e ações de combate à fome da capital paulista.
Última barreira antes da fome
O presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses, Marcelo Lüders, explica que o grão é o último alimento que as pessoas deixam de comprar por falta de dinheiro.
“Primeiro as pessoas cortam um corte de carne por carne moída. Depois vão para as carnes de aves ou de suínos, para os ovos, e a última barreira antes da fome é o feijão”, conta Marcelo.
O agricultor Mizael Vilela vive em Jucati, agreste de Pernambuco, e neste ano já doou 300 quilos de feijão para combater a fome na região.
Filho e neto de produtores rurais, Mizael só está colhendo 20% do feijão previsto para esta safra, porque as chuvas danificaram a lavoura. Mesmo assim, não deixa de ajudar.
“O feijão é principal fonte de alimento das famílias aqui da região. Antigamente, o Nordeste tinha muita fome e hoje o pessoal está voltando a pedir comida”, explica Mizael.