Hit com MC Melody e DJ Chris no Beat expõe sucesso de nova geração que faz sertanejo com ode ao agronegócio e aos ‘boiadeiros’, ao som de ‘modão’ misturado com funk e outros ritmos.
Por Rodrigo Ortega, g1
O toque do berrante abre o caminho e Ana Castela se apresenta: “Olá, rapazes, aqui é a boiadeira”. Assim começa “Pipoco”, música que desbrava o alto das paradas de streaming do Brasil.
Aos 18 anos, Ana virou ponteira de uma nova comitiva sertaneja. São artistas que cantam o orgulho do agro e misturam o “modão bruto” com estilos eletrônicos.
Junto dela estão artistas em ascensão como Luan Pereira, Léo & Raphael, DJ Chris no Beat e Us Agroboys.
“Pipoco”, atualmente em 4º lugar no Spotify do Brasil, rendeu memes sobre a dicção confusa de MC Melody, cantora convidada da faixa. Mas a dona da boiada é Ana Castela, ícone dos fãs novinhos que dançam de chapéu e bota no TikTok.
Castela na fronteira
Ana Flávia Castela nasceu em Amambai (MS) e foi criada na vizinha Sete Quedas, na fronteira com o Paraguai. Os avós tinham uma fazenda no lado paraguaio. Entre os dois países, a menina aprendeu a andar de cavalo, bicicleta e moto.
No início da pandemia, Ana começou a postar vídeos de covers no YouTube. O repertório era de pop, rap acústico e de cantoras sertanejas. Seus artistas preferidos eram Melim e Anavitória.
Mas o início não foi laico. “Gosto demais de cantar gospel. Comecei cantando mesmo na igreja. Tinha um coral com minhas amigas chamado Coração de Maria, quanto tinha 15, 16 anos”, conta.
Na toada dos agros
Ana Castela — Foto: Instagram da artista
A imagem que fez brilhar os olhos dos futuros empresários não foi de covers de gospel nem de pop. Ana postou um vídeo curto cantando “Mastiga abelha”, do sertanejo Loubet, enquanto andava de cavalo.
Rodolfo Alessi, compositor e cantor da dupla Fabinho e Rodolfo, descobriu que a menina era filha de uma amiga dele de Sete Quedas. Ele estava montando um negócio com Raphael Soares, da dupla Léo e Raphael.
Eles viraram sócios na produtora Agroplay, já de olho no novo filão das odes à pecuária e ao campo com modões modernizados.
No início de 2020, Léo e Raphael estavam em alta com “Agro é top”. É um hino do agronegócio, com o refrão “agro é top, agro é chique, agro é show, agro é nós”. Em “Os menino da pecuária” eles seguem defendendo o setor: “Não é a toa que o PIB começa com P, de pecuária”.
“O agro foi o único ramo que não parou na pandemia. É o ramo que alimenta o mundo e sustenta o Brasil. E a gente falou: cara, temos que levar isso para a música”, justifica Léo.
Já que eles apoiam o agronegócio, será que há apoio financeiro do setor? “Não, isso aí foi a nossa bandeira, mas sem apoio de ninguém, não tem nenhuma entidade (apoiando)”, responde Léo.
Após colher o sucesso, eles viram um terreno fértil para semear. Os sócios abriram a Agroplay e apostaram na Ana Castela. Além de empresários, viraram também viraram coautores das músicas dela.
Nasce a ‘boiadeira’
Ana Castela é natural de Sete Quedas (MS). — Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução
O primeiro tiro já foi no alvo. “Boiadeira” saiu em fevereiro de 2021 e emplacou. Ainda de aparelho nos dentes e espinhas no rosto, Ana Castela cantava sobre uma menina que trocou a cidade grande pelo interior: “A maquiagem dela agora é poeira”.
As patricinhas e playboys da cidade sempre se dão mal nas letras.
Léo e Raphael armaram uma sequência do “Os menino da pecuária” ao lado de Ana Castela.
“As menina da pecuária” tem uma batida de pisadinha e a descrição da mulher que “vive a lida do gado, de Hilux ou de cavalo”. Outro sucesso.
Questionada sobre o tema das músicas, Ana repete a narrativa econômica: “Porque o Brasil é agro. Tudo: a carne que a gente come, o que a gente compra no mercado, é tudo agro.”
A jovem dá outros motivos: “E o povo gosta. Quem anda de cavalo, as meninas dos três tambores e do laço comprido (modalidades de competição equestre), quem trabalha e mora na fazenda, não tem quem não goste desse lado bruto.”
Agro é tec
Da esquerda: Luan Pereira, Ana Castela, Us Agroboy e Léo e Raphael em gravação do ‘Fazendinha Sessions’, que Ana chama de ‘Poesia Acústica dos brutos’ — Foto: Divulgação
O sertanejo que exalta e a vida e o trabalho do campo está longe de ser uma novidade – é o DNA do estilo. Na década passada houve uma onda de sertanejo “bruto” com Bruno e Barretto, Jads e Jadson, João Carreiro e Capataz e outros.
A “galera do chapéu”, como são chamados no mercado hoje, tem outros artistas há mais tempo na estrada, como Loubet, Anthony e Gabriel e Bruna Viola.
Mas a nova turma exalta a tradição do interior enquanto incorpora sem pudor elementos externos a esse campo, do funk ao rap acústico.
“Neon”, lançada por Ana Castela em setembro de 2021, tem batida levemente eletrônica e a mensagem de que a “mulher bruta também pode rebolar e ser bagaceira”.
O jornalista e pesquisador GG Albuquerque notou, em artigo para o site I Hate Flash, que “(o agronejo) opera como máquina de propaganda da indústria agropecuária, muitas vezes apropriando-se de discursos e narrativas de gêneros musicais marginalizados, como o funk”.
Após “Boiadeira” ganhar uma remix de sucesso do DJ paulista Lucas Beat, a Agroplay lançou um novo artista: o DJ Chris no Beat, especializado nessa mistura de funk, EDM e agro. Entre outros hits, ele estourou com Ana Castela e Luan Pereira “Juliet e Chapelão”.
‘Pipoco’ e as roupas da Melody
Ana Castela se juntou com Melody e DJ Chris do Beat para lançar a música. — Foto: Reprodução
A nova comitiva do agro tem vários sucessos, mas nenhum tinha chegado tão longe no Brasil como “Pipoco”. É a única que Ana Castela assina também como compositora.
“Eu dei a ideia da fala do começo, do ‘se prepara’ e de falar do chapéu (da marca) Kanadá. Até isso deu certo, a empresa marcou a gente”, ela conta.
Ana e Melody incorporam versões rurais, divertidas e mais próximas do público jovem de popstars atuais como Anitta e Luisa Sonza.
“Eu escuto muito sertanejo – Israel e Rodolffo, Hugo e Guilherme, Marília Mendonça. Mas também ouço muito Luisa Sonza, Anitta, Ludmilla. Meu estilo não é só no agro. Eu escuto tudo e mais um pouco”, diz Ana.
No clipe, as adolescentes dançam em um cenário de boate e andam de cavalo em um cenário rural.
A troca foi real. “Eu levei minhas roupas para para fazer o estilo da Melody mais country. Todas as roupas que ela usa no clipe são minhas, tirando os ‘croppeds’ e os shorts. A gente foi experimentando tudo juntas.”
“Na hora de andar a cavalo, ela não sabia muito, mas a gente foi explicando”, conta Ana.
Ana até defende a amiga de São Paulo dos comentários nas redes sociais sobre a dicção de Melody: “Na verdade eu consigo entender tudo que ela canta”.
Poesia acústica do agro
Ana Castela — Foto: Divulgação
Logo antes de estourar, Ana chegou a entrar na faculdade de Odontologia, mas abandonou e embarcou 100% na música. Jogar em seu novo PlayStation 5 é das poucas coisas que ela consegue fazer entre shows e gravações.
Um dos trabalhos atuais é o “Fazendinha sessions 2”. É um encontro ao estilo “rap acústico” dos novos artistas do agro.
O primeiro vídeo teve Ana Castela, Luan Pereira, Us Agroboy e Léo e Raphael. A direção musical do projeto é Eduardo Godoy, que produz todas as músicas de Ana e boa parte dos outros cantores.
“Eu escuto Poesia Acústica todo dia, sei todas as músicas inteiras. Na hora que falaram que a gente ia gravar um Poesia Acústica do agro, eu fiquei tão feliz”, comemora Ana.
A jovem diz que só conheceu São Paulo agora, depois que virou cantora. Ela fez um show concorrido no Villa Country, principal casa de shows do estilo na cidade.
A conversa termina assim:
g1 – E ao Rio, você foi também?
Ana Castela – Quem?
g1 – Rio de Janeiro.
Ana Castela – Não, nunca fui.
Ana Castela — Foto: Divulgação / Maurício Antônio