Quais seriam as alternativas à atual política de preços da Petrobras?

Resposta não é simples e as soluções que se apresentam demandam um esforço de médio a longo prazo, com medida de estabilização, investimento em refino e fortalecimento do câmbio.

Por Thaís Matos, g1

A escalada dos preços dos combustíveis no Brasil, sem sinais de melhora, levou a críticas generalizadas sobre a política de preços adotada pela Petrobras. Hoje, a empresa se baseia no Preço de Paridade Internacional (PPI), que consiste em vender a gasolina e o diesel pelo mesmo preço que eles são vendidos no resto do mundo.

O governo federal, líderes do congresso e líderes de esquerda estão entre os críticos do atual sistema. Mas quais são as reais alternativas à atual política de preços que poderiam segurar os aumentos consecutivos sem quebrar os cofres da Petrobras e onerar governo e estados?

A resposta não é simples e as soluções que se apresentam demandam um esforço de médio a longo prazo. Para entender as perspectivas, o g1 conversou com dois professores de economia: William Nozaki, da Universidade de Campinas (Unicamp), e Mauro Rochlin, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em resumo, algumas das propostas são:

  • Em curto prazo: estabilização do preço dos derivados de petróleo e a utilização dos lucros e dividendos da empresa que são recebidos pelo governo para fazer políticas públicas que diminuam o impacto para as parcelas menos favorecidas da sociedade.
  • Em médio prazo: investimento em refinarias para diminuir a necessidade de importação de petróleo refinado e, com isso, o pagamento em dólar pelo produto.
  • E no longo prazo: uma estabilização e fortificação do real frente ao dólar para reduzir o impacto do câmbio sobre os preços dos combustíveis.

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Entenda a política de preços da Petrobras

Como era a política de preços antes do PPI

Antes da mudança, em 2016, quem determinava os valores da gasolina e do óleo diesel era o governo. Com o objetivo de diminuir os índices de inflação, a Petrobras vendia gasolina e diesel a preços abaixo do mercado. Assim, o governo evitava que o aumento tivesse uma reação em cadeia na economia, uma vez que o encarecimento dos combustíveis também encarece o transporte rodoviário e, por consequência, outras mercadorias.

As políticas adotadas antes do congelamento não eram tão claras. Costumava haver um repasse dos aumentos, mas feito de maneira mais espaçada. O governo costumava esperar uma tendência de preços lá fora por um período para só depois decidir se aumentava, mantinha ou abaixava o valor aqui dentro.

Os dois economistas, de visões políticas diferentes, concordam em um aspecto: a Petrobras não deve voltar ao congelamento de preços. Segundo Rochlin, o congelamento pré-2016 teve dois importantes impactos financeiros. O primeiro foi o impacto fiscal porque, para anular o efeito do reajuste de gasolina e diesel, o governo zerou a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) de petróleo e derivados, em 2012, uma contribuição de arrecadação federal.

E o segundo impacto foi nas contas da Petrobras. “A empresa assumiu responsabilidade em termos de ônus. Ela passou a importar combustíveis a um preço mais caro do que aquele que ela cobrava internamente, o que levou a um superendividamento da empresa. Ela se tornou a petrolífera mais endividada do mundo e teve sérios reflexos em termos de investimento”, avalia Rochlin.

A partir de então, a empresa adotou um programa de desinvestimento, com venda de filiais internacionais e outros braços de refino e distribuição. Essas decisões afetaram o bolo de mercado que a empresa detém no Brasil.

“Desde 2016, ela deixou de ser uma empresa integrada de energia, atuando em diversos segmentos, para ser uma empresa estritamente de exploração e produção de petróleo, atuando no pré-sal. O resultado dessa decisão estratégica foi que a Petrobras ampliou a produção e a exportação de óleo cru, mas diminuiu a produção e a venda no mercado interno de petróleo e combustíveis”, explica Nozaki.

Na prática, isso levou ao aumento da dependência de importação de produtos refinados e abriu o mercado brasileiro para a entrada de importadores. Segundo Nozaki, o país passou de 300 importadores para mais de 600.

O PPI começou com uma previsão de revisão de preços pelo menos uma vez por mês. Em 2016, o barril de petróleo tinha seu menor valor em mais de uma década. Mas, a partir de 2017, começou a subir. No fim de junho, a Petrobras anunciou um ajuste da política, com mudanças de preço feitas com maior frequência, “a qualquer momento, inclusive diariamente”, para conseguir acompanhar a volatilidade.

O primeiro grande choque do modelo ocorreu em 2018, pico da tendência de alta iniciada no ano anterior. Foi então que estourou a greve dos caminheiros, pressionando o governo a frear os reajustes diários. Na época, a Petrobras cedeu e interferiu nos preços: aceitou diminuir 10% o valor do diesel e segurar os aumentos por 15 dias.

Desde o fim do ano passado, passamos a enfrentar outro cenário atípico: aumento da demanda, com a saída das restrições da pandemia, e diminuição da oferta, com a guerra na Rússia. Com essa combinação, os preços do barril de petróleo explodiram. Para dificultar ainda mais, o real está muito desvalorizado em relação ao dólar. Por isso, comprar em dólar ficou caríssimo. Esse cenário é totalmente diferente de quando o PPI foi adotado: real estável e produção de petróleo bombando.

Para Nozaki, o grande problema do atual modelo é o repasse “direto e imediato” das flutuações internacionais direto para o consumidor final na bomba dos postos. E também esse cenário atípico, muito diferente do que existia em 2016.

Sem poder interferir diretamente no preço, o governo apoiou o projeto que limitou a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia, gás natural, comunicações e transportes coletivos. Com isso, o preço nas refinarias e na bomba em São Paulo e Goiás começou a cair, mas outros 11 estados e o Distrito Federal acionaram o Supremo Tribunal Federal contra a medida.

As trocas de comando da empresa também são uma tentativa de interferência. Na terça-feira 28/6, Caio Paes de Andrade assumiu a presidência da Petrobras, quarto a ocupar a posição durante a gestão de Jair Bolsonaro. Segundo informação do blog do Valdo Cruz, o presidente tem dito a interlocutores que Paes de Andrade vai trocar toda a diretoria. Bolsonaro também disse que o novo presidente dará “nova dinâmica” para preços dos combustíveis.

Quais são as alternativas

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As alternativas discutidas pelos entrevistados não são convergentes e variam de acordo com a orientação político-econômica. Mas em uma coisa eles concordam: a volta do congelamento dos preços não é uma delas.

Mas, para entender as alternativas propostas, é preciso compreender, primeiro, o cenário da cadeia do petróleo no Brasil. Apesar de ser um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo, o país não é autossuficiente em refino. Isso faz com que a gente consiga produzir e vender óleo bruto, mas precise comprar derivados refinados, como a gasolina e o óleo diesel.

“Sem investimento em refinarias e na atividade de refino e distribuição no Brasil, não vamos superar a dependência da importação de derivados. Hoje não seria nem exequível nem adequado praticar uma política de congelamento de preços porque a gente importa mais do que no passado. Então, se a gente congelasse o preço hoje, provavelmente teríamos risco de desabastecimento. Por isso, ela não é capaz de enfrentar o cenário que está posto”, diz Nozaki.

Mas esse investimento em refino não resolve o problema atual. Por isso, no curto prazo, a alternativa seria, segundo Nozaki, “alguma medida para estabilizar o preço”.

“Os especialistas discutem como alternativa a criação de um fundo de estabilização que amorteça essas oscilações e crie condições para que a gente possa ter o abastecimento de derivados e combustíveis no mercado interno. Acho que o fundo é uma medida importante. Evidentemente existe um debate sobre como esse fundo deve ser abastecido”, explica o professor.

O Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que ele coordena, avalia que o fundo deveria ser abastecido com a criação de duas taxações: sobre os “lucros extraordinários” das empresas de petróleo que atuam no Brasil e sobre a exportação de óleo cru, “como uma forma de desestimular a venda de óleo e estimular a produção de derivados no país”, explica.

Já o projeto em avaliação no congresso, os recursos para o fundo viriam das participações do governo relativas ao setor de petróleo e gás destinadas à União, dividendos (lucros distribuídos a acionistas) da Petrobras pagos à União, receitas públicas geradas com a evolução das cotações internacionais do petróleo bruto e parcelas de superávits financeiros extraordinários.

Rochlin não concorda com o projeto, mas sugere também uma forma de “compensação” do governo mirando os mais pobres, sem segurar o preço.

“A Petrobras é uma empresa de economia mista. O governo, como acionista controlador, faz jus a uma parcela importante dos dividendos que a empresa paga. Então eu entendo que esse alto lucro da Petrobras, decorrente dessa política que ela usa atualmente, poderia ser utilizado pelo governo para fazer políticas públicas e muito bem calibradas para a população de menor renda”, diz.

Como outros países têm atuado

Os países da América Latina adotam diferentes políticas de preço, entre elas: repasses com periodicidade fixada, fundos de estabilização e subsídios governamentais.

No Chile e na República Dominicana, o governo reajusta preços semanalmente seguindo os valores internacionais. E Chile, Colômbia e Peru possuem fundos de estabilização, que consistem no estabelecimento de preços máximos e mínimos. Então, quando o valor internacional está muito alto, cobra-se o máximo. E quando está muito baixo, o mínimo.

Já o Equador adotou, nos últimos anos, uma política de reajustes mensais, através da qual estabelecia preços sugeridos e máximos. Mas, no fim do ano passado, o presidente eleito Guillermo Lasso anunciou um congelamento de preços para conter protestos. E neste domingo (26), reduziu o preço do galão em 10 centavos de dólar para parar uma greve de duas semanas.

Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden propôs a suspensão por três meses de um imposto federal sobre os preços dos combustíveis e pediu aos produtores de hidrocarbonetos que aumentem sua capacidade de refino e acompanhem as flutuações dos preços do petróleo bruto também para baixo e não apenas quando sobem.

Na Europa, a maioria dos países adotam o PPI. Porém, diante deste cenário atípico em que a demanda está alta e a oferta, baixa, muitos governos têm decidido fazer pequenas intervenções para conter o avanço da inflação.

Portugal adotou, em novembro do ano passado, um “voucher de carro”, uma espécie de auxílio gasolina: o governo dá 40 centavos de euro por litro, no limite de 20 euros por mês, para as pessoas inscritas no programa. E também suspendeu o aumento de dois impostos.

Na França, o primeiro-ministro Jean Castex anunciou, em março, o corte de 15 centavos de euro por litro de combustível entre abril e julho. O desconto é aplicado pelos distribuidores e reembolsado pelo estado. A medida vai custar ao governo 2 bilhões de euros.

Na Polônia e na Irlanda, os governos também reduziram os impostos dos combustíveis para baixar de 15 a 20 centavos por litro.