É maravilhosa a sensação de acordar de manhã pensando: “Hoje acordei novo em folha”. Mas nem sempre é isso que acontece.
O nosso dia-a-dia é repleto de preocupações – e, às vezes, na hora de ir dormir, não conseguimos pregar os olhos, por maior que seja o cansaço.
Contamos carneiros, fazemos exercícios de respiração e colocamos em prática todos os conselhos que possam nos levar a conciliar o sono e acordar de manhã com vontade de dominar o mundo – ou, pelo menos, bem descansados para cuidar dos nossos afazeres diários.
Nossa busca é pelo desejado sono reparador. E descrevê-lo assim, como “sono reparador”, não é apenas uma metáfora.
Basta fazermos as contas para concluir facilmente que passamos um terço das nossas vidas dormindo. Mais cedo ou mais tarde, entre avisos e sensações, chega um momento em que o corpo nos dá sinais para descansarmos. E, se o corpo nos pede, é por algum motivo.
Dormimos para reparar o DNA dos neurônios
A origem mais profunda dos sinais que nos induzem ao sono está nas nossas células. Esses sinais são ativados de forma precisa para reparar os danos produzidos no seu interior, de forma natural, durante as atividades diárias.
Os mecanismos moleculares que nos levam ao sono foram revelados em um estudo recente em modelos animais, já que dormir é essencial para todos os organismos dotados de sistema nervoso. Ficou demonstrado que o propósito final do sono é reparar os danos acumulados no DNA enquanto estamos acordados.
Sim, é isso mesmo! Quando estamos acordados, a pressão homeostática que nos induz ao sono – ou seja, o cansaço – acumula-se no corpo. Somos acumuladores de cansaço quando estamos ativos e vamos descarregando enquanto dormimos, até chegar ao nível mínimo de cansaço depois de uma noite inteira de bom sono.
A principal causa do aumento da pressão homeostática é o acúmulo de danos ao DNA dos neurônios. Durante o funcionamento normal de todas as nossas células, são produzidas reações cujos produtos podem danificar o DNA e, portanto, os genes que nos fazem ser como somos.
Todas as células possuem mecanismos moleculares para combater os danos, dia e noite. Mas os neurônios são mais suscetíveis ao acúmulo de danos quando estamos acordados, chegando a níveis perigosos que não podemos permitir.
A ciência revelou que o sono desperta os sistemas de reparação do DNA, que o consertam com tanta eficiência que acordamos renovados, melhor do que nunca estivemos. Portanto, usar a metáfora “sono reparador” faz todo sentido.
PARP1 nos coloca para dormir
Uma das primeiras moléculas a reagir e ativar os mecanismos que nos induzem ao sono é a proteína PARP1.
Sua missão é de vital importância: ela é encarregada de assinalar os locais do DNA que foram danificados e convocar os sistemas adequados para repará-los.
Um resultado interessante do estudo foi que, quando a proteína PARP1 é impedida de agir, a sensação de sono desaparece. Mas essa inibição também faz com que não se ativem os sistemas de reparação das mutações de DNA – o que não é nada bom, como é fácil deduzir.
Quantas horas de sono são necessárias?
Para verificar se existe um mínimo de horas de sono para atingir o desejado sono reparador, utilizou-se para o estudo o peixe-zebra – um modelo animal de uso comum nos estudos sobre o cérebro, que possui sono similar ao dos seres humanos.
Após analisar a relação entre as horas de sono e a reparação do DNA, o estudo concluiu que seis horas de sono por noite costumam ser suficientes para a redução adequada dos danos ao nosso DNA.
E se tivermos uma festa?
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Entre os muitos mecanismos neuronais diferentes que regulam os ciclos de sono e vigília, encontra-se também a motivação.
A motivação, sem dúvida, faz com que sejamos mais propensos a permanecer acordados ou parar tudo e ir dormir, conforme a situação.
Se estivermos motivados, podemos manter bom rendimento físico e mental, por exemplo, escrevendo um artigo interessante, lendo um bom livro ou dançando em uma festa animada – tudo isso além dos nossos horários habituais e ignorando a pressão homeostática.
É claro que, na natureza, a formação de relações com os demais da mesma espécie, as oportunidades de acasalamento e a presença de predadores geram respostas motivacionais que modulam os estados de excitação.
Existem animais que conseguem permanecer acordados ou dormir muito além do normal e até manter acordada somente a metade do cérebro, com um único olho aberto.
Algo similar acontece em seres humanos quando dormimos em uma cama diferente da nossa em uma viagem, o que é conhecido como efeito da primeira noite. Por isso, é muito importante conhecer ao máximo os processos que modulam a excitação e sua relação com permanecer acordado ou ir dormir, a fim de evitar situações delicadas e até de conflito.
Por seu significado e relação com o tema, finalizamos com os primeiros versos de O sono, do poeta argentino Jorge Luis Borges:
Se o sono fosse (como dizem) uma
trégua, um puro repouso da mente,
por que, se te acordam bruscamente,
sentes que te roubaram uma fortuna?
*Francisco José Esteban Ruiz é professor titular de Biologia Celular da Universidade de Jaén, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol). BBC