O entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto é Filipe Duarte Santos, especialista internacional em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS).
As alterações climáticas estão há vários anos na ordem do dia, mas são cada vez mais frequentes (e agressivos) os fenómenos meteorológicos que nos provam que urge mudar a forma como tratamos o ambiente.
Recentemente, em pleno julho, inundações em vários países da Europa mataram mais de 200 pessoas. Já nos EUA várias centenas sucumbiram ao calor. Quase já não se vê água na Califórnia, que vive a sua maior seca desde 1977 e cujos termómetros atingiram o valor inimaginável de 54,4º C.
E foi para nos falar destes temas e da necessidade urgente de criar harmonia com o meio ambiente que convidamos Filipe Duarte Santos, professor catedrático jubilado de Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, especialista internacional em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), desde 2017, para uma grande entrevista.
O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável celebra este ano 22 anos de existência. Que mudanças, a nível de estratégia e de preocupação ambiental, marcam estas duas décadas?
Tem havido uma transformação positiva, embora os problemas tenham aumentado. Aquilo que me parece é que existe mais consciência das problemáticas ambientais, existem mais organizações, mais associações, mais iniciativas privadas de pessoas conscientes de que é necessário mudar os comportamentos, de que é necessário ter uma relação mais harmoniosa com o ambiente. Contudo, os problemas têm-se agravado porque os desafios são maiores. Um desafio que é à escala global e que tem a ver com o ambiente são as zoonoses [doenças dos animais transmissíveis ao homem, como é o caso da Covid-19], que têm estado a aumentar. Por exemplo, esta que temos neste momento não sabemos exatamente como é que saltou para a nossa espécie, mas sabemos que teve origem num animal selvagem, como é o caso da SIDA, da ébola e vários tipos de gripe. E esse aumento de zoonoses tem a ver com a desflorestação, sobretudo das regiões tropicais, com a agricultura intensiva e com o facto desta se ter estendido. Os animais ficam stressados porque o seu habitat está a ser destruído. É muito provável que, no futuro, tenhamos mais zoonoses, menos graves ou até mais graves do que aquela que temos atualmente, zoonoses que dão origem a pandemias ou epidemias.
Outro desafio é o das alterações climáticas que há 22 anos já se faziam sentir, mas não com muita expressão, ao contrário do que acontece atualmente, como vimos muito recentemente na zona oeste e noroeste da América do Norte, que registaram temperaturas extremamente elevadas, provocando um elevado número de vítimas mortais. Em Portugal também temos tido secas mas, este ano, felizmente, houve precipitação acima do normal. Contudo, as alterações climáticas estão a provocar eventos extremos cada vez mais frequentes e mais intensos, como por exemplo, ciclones tropicais, os incêndios e as inundações.
O Governo até pode ter muito boas intenções, mas a capacidade que tem é limitada e agora, com a pandemia, isso ainda será mais agravado
Então a população está mais preocupada em estar em harmonia com o meio ambiente. Mas e a nível de estratégias, tem havido investimento por parte dos decisores políticos?
Sim, os vários governos portugueses têm estado sensibilizados para as questões ambientais. Por exemplo, tem sido feito um investimento muito positivo nas energias renováveis, no sentido de uma transição energética dos combustíveis fósseis, apesar de ainda existir muito trabalho a fazer no sentido de atingir a descarbonização até 2050, não só em Portugal, mas ao nível da União Europeia. Claro que depois há setores em que os avanços têm sido menos conseguidos, como é o caso da conservação da natureza, das áreas protegidas e das zonas costeiras, algo que constitui um grande desafio para Portugal. Para seremos mais proativos em relação ao ambiente é necessário haver alguma disponibilidade financeira para tal e isso implica que, do ponto de vista económico, Portugal tenha uma economia que seja geradora de riqueza, algo que não tem acontecido nas últimas duas décadas.
O crescimento português não é comparável a outros países da União Europeia, a nossa posição não tem melhorado, estamos longe da convergência e isso reflete-se depois em tudo aquilo que é da responsabilidade do Estado e do Governo. O Governo até pode ter muito boas intenções, mas a capacidade que tem é limitada e agora, com a pandemia, isso ainda será mais agravado, apesar de termos esta oportunidade de investimento que nos chega através da União Europeia [PPR].
Um dos problemas mais apontados a Portugal, a nível ambiental, é o da floresta desordenada, tida como uma das principais responsáveis pelos fogos. O que é preciso fazer para corrigir esta situação e quais as consequências se não houver medidas mais agressivas?
A floresta em Portugal é um caso singular porque grande parte, mais de 93%, está nas mãos de privados e isso não acontece nos outros países da União Europeia. É uma característica que é distinta dos outros países e que causa problemas na gestão da floresta. Além disso, em geral, temos uma propriedade muito fragmentada, são pedaços de floresta, propriedades em regime florestal, de pequena dimensão. Acresce ainda o problema de não termos um cadastro atualizado para todo o território com floresta em Portugal, apesar desta ser uma intenção que existe há muitos anos. A estes desafios junta-se ainda a questão económica.
Muitos proprietários não têm retorno económico dos terrenos e não têm condições económicas para os gerir. Por isso, há algum abandono da floresta. E os incêndios agravam este problema porque um proprietário que já fazia pouco fica ainda menos motivado ao pensar que vai arder tudo novamente. Por isso, há aqui aspetos que são muito difíceis de resolver.
A tendência é que haja cada vez mais eucaliptos o que não é uma coisa de modo nenhum positiva
E depois há ainda o problema de algumas espécies de árvores, como é o caso do eucalipto, certo?
No que diz respeito às espécies, é importante referir que o eucalipto tem características relacionadas com produção da pasta de papel muito boas e é uma atividade que, do ponto de vista económico, é rentável quando feita de uma forma moderna, com uma gestão eficiente. O problema é que há muitas zonas do país que têm eucalipto que não está gerido da forma eficiente. O eucalipto tem tendência a propagar-se no terreno com mais facilidade que o pinheiro bravo que, hoje em dia, tem uma extensão menor por ter ardido e por não estar a ser replantado, pois do ponto de vista económico é menos interessante do que o eucalipto. A tendência é que haja cada vez mais eucaliptos o que não é uma coisa de modo nenhum positiva, mas as razões têm a ver sobretudo com a recompensa económica deste.
Depois temos o montando que é um ecossistema que existente sobretudo na Península Ibérica, no norte de África e em Itália. É um ecossistema muito interessante que, de certo modo, foi criado pelo homem e que tem grande valor económico, muito por causa dos sobreiros e do porco preto, que é muito apreciado em Espanha. O montando assume assim um valor cultural e uma biodiversidade muito grande, por isso, é algo que importa assegurar. Contudo, as zonas do montado estão, com frequência, numa situação de stress hídrico e isso torna os sobreiros e as azinheiras vulneráveis às doenças, menos resistentes, menos resilientes, ou seja, há uma mortalidade elevada do montado.
Tem havido uma adaptação, existem iniciativas de fazer a rega dos sobreiros, mas isso coloca outro problema, o da disponibilidade de água. Estas, assim como os carvalhos, são as espécies principais que existem na floresta portuguesa. Na zona nordeste existem mais castanheiros e não tem havido grandes problemas com incêndios florestais e é uma espécie que tem valor económico. Isso é um aspeto determinante.
Recentemente, o Governo lançou uma iniciativa, de forma a preservar os ecossistemas, que prevê dar benefícios aos proprietários que ajudem a conservar a paisagem de modo a que esta seja menos vulnerável aos incêndios florestais.
A linha de costa está a recuar e nós temos várias povoações construídas em cima de dunas, que são muito agradáveis para passar férias, em que as pessoas construíram casas e prédios para terem uma bela vista para o mar, muito perto deste e agora, para protegermos essas casas, temos de fazer uma proteção dura
Outro desordenamento de que se fala frequentemente é o do Litoral, a forma como se construiu sobre a costa portuguesa. Quais são as zonas mais flagrantes? O que se pode fazer e o que poderá acontecer a estas construções no futuro, com as alterações climáticas?
A zona costeira portuguesa tem vários troços que sofrem bastante de erosão. Temos a costa oeste que é uma zona costeira extremamente energética, com ventos fortes de quadrante oeste e norte, sobretudo, por causa da presença do anticiclone dos Açores, a que chamamos nortada no verão. Esses ventos geram uma ondulação grande, por isso é que temos um bom surf, isso é uma vantagem [risos]. Depois o que acontece é que essas ondas transportam a areia de Norte para Sul, ou seja, o mar está permanentemente a tirar a areia do Norte e a pô-la no Sul. Isto em qualquer troço da nossa costa! Para haver uma situação de equilíbrio a areia que o mar retira da praia devia ser reposta, mas de onde é que vem essa areia? Vem dos rios, mas agora os rios têm barragem e transportam muito menos sedimentos e areia do que transportavam no passado.
Além disso, no passado, foram retiradas dos rios grandes quantidades de areia para a construção civil e agora já não transportam tanta areia como transportavam no passado, já não compensam a areia que é retirada pelo mar. As ondas vão continuar a tirar areia das praias e essa erosão traduz-se no recuo da linha de costa. A linha de costa está a recuar e nós temos várias povoações construídas em cima de dunas, que são muito agradáveis para passar férias, em que as pessoas construíram casas e prédios para terem uma bela vista para o mar, muito perto deste e agora, para protegermos essas casas, temos de fazer uma proteção dura.
Algo que poderá ser ainda mais prejudicial para o ambiente…
Sim mas é, de certo modo, inevitável. Essas casas, ruas até, vão ter de ser protegidas e isso tem um custo. Esta situação acontece sobretudo entre a foz do rio Minho e a Nazaré. Após a Nazaré, a costa tem arribas com frequência, é mais de praias encastradas, pequenas praias, onde a quantidade de areia é muito variável. E depois volta a haver uma erosão bastante intensa na parte leste do Algarve, essencialmente, entre a Praia do Ancão até à foz do Guadiana. Mas a questão aqui é que estes problemas de erosão vão ser agravados pela subida do nível médio global do mar e, portanto, os custos associados a proteger a costa vão aumentar.
E só temos três tipos de resposta a este desafio: A proteção com obras de engenharia que podem ter aspetos variados como pontões ou estruturas paralelas ao mar; uma acomodação intermédia em que vamos procurar soluções com base nos ecossistemas, para tentar ter uma resposta que não envolva o custo destas obras pesadas; ou o recuo. Mas o recuo é uma questão extrema e extremamente difícil para os proprietários dessas residências.
Em última análise, o que interessa é o custo, quem paga, qual o financiamento que se usa para pagar. Não é provável que seja a União Europeia a providenciar todos estes pagamentos.
Aquilo que fazemos hoje em dia não vai ter impacto amanhã ou na próxima semana, mas sim a médio e longo prazo. Este problema é, de certo modo, novo para a humanidade, por isso é que há uma grande dificuldade em percebê-lo
E estas medidas não deveriam já ter sido tomadas?
Isto é um processo relativamente lento, mas inexorável. Nós estamos a fazer a nível mundial, sobretudo a União Europeia, um grande esforço pela descarbonização, mas no que diz respeito às alterações climáticas a temperatura média global da atmosfera só vai começar a diminuir no próximo século, na melhor das hipóteses. Portanto, ainda é um processo que se está a agravar. É um processo que é relativamente lento, que envolve várias gerações.
As pessoas em geral e os governos em particular estão mais centrados nas questões a curto prazo. Aquilo que vai acontecer às gerações futuras, daqui a 30/40/50 anos será o problema deles. A questão é que, além destes processos serem lentos, aquilo que fazemos hoje em dia não vai ter impacto amanhã ou na próxima semana, mas sim a médio e longo prazo. Este problema é, de certo modo, novo para a humanidade, por isso é que há uma grande dificuldade em percebê-lo.
Em junho, o Conselho Nacional do Ambiente apresentou um conjunto de recomendações sobre os ‘Vales Eficiência’, anunciados pelo Governo. De que forma é que esses vales deveriam ser utilizados para melhorar a eficiência energética dos edifícios?
Termos casas em que o desempenho, no que respeita à climatização das nossas casas, ao conforto térmico, está otimizado, de forma a consumimos o mínimo de energia. Este é um tema muito importante em todos os países do mundo. É uma questão muito específica e que se põe tanto a nível daqueles dias em que há necessidade de aquecer as nossas casas como nos dias em que é necessário arrefecê-las e isso tem tudo a ver com a construção dos edifícios. Há normas quando se trata de edifícios novos para aumentar a eficiência energética desses edifícios, mas depois há todos os edifícios antigos e Portugal é um país que tem muitos, que quando foram construídos ninguém pensava em eficiência energética. Hoje em dia as coisas evoluíram no sentido de ser possível melhorar muito a eficiência energética até dos edifícios mais antigos, no sentido de consumir menos energia ao mesmo tempo que as pessoas se sentem confortáveis do ponto de vista térmico no seu interior.
A União Europeia tem feito um esforço no sentido de melhorar a eficiência energética da construção. A questão da energia é muito importante para futuro, sobretudo se pensarmos à escala global. A população continua a crescer e, apesar de não ser o caso de Portugal, isso é realmente um problema. As pessoas têm a expetativa de ter melhores condições de vida, bem estar, prosperidade económica e a energia desempenha um papel crucial ao presente e ao futuro. Se usarmos energia de forma eficiente, ou seja, se para a mesma funcionalidade consumirmos menos energia, isso é uma vantagem muito grande e podemos ter ganhos nesse processo de eficiência energética.
Consumir menos energia para a mesma funcionalidade é realmente algo que todos estamos de acordo e que é urgente fazer avanços nesse sentido
Daí a importância de utilizar estes vales da melhor forma.
É muito importante fazer uma avaliação dos edifícios, é um problema que é mais longo, mais demorado, mas é importante porque se o vale serve apenas para comprar equipamentos isso pode não significar uma maior eficiência energética. As pessoas quando obtêm esse vale ficam muito satisfeitas, porque isso permite ter maior conforto energético, mas o objetivo é não só satisfazer as pessoas como melhorar a eficiência energética do país, para que o nosso consumo de energia, que ainda em grande parte depende dos combustíveis fósseis, diminua.
Já temos uma geração de eletricidade em que mais de 50%, o que também é variável, é de fonte renovável, mas ainda temos uma dependência muito grande dos combustíveis fósseis. Portanto, consumir menos energia para a mesma funcionalidade é realmente algo que todos estamos de acordo e que é urgente fazer avanços nesse sentido.
Outro dos desafios que o mundo enfrenta está relacionado com o setor da agricultura. Apesar de a população estar cada vez mais preocupada em consumir produtos biológicos, este setor também traz preocupações, principalmente, devido à pressão sobre o solo e ao consumo de água, como é o caso dos abacates, no Algarve. Qual a posição do Conselho Nacional do Ambiente sobre isso?
Este é um assunto com alguma complexidade. Temos duas questões. No passado, a agricultura era uma agricultura de sequeiro, portanto, não era irrigada. Hoje em dia há uma grande competição entre os países e a agricultura do regadio é muito mais produtiva. A precipitação média no sul da Europa e, sobretudo, na Península Ibérica e em Portugal tem estado a diminuir, devido às alterações climáticas. Nós temos uma grande diferença de precipitação do Norte para o Sul, sempre tivemos. No Gerês temos precipitações anuais na ordem de 1.800 milímetros num ano, mas depois se formos para Mértola temos precipitações na ordem de 400 milímetros, o que é quatro vezes menos, são diferenças muito fortes.
Portugal sempre conheceu secas e na Idade Média essas secas eram terríveis, causavam fome. Evidentemente que isso hoje não acontece em Portugal, mas acontece noutras regiões do mundo. Acontece em África, que não é assim tão distante de nós. A água é realmente um bem essencial, muito importante. Isso para salientar a diferença que existe no mundo dos países com economias avançadas e dos países que não têm economias avançadas.
Temos de caminhar no sentido de ter uma maior sustentabilidade do solo, no fundo, isto tudo é um problema de sustentabilidade
Ou seja, temos de ter cuidado com a agricultura do regadio.
Existem muitos funcionários agrícolas em Portugal que estão a desenvolver projetos que são competitivos a nível mundial e isso é importante. Produzir para se exportar é essencial para a economia do país, para termos alguma viabilidade económica. Portanto há muitos projetos que são competitivos e bem geridos e em que a questão da água é tida em conta. Depois há outros projetos em que isso não é tido em conta e são esses que nos devem preocupar. Outra questão preocupante é a das câmaras municipais. Algumas, nas suas redes de abastecimento, têm perdas de água na ordem dos 30% a 40%, portanto, é realmente um problema.
Mas voltando à agricultura irrigada e estou a pensar em particular no Alqueva, esta zona tem, a médio e longo prazo, problemas relativamente à preservação do solo. As águas que vêm do Alqueva contém fertilizantes, que foram utilizados na agricultura a montante, em Espanha, e esses fertilizantes escoam para o rio, cujas águas são utilizadas para a rega. Esses fertilizantes ficam no solo e isso representa uma degradação do solo e uma perda de qualidade, o que fará com que haja uma maior dificuldade em produzir nesse solo, se não forem tomadas medidas de conservação do mesmo. Há coisas bem feitas e coisas que não estão assim tão bem feitas. Temos de caminhar no sentido de ter uma maior sustentabilidade do solo, no fundo, isto tudo é um problema de sustentabilidade.
Já em relação à plantação dos abacates, o que não me parece ser o caminho adequado é quando as coisas se fazem de uma forma casuística, sem um planeamento adequado. O Algarve tem de facto um problema com a água e as pessoas têm consciência e reconhecem isso. Está a ser elaborado um plano para os recursos hídricos do Algarve. O problema é encontrar novas disponibilidades de água. A precipitação não é suficiente para todos os usos que se fazem da água. E como é que isso se resolve? Uma das maneiras de se resolver é através do conceito de economia circular. Nós podemos reciclar a água, podemos fazer o tratamento e reutilizar essa água. O tratamento da água até pode ser a vários níveis, com maior ou menor exigência. Se for mais exigente, esse tratamento permite que a água sirva depois para rega, para a agricultura irrigada. É isso que já se faz em vários países, como Israel, onde mais de 80% das águas utilizadas na agricultura são águas tratadas e águas dessalinizadas, ou seja, utilizam a água do mar e fazem um tratamento das águas residuais urbanas. Em Espanha, 17% das águas utilizadas na agricultura são águas que resultam da dita reciclagem das águas residuais urbanas. Portugal está já a começar esse caminho conta já com alguns exemplos.
Onde, por exemplo?
Na zona do Alentejo. Além da agricultura, estas águas recicladas podem ser utilizadas para outros fins, como para limpar as cidades, nos campos de golfe. Se essas águas para regar os campos de golfe forem águas residuais tratadas, o problema é menor. Não desaparece, mas torna-se menor. Esta via é a mais adequada. Encontrar outras disponibilidades de água para combater a escassez. A escassez também só existe se o consumo for maior que a disponibilidade. Depende muito do crescimento da população, da atividade económica da mesma, de haver agricultura ou não.
Portugal atingiu o pico das suas emissões em 2005 e desde então têm decrescido, fruto de uma desaceleração da economia portuguesa. Contudo, neste momento, tem tido uma tendência a estabilizar, o que não é uma boa notícia
E quanto aos gases que contribuem para o efeito de estufa, como estamos? A pandemia foi positiva nesse aspeto, pelo menos, segundo as associações ambientais.
Em relação aos gases com efeitos de estufa, à escala mundial, as emissões reduziram 7% em 2020 em relação a 2019. Nunca se tinha registado uma quebra tão grande. Foi maior do que aquela que se deu na Primeira Guerra Mundial, na pandemia da gripe espanhola, na grande crise económica de 1939, na Segunda Guerra Mundial. Foi muito maior que tudo isso. Portugal atingiu o pico das suas emissões em 2005 e desde então têm decrescido, fruto de uma desaceleração da economia portuguesa. Contudo, neste momento, tem tido uma tendência a estabilizar, o que não é uma boa notícia. Temos de fazer um maior esforço de voltar a diminuir as emissões de forma a cumprir a meta da descarbonização.
Tem uma vasta carreira académica na área da sustentabilidade e alterações climáticas. Como é que cada um de nós pode contribuir para um mundo melhor e para a justiça intergeracional, mais conhecida por justiça climática?
A energia, como já referi anteriormente, é essencial. Se tivermos mais eficiência energética nas nossas casas contribuímos para reduzir o problema que existe, que é um problema à escala mundial e que qualquer pessoa pode contribuir para diminuir. Maior eficiência energética contribui para a mitigação das alterações climáticas, para reduzirmos os gases com efeito de estufa, porque cerca de 70% das fontes energias ainda vêm de combustíveis fósseis, apesar de termos investido muito em energias renováveis.
Outro aspeto, também relacionado com a energia, é a mobilidade, termos uma mobilidade mais racional, que as deslocações sejam apenas as essenciais e feitas pelos meios menos poluentes. Por exemplo, as pessoas que vão comprar um carro novo pensarem na possibilidade de adquirir um veículo elétrico.
Nem todas as pessoas têm a possibilidade de ter um carro elétrico e nem todas as pessoas têm possibilidade de viver em moradias e ter painéis solares
Sim, mas por exemplo os painéis solares e os veículos elétricos ainda têm um custo que não é praticável para todas as carteiras. Acha que o Estado devia dar mais ajudas nesse sentido?
O Estado não pode fazer tudo. O Estado não pode ter as despesas que tem em relação à educação, à saúde, à manutenção da segurança, das vias, com os funcionários públicos. Todas as despesas do Estado já são muito importantes. Aquilo que é necessário é que o país consiga ter uma economia que permita maior riqueza. As verbas que o Estado disponibiliza são verbas que vêm dos impostos, do trabalho das pessoas e da União Europeia (UE). E nós temos recebido quantidades muito interessantes de verbas da UE, mas o país tem de ter uma certa dinâmica económica para fazer face a tudo aquilo que as pessoas desejam, como por exemplo, criar mais incentivos para a transição elétrica.
Nem todas as pessoas têm a possibilidade de ter um carro elétrico e nem todas as pessoas têm possibilidade de viver em moradias e ter painéis solares. Tudo isto exige um custo e as verbas do Estado vêm dos impostos e da UE, não existem mais fontes de dinheiro para serem gastas.
De acordo com a ONG ANP/WWF, a liderança nacional do Conselho da União Europeia foi “pouco ambiciosa” para o ambiente. Concorda que as expetativas que foram lançadas para os seis meses de presidência não foram cumpridas? O que era esperado?
Penso que foi um período muito difícil devido à pandemia. Contudo, globalmente, acho que a presidência portuguesa da UE foi bem sucedida. O Governo fez um grande esforço nesse sentido. As condições são difíceis, mas houve coisas muito interessantes, como por exemplo, um contacto mais próximo com a Índia, uma aproximação europeia à Índia, nas questões do ambiente. Também foi durante a presidência portuguesa que foi aprovada a Lei do Clima e isso é um ponto muito importante. Por isso, acho que foi bem conseguida a nossa presidência.