“Em uma semana três colunas foram arrancadas sem nenhum aviso prévio. Eu me pergunto: como uma única coluna vai sustentar esse teto?”, questiona a jornalista campo-grandense Súzan Benitez, de 31 anos, em postagem em seu Instagram. Foi nela que a repórter do jornal Correio do Estado comunicou, na madrugada do último sábado (20), a morte de seu pai, seu Atanacildo, o seu Tanaka – terceiro membro da família a morrer por covid num intervalo de 8 dias.
A família de Súzan entrou na estatística nefasta das famílias dizimadas durante a pandemia. Antes do pai, Súzan já havia enterrado o irmão, Rafael, que faleceu no dia 14. Um dia antes, Súzan perdeu a mãe, dona Roseneide. “Eu realmente não consigo entender como estou de pé, porque estou devastada. Eu perdi tudo de valor que eu tinha. Minha mãe, meu irmão e meu pai. A dor que eu sinto ao me referir neles no passado é indescritível”, conta Súzan ao Jornal Midiamax. “Minha vida foi completamente estraçalhada. Tudo o que eu tinha foi destruído, estou vivendo um dia de cada vez”.
A jornalista concordou em relatar o luto para alertar as pessoas sobre os riscos da doença. O caso dela se encaixa no que tem sido observado com mais intensidade nesta segunda onda da pandemia: infecções intrafamiliares, quando um membro da família passa a doença para os demais. No caso deles, porém, ninguém sabe como e nem por onde o vírus chegou.LEIA TAMBÉM:
Isolamento real
A família de Súzan era disciplinada. Não recebiam visitas, não saiam sem necessidade, tomavam todos os cuidados possíveis, não ignoravam o uso de máscaras. Suzan movimentava-se de casa para o trabalho, não ia a bares ou a locais de aglomeração. Os pais eram caseiros: dona Neide e seu Tanaka eram extremamente cuidadosos. Passaram o natal reclusos, sem ceder à tentação de uma ceia em família. Rafael, que tinha apenas 34 anos, era analista de tecnologia. Reservado, corintiano roxo, ele gostava de cantar e tocar violão com amigos, mas a plateia teve que sumir durante a pandemia. Mesmo assim, o coronavírus bateu à porta.
O pai de Súzan foi o primeiro a ser internado. E desde o início, seu estado de saúde manifestava gravidade. Rafael foi internado na sequência. Até que dona Neide também precisou de cuidados médicos. Súzan, que também foi infectada, ficou sozinha, recuperando-se em casa. Namorado dela há 8 anos, o também jornalista Bruno Nascimento ficou 11 dias internado e teve alta apenas no sábado (20).
“Não sei de onde eu tirei forças quando fiquei só, mas nem imaginava que tanta coisa ia acontecer. Olha, eu já tinha enterrado minha mãe quando eu recebi a notícia da morte do meu irmão. Fiquei completamente sem chão. Eu senti uma dor física, não era espiritual, sabe? Era física. Meu coração doía de verdade. Sou uma pessoa de fé e pedi a Deus para ter misericórdia e parar meu coração, porque não saberia viver sem ele. Tive que resolver todos os trâmites de sepultamento, certidão, tudo sozinha. Era muita dor”, conta Súzan.
“Pai, você pode ir”
“Só que eu não morri, estava ali, ainda viva. E eu entendi que se ainda estava de pé era porque eu tinha que continuar. Eu me apeguei à possibilidade do meu pai melhorar, apesar da situação dele ser muito grave desde o começo. Eu tive essa fé de que ele poderia voltar. Minha ligação com meu pai parecia ser mais forte, a gente era muito parecido. Mas, quando o boletim dele começou a vir pior, fui percebendo que não haveria saída”, relata.
Súzan conta que passou a noite em claro na quinta-feira, em orações. “Eu conversava com meu pai. Não era com Deus, era com meu pai. Eu dizia a ele que estava sendo tudo muito difícil e que eu não iria aguentar sozinha. Pedia para ele resistir e melhorar. Mas, quando eu recebi o boletim dele na sexta-feira, vi que ele estava sofrendo muito e entendi que ele só ainda estava aqui por mim, pela nossa ligação. Em oração, conversei com ele de novo e disse: pai, você pode ir. Eu não quero que você sofra. Eu vou ficar e ser forte”, relatou.
“Eu tive a certeza, depois disso, que ele ia embora. Fiquei a madrugada acordada, esperando a ligação dos medicos no celular. E eu recebi a ligação. Ele morreu na madrugada do dia 20, às 2h30 da manha, uma semana depois da minha mãe e do meu irmão”.
Força inexplicável
Em casa, a jornalista encontra forças transcendentais para resistir à dor. Ela cuida de Bruno, que está ainda convalescente da doença. A mãe dele, a propósito, encontra-se intubada, também por conta da covid. “Acredito de verdade que o que tem me sustentado é o amor deles. A única coisa que sei explicar é isso. Um amor tão grande que continua me sustentando”, relata.
Na tarde do último domingo (21), Súzan viu uma corrente do bem se formar. Articulada por colegas jornalistas e amigos, Súzan foi agraciada com uma vigília, na qual uma carreata passou em frente a sua casa, no bairro Aero Rancho. Flores, doces, comidinhas e orações, para aquecer o coração devastado.
“Fez muita diferença. Apesar dessa dor, tem muita gente que tem me apoiando desde o primeiro dia. Gente que eu mal conhecia. Nunca me senti só. A vigília foi fantástica, muito impactante, tinha gente de épocas diferentes da minha vida, professores, colegas, amigos… Foi uma corrente do bem que se formou e que segue fazendo muita diferença. Assim como a alta do Bruno, esse carinho me ajudou a seguir por mais um dia”.
O relato de Súzan tem um objetivo: pedir que as pessoas tomem consciência e tomem todos os cuidados. “Essa história conto para quem não usa máscara, para quem aglomera, para quem ignora os cuidados e diz que isso não existe. Existe sim. A dor que eu vivo é reflexo disso, ela é real”, finaliza.