Pelo sistema de cotas criado na crise de imigração em 2015/2016, uma cidade como Potsdam, por exemplo, com cerca de 180 mil imigrantes, receberia 3 imigrantes.
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Quando o governo alemão anunciou que receberia 1.553 refugiados do campo de Moria, destruído por um incêndio na ilha grega de Lesbos, manifestantes foram às ruas em Colônia, Berlim, Munique, Leipzig e dezenas de outras cidades alemãs.
O protesto não era contra a chegada dos imigrantes, mas para dizer que o país poderia receber mais gente. “Teríamos espaço para todos os 13 mil de Moria e muito mais”, diz Liza Pflaum, representante da Seebrücke, uma rede de 183 cidades que se declaram “portos seguros” para os refugiados.
Pelo sistema de cotas criado na crise de imigração em 2015/2016, uma cidade como Potsdam, por exemplo, com cerca de 180 mil imigrantes, receberia 3 imigrantes. O governo municipal, no entanto, ofereceu-se para receber cem.
Em Colônia, com pouco mais de 1 milhão de habitantes, seriam 15 ou 16. O Escritório para a Integração e Diversidade da cidade tem pelo menos 1.500 vagas reservadas para emergências.As ofertas, porém, têm sido barradas pelo ministro do Interior, o conservador Horst Seehofer, que argumenta que o problema é global e não pode ser resolvido localmente.
Pflaum defende justamente o contrário: os responsáveis pela acomodação, saúde, educação, treinamento e integração dos refugiados são os governos locais, que por isso deveriam ter poder de decisão.
Segundo ela, parceiras com os governantes locais, em vez de com os nacionais, seriam a melhor estratégia para que a União Europeia conseguisse desafogar os superlotados campos de refugiados não só na Grécia, mas em Chipre e Malta.
É nesses países do Mediterrâneo (incluindo Itália e Espanha) que chegaram milhões de refugiados que desde 2015 fogem de conflitos e da miséria na África e na Ásia.
A demora em processar pedidos de asilo e a dificuldade em repatriar os que têm solicitações negadas provocaram uma crise humanitária nessas portas de entrada.
Havia em 2019 490 mil imigrantes ilegais na União Europeia que deveriam ter sido repatriados, mas apenas 29% voltaram a seus países, segundo a Comissão Europeia (executivo do bloco), que anunciou na quarta (24) sua proposta para um novo pacto de imigração.
O novo plano até prevê recursos do orçamento comum para governos que abrigarem refugiados, mas o dinheiro não vai para as administrações locais, que são as que arcam com os custos da recepção.
A Seebrücke também quer combater a imagem criada por movimentos de extrema direita de um país hostil aos estrangeiros. Uma pesquisa de opinião do instituto Forsa mostrou que, pelo menos em relação a trazer os refugiados de Moria, os favoráveis estão em maior número.
Metade dos entrevistados disse aprovar a transferência para a Alemanha, e outros 25% concordaram, desde que houvesse uma divisão entre os países da UE. Contrários a receber qualquer imigrante foram 25%.
Para Pflaum, o temor de que receber refugiados dê mais força ao discurso da extrema direita é equivocado. Essa polêmica cresceu depois que a chanceler Angela Merkel abriu o país para cerca de 1 milhão de refugiados em 2016, uma decisão que, segundo alguns analistas, alimentou o crescimento do partido ultranacionalista AfD (Alternativa para a Alemanha).
Desde então, a hipótese foi investigada em várias pesquisas acadêmicas, uma delas publicada na terça (22) e realizada por cientistas do Centro de Ciências Sociais de Berlim e das universidades de Mannheim (Alemanha) e de Nova York.
Os cientistas sociais analisaram 236 comunidades do leste alemão bastante semelhantes, e por isso comparáveis, nas quais havia relativamente poucos estrangeiros (menos de 1,5% da população) antes da crise de refugiados de 2015.
O estudo comparou os resultados das eleições locais entre 2013 e 2017 na metade das cidades que recebeu refugiados e na que não recebeu. Foram feitas entrevistas detalhadas com mais de 1.300 pessoas.
“Nosso objetivo era descobrir se a exposição aos refugiados poderia aumentar a xenofobia, ou, por outro lado, levar a atitudes mais positivas”, disse Johanna Gereke, de Mannheim. Os resultados, porém, mostraram que não houve mudança relevante em nenhuma das direções.
A conclusão dos pesquisadores é a de que a convivência cotidiana e direta com os refugiados não têm impacto nas convicções das pessoas.
“Pode até ser possível que o fluxo de refugiados em 2015, de forma geral, tenha ajudado a AfD. Mas nosso estudo mostra que isso não dependia de as pessoas serem expostas a eles”, dizem os cientistas.
Segundo Pflaum, manifestações públicas pró-refugiados são importantes para mudar o pêndulo da percepção do governo federal. “Nos últimos anos, as vozes populistas da direita tornaram-se muito mais altas, e os políticos nacionais ouviram essa minoria em vez da população geral”, diz ela.