Indígenas não tinham água limpa para beber, nem banheiro ou cozinha para utilizar, segundo MPT
By Mylena Rocha on 8 de agosto de 2019
Submetidos a condições análogas ao trabalho escravo, funcionários denunciaram uma fazenda próxima a Corguinho, a 225 km de Campo Grande. De seis, dois indígenas já deram depoimentos ao MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul), onde contaram as condições humilhantes em que trabalhavam. Eles não tinham sequer água limpa para beber ou um banheiro para utilizar.
Eles contam que ficaram entre março e julho alojados em um barraco de lona improvisado, sem iluminação, banheiro ou cozinha. Segundo relatos, todos tomavam banho de caneco no meio do mato e a água, que também servia para beber, era trazida em um tanque utilizado para limpar a fossa da fazenda. Por conta das condições da água, os trabalhadores indígenas tiveram recorrentes diarreias.
À noite, os trabalhadores tinham que andar na fazenda com lanternas e, no acampamento onde viviam, havia lacraia e cobras escondidas. De acordo com informações do MPF, os trabalhadores são da Aldeia Lalima, em Miranda. Um deles negociou diretamente com o capataz da fazenda para a construção de cerca com poste de eucalipto comprado. O acordo também previa que madeiras retiradas da propriedade fossem depois aproveitadas na confecção de um curral para confinar bezerros.
Esse mesmo trabalhador foi quem custeou o transporte do grupo até a fazenda e, no período de permanência, as despesas do alojamento e ferramentas necessárias para a execução dos serviços. Na audiência do MPT-MS, eles ainda declararam que não houve registro do contrato em Carteira de Trabalho e que não foram fornecidos equipamentos de proteção individual. Acrescentaram que, quando havia algum problema relacionado à cerca, precisavam andar por sete quilômetros até a sede da fazenda.
Também relataram existir atraso no pagamento dos valores ajustados e que o capataz costumava ir ao acampamento em torno de três ou quatro vezes por mês. Já o proprietário da fazenda esteve no local pelo menos duas vezes. Logo, ambos sabiam das condições em que se encontravam os indígenas. Ainda de acordo com os trabalhadores, antes da improvisação do acampamento o capataz chegou a sugerir que a equipe ficasse alojada à beira de um açude com água barrenta e para onde os gados se deslocavam.
O trabalhador que arcou com as despesas decorrentes da prestação dos serviços disse ter desembolsando mais de R$ 7 mil, incluindo a aquisição de duas vacas carneadas para consumo dos indígenas e compra de vários medicamentos, principalmente em decorrência das diarreias.
Ele contou que no período do vínculo contratual o empregador transferiu alguns valores para a sua conta corrente, mas não soube precisar a quantia. Complementou que também fez repasses de valores para os demais trabalhadores e que havia acertado com o capataz da fazenda o preço de R$ 10,00 por poste de cerca fincado.
Esses dois depoimentos colhidos pelo MPT-MS foram apensados a um procedimento preparatório instaurado após denúncia formalizada por meio do portal da instituição. Uma terceira pessoa, que tomou conhecimento dos fatos ao receber chamada telefônica feita por um dos trabalhadores à época das irregularidades, foi ouvida pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, fornecendo inclusive imagens gravadas no local apontando as precárias condições. A exploração de trabalhadores em condições análogas à de escravo é crime e gera repercussões administrativas, cíveis e criminais.